A promessa de que as contas de energia para unidades consumidoras de baixa tensão (formados sobretudo pelos clientes residenciais) podem ficar até 5% mais baratas, de acordo com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, vem acompanhada de certo ceticismo, como indicam especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste. Dependendo da dinâmica, isso pode acabar pressionando o aumento de preços em um médio e longo prazo, revertendo o efeito positivo causado pela Medida Provisória (MP).
A MP em questão é a Medida Provisória das Energias Renováveis e de Redução de Impactos Tarifários. O texto foi assinado nesta terça-feira (9) por Alexandre Silveira e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a presença de diversas lideranças e governadores estaduais, dentre eles Elmano de Freitas, do Ceará.
No discurso, o ministro de Minas e Energia reforçou a importância da MP para trazer um "alívio" nas contas de energia para os consumidores de baixa tensão, principalmente com o pagamento da Conta Covid e da Conta Escassez Hídrica.
"Vamos quitar os juros abusivos contraídos durante a Covid-19 e a escassez hídrica para impedir mais aumento de energia. Devemos R$ 11 bilhões para diminuir a conta dos brasileiros. Essas duas contas foram contraídas de forma irresponsável e jogadas no colo do consumidor de energia", disse Silveira.
Segundo informações do ministro que constam na MP, as contas de energia de todo o Brasil ficarão mais baratas, em percentual que varia entre 3,5% a 5%. O texto estará em vigor por 90 dias, podendo ser prorrogado por mais 90 antes de perder a validade.
Para virar lei, precisa ser votado no Congresso Nacional em um prazo de até seis meses desde a data de publicação da MP, prazo que começa a contar a partir desta quarta-feira (10). Caso entre em vigor de fato, a redução nas tarifas da conta de energia serão válidas até 2026 - último ano do terceiro mandato do presidente Lula.
Como a conta de luz vai cair?
O efeito imediato da MP é de fato reduzir os preços nas tarifas de energia. Mas isso tem um custo que remonta a 2022, com a privatização da Eletrobras, uma das principais empresas do setor energético do Brasil.
Ao todo, o valor a ser pago pelo setor privado para o Governo Federal para arrematar a antiga empresa estatal foi de quase R$ 64 bilhões. Mais da metade desse total (cerca de R$ 34 bilhões) já foi quitada, enquanto o restante (R$ 30 bilhões) chegará aos cofres públicos ao longo desta década e da próxima.
A assinatura da MP na terça-feira está muito relacionada com o montante a ser ainda recebido pelo Governo Federal, principalmente com os empréstimos que serão tomados para as chamadas Conta Covid e Conta Escassez Hídrica.
Trata-se de dois empréstimos contratados durante o auge da pandemia de Covid-19 — embora o segundo não tenha necessariamente correlação com o primeiro —, que estão embutidos nas contas de energia em forma de encargo.
- Conta Covid: em vigor desde 2020, foi um empréstimo liberado pelo Governo Federal para socorrer emergencialmente as concessionárias de energia que estavam pressionadas com as mudanças no consumo elétrico causados pela pandemia. Isso é repassado ao consumidor em forma de encargo e vale até 2025;
- Conta Escassez Hídrica: a seca nos principais reservatórios de água no Brasil em 2021 e 2022 trouxe um novo socorro para as concessionárias, embutidos nas tarifas de consumo TUSD (Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição) e TE (Tarifa do consumo de Energia) e repassados ao consumidor. A revisão do tributo está prevista para 2027.
Conforme Alexandre Silveira, a redução na conta de energia está ligada com a quitação dessas duas contas. Na prática, o Governo Federal vai pagar os dois empréstimos contraídos, e eles serão retirados das tarifas repassadas ao consumidor e geram um acréscimo, nos cálculos do Poder Público nacional, de 3,5% a 5%.
Para liquidar esses valores, o Governo Federal poderá contrair empréstimos dando como garantia o dinheiro que ainda irá receber pela privatização da Eletrobras. Na declaração do ministro de Minas e Energia, ainda faltam R$ 11 bilhões para quitar as duas contas embutidas na fatura da distribuidora de energia. Especialistas chamam a prática de antecipação de recebíveis.
Medida eleitoreira
Conforme o Consultor de Energia da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Jurandir Picanço, as mudanças previstas para proporcionar o barateamento da conta de luz terão efeito em todo o País, condicionadas ao momento político atual do Brasil.
"No momento que foi determinada a privatização da Eletrobras, a empresa ficou com a responsabilidade de transferir recursos para o Tesouro Nacional. Esses recursos iriam para o setor elétrico liberados em dez anos. O Governo vai assumir um novo empréstimo, mas garantido por esse recurso. Não vai ser mais pago pelos consumidores. O empréstimo atual é pago pelos brasileiros", explica.
Isso aconteceu porque estamos em ano eleitoral, então é muito importante para o Governo ter a redução da tarifa. Os consumidores vão pagar menos. É uma redução não tão expressiva, mas para quem já está pagando valores muito elevados, toda redução é sempre muito bem-vinda.
Diferente de outros benefícios, como para clientes de energia elétrica de baixa renda, Jurandir Picanço enfatiza que a MP não vai conceder subsídios para os consumidores, mas sim assumir a dívida paga pelos brasileiros com os dois encargos embutidos nas contas de luz desde a pandemia.
"O Governo está pagando uma conta que estava nas costas do consumidor. Você tem muitos subsídios onerando a conta de energia, e isso não é uma conta do consumidor, mas sim do Tesouro. A regra é que hoje seja rateada pelos consumidores, é isso que se reclama muito", diz.
Questionado sobre um possível aumento no valor das contas após a quitação dos encargos atualmente pago pelos consumidores, o consultor de energia da Fiec afirma que o preço das tarifas devem manter os preços mais baixos, pois as taxas eram pagas provisoriamente, com prazo para serem liquidadas.
"Isso não vai acontecer porque é um valor pontual, uma dívida que o setor elétrico tem, vai ser coberta e acabou. Zerou aquela dívida, não vai criar novas dívidas e impactos depois para subir as tarifas", vislumbra.
"Ovo dentro da galinha"
Já para o professor de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará, Raphael Amaral, as garantias dadas pelo Governo Federal contam que a Eletrobras irá quitar todo o dinheiro devido ao Tesouro Nacional sem maiores problemas, sem analisar condições futuras que intervenham nos preços das tarifas.
"Esse dinheiro está contando com o ovo dentro da galinha. Um dinheiro futuro a ser recebido pelo Eletrobras, que está sendo utilizado como garantia para o Governo poder fazer essa redução com objetivo de melhorar a sua popularidade", dispara.
Quando você fere o princípio de mercado, de oferta e procura, lá na frente esse princípio ele vai ferir você. Pode vir redução agora, no curto prazo, na conta de energia, mas pensando no longo prazo, quando chegar as datas desses recebíveis, pode ser que haja um reajuste maior do que o que deveria ser à época.
Raphael Amaral também pontua que o mercado elétrico brasileiro ainda é muito dependente de usinas hidrelétricas, que ficam bastante pressionadas por eventos como secas. Vale lembrar que, devido à crise hídrica de 2021 nos principais reservatórios do Brasil, que a Conta Escassez Hídrica está em vigor, aumentando os preços das tarifas de energia.
"Caso aconteça algum fenômeno climático que leve a uma seca, além desse dinheiro que já está sendo utilizado, pode ser que venha uma pressão também para o uso de térmicas", avalia o professor.
Redução artificial?
A percepção é similar para o diretor de Regulação do Sindienergia-CE, Bernardo Viana Santana. Conforme o especialista no setor, a MP "tem pontos positivos, mas que podem refletir negativamente no futuro", justamente pela imprevisibilidade das variações de mercado.
"Muitos estão vendendo como benéfico para a sociedade, que vai gerar uma redução, mas o que está sendo colocado é uma antecipação de recebíveis. O Governo ainda tem a receber valores da privatização da Eletrobras, que estão sendo antecipados e destacados para a modicidade tarifária, reduzindo consequentemente as tarifas para os consumidores", pontua.
Visando reduzir a conta de energia, o Governo Federal, na análise de Bernardo Viana Santana, pode acabar adotando um mecanismo "artificial", ou seja, diminuindo os preços com essa antecipação de recebíveis, mas acabar gerando um efeito cascata que leve a uma escalada de valores nas tarifas acima do comum.
No passado, todas às vezes que esses mecanismos foram utilizados, no curto e médio prazo, retornou negativamente para os consumidores. As tarifas podem ter redução agora, mas isso pode vir em forma de prejuízos e novos aumentos no futuro. Muito se fala no setor que isso pode ser prejudicial para os consumidores no médio prazo. Você reduz as tarifas, mas volta com um aumento acima da inflação no futuro.