Com Reforma Tributária, preços dos produtos vão cair? Entenda mudanças

Mudanças na tributação incluem cesta básica, redução de impostos para determinados setores, imposto seletivo, entre outras alterações no sistema tributário

Aprovada em dois turnos no Senado na noite desta quarta-feira (8), a Reforma Tributária avança no Congresso Nacional e se aproxima de mudar a configuração dos impostos em todo o Brasil. Pelo menos na teoria, a expectativa é de menos tributos pagos pelo consumidor. No entanto, para especialistas, na prática, ainda há muitas incertezas na lei.

O projeto no Senado sofreu diversas alterações. Os parlamentares incluíram a “trava de referência”, que bloqueia aumentos na alíquota com a nova tributação. A porcentagem sobre os itens de consumo ainda não foi definida, mas segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve ficar em 27,5%.

Outros pontos incluem ainda a chamada alíquota diferenciada para os profissionais liberais. Estão inseridos membros de profissões regulamentadas com faturamento acima de R$ 4,8 milhões ao ano, portanto, fora do Simples Nacional. Ofícios como advogados, médicos e contadores pagarão 70% da cobrança cheia da alíquota do IVA dual.

Com as mudanças no Senado, o texto volta para a Câmara dos Deputados, onde será novamente apreciado. O desejo do Governo Federal é de que o texto seja integralmente aprovado até o fim do ano, mas membros do Poder Executivo já consideram fatiar o texto e aprovar a parte principal da Reforma Tributária ainda neste ano, e o restante ser analisado com as leis complementares em 2024.

Diante desse cenário de transformação na cobrança de impostos no Brasil, especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste celebraram — com ressalvas — a Reforma Tributária. Entre os pontos, a discordância na construção do texto e a consideração de que é possível que não haja uma redução dos preços e sim uma alta na tributação.

ESTIMATIVA DE AUMENTO DE PREÇOS

Por diversos fatores, o texto que sai do Senado e vai à Câmara, na visão de Fellipe Guerra, presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Ceará (CRC-CE), “descaracteriza a ideia inicial da Reforma”.

“A ideia era substituir cinco tributos por três e agora teremos praticamente cinco tributos por cinco e além de que foram mais de 800 emendas propostas, mais de 200 foram acatadas e trazem maior complexidade ao texto”, critica.

Guerra, que foi ainda o único representante do Conselho Federal de Contabilidade na comissão sobre Reforma Tributária no Senado, se refere à criação das múltiplas alíquotas diferenciadas no Senado para outros segmentos produtivos.

Além do CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, de competência federal), IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, de estados e municípios) e IS (Imposto Seletivo, também chamado “imposto do pecado”), as novas alíquotas estão nas mais de 800 emendas propostas pelos senadores, das quais cerca de 200 foram acatadas e incluídas no texto.

Somados a esses tributos, foi criada ainda a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), especialmente para tributar ao redor do Brasil as mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus, visando manter a competitividade do local.

“Teremos publicação posteriormente das leis [complementares], mas estamos estimando que haverá um aumento dos preços, uma vez que é a expectativa é de que teremos um dos IVAs mais altos do mundo, teremos ainda uma transição longa, entre 2026 e 2032, onde os brasileiros terão de conviver com dois modelos de tributação e isso deverá encarecer o custo de conformidade tributária”.

A fala de Fellipe Guerra é endossada pelo presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), Schubert Machado, que define que “em muitos casos, haverá aumento da tributação, e isso pode levar a aumento dos preços”.

“[A Reforma Tributária] não trará simplificação. Ao contrário, no período de transição, a complexidade será muito maior que a atual e mesmo depois disso o sistema continuará extremamente complexo. (…) No geral, a PEC pode trazer dois grandes problemas: aumento da carga tributária e grande diminuição da autonomia federativa dos estados e municípios”, completa.

REFORMA DAS EXCEÇÕES

Se o objetivo era simplificar os impostos no Brasil, segundo Hamilton Sobreira, presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), a Reforma Tributária, como saiu do Senado, está bem longe de atingir a meta.

“Enquanto a gente não tiver a votação também final da Câmara e depois uma lei complementar, tudo que a gente falar acaba sendo um pouco de especulação. Agora, que haverá redução de carga tributária, não, não haverá, e a redução para cinco tributos também não me garante que haverá uma simplificação”, alerta.

Sobreira ainda destaca que no texto do Senado e na análise da criação de exceções e novas alíquotas não foi considerado o Imposto de Renda, que também incide nos impostos atualmente vigentes e deve ser mantida na nova tributação.

“Não tem como ver esse impacto agora até porque tudo vai ser jogado para uma lei complementar. Criaram supostamente uma trava de tributação de 27,5%, porém, a gente tem que lembrar que o imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro líquido não estão aí, então nossa carga tributária pode ultrapassar os 30%. Lembra que essa Reforma Tributária é só sobre é consumo, bens e direitos, a reforma não inclui a tributação sobre a renda, por exemplo”, reflete.

Apesar disso, outros pontos foram frisados por Schubert Machado como compensação, principalmente no que diz respeito à cesta básica, que com a Reforma Tributária, criou dois subtipos:

- Cesta Básica Nacional: lista com itens considerados essenciais e completamente zerada de tributos;
- Cesta Básica Estendida: lista mais numerosa, com diversos produtos, com pagamento de 40% do imposto geral (a alíquota diferenciada, já presente em outros setores considerados essenciais, como medicina). Pessoas de baixa renda poderão ter devolução do tributo (cashback).

“É uma tentativa de não haver — ou diminuir — a tributação sobre o consumo desses bens, de maneira a evitar que os consumidores arquem com o custo tributário. Pode aqui haver alguma redução nos preços específicos”, aponta o presidente do Icet.

MUITO TEXTO, POUCA EFETIVIDADE

As novas cestas básicas, entretanto, são um dos poucos pontos concretos que mostram mudanças benéficas para a grande parcela da população na visão dos especialistas. Hamilton Sobreira pondera ainda que as inúmeras emendas acrescentadas no Senado prejudicam o processo de simplificar o projeto ansiado há décadas.

“Uma reforma onde só de texto constitucional tem mais de 32 páginas. Lembra que quanto mais palavras houver, há a possibilidade de haver erro ou de interpretações. Com certeza surgirão mais problemas na relação tributária fisco-contribuinte”, diz.

Ele completa evidenciando a necessidade de uma Reforma Tributária, proposta há pelo menos 30 anos, mas discutida com afinco há poucos meses sem a efetiva participação da sociedade no processo.

“Propuseram há trinta anos, mas nunca se discutiu, veio se discutir agora. Não foi debatido com a sociedade pelo menos com tempo hábil para isso, não há grandes tributaristas participando desse debate. A gente apresentou várias sugestões de emendas, pouquíssimas foram acatadas, mas que bom que pelo menos para quem não tinha nada, essa redução dos 30% para os profissionais liberais foi acatada”, argumenta.

Para Fellipe Guerra, o grande problema está na indefinição de alíquotas e em como os estados do Norte e Nordeste poderão ser competitivos com o fim dos incentivos fiscais frente às mudanças na tributação.

“É muito cedo para dizer pelas ausências de estudos de impacto econômico e da definição clara das alíquotas se as perdas serão efetivamente compensadas e se o novo formato trará de verdade o equilíbrio. A expectativa com a questão principalmente da perda dos incentivos fiscais e da estimativa da perda de arrecadação dos municípios não é nada tão simples de ser resolvido, pelo menos neste primeiro momento”, infere.

De acordo com Schubert Machado, o cashback para famílias de baixa renda e a cesta básica estendida podem devolver o custo tributário ao consumidor.

“Somente com a lei complementar saberemos os detalhes de como funcionará. A alíquota diferenciada para os profissionais liberais tem como objetivo diminuir o imenso aumento da tributação que haveria para essa categoria, que envolve majoritariamente a classe média”, classifica.