Em um ano ainda muito marcado pela instabilidade da pandemia da Covid-19, o Ceará encerrou 2021 com mais de meio milhão (539 mil) de pessoas desocupadas. O número é o maior em dez anos, segundo a Síntese de Indicadores Sociais, pesquisa divulgada nesta sexta-feira (2) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O dado é, inclusive, maior do que no ano anterior (503 mil), quando iniciou a pandemia e o Estado passou cerca de quatro meses em isolamento social rígido.
O volume de 539 mil desocupados representa 14% do total da população em idade para trabalhar, ou seja, acima de 14 anos. O percentual também é o maior para o Estado desde 2012, quando iniciou a série histórica da pesquisa.
O diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mario França, pontua que há duas razões principais que explicam o aumento significativo da desocupação no Estado em 2021. A primeira delas é a continuidade da gravidade da crise sanitária em 2021, que ainda exigiu alguns níveis de isolamento social, mesmo com o início da vacinação, reduzindo o ritmo de recuperação da economia.
A segunda está relacionada a uma questão mais técnica da pesquisa. O IBGE considera desocupada a pessoa que não está trabalhando no momento de elaboração do levantamento, mas que está em busca de uma recolocação no mercado. França lembra que, em 2020, o Governo Federal pagou um auxílio emergencial de até R$ 1,2 mil, o que possibilitou que as famílias suprissem suas necessidades e ficassem em casa no pico da contaminação.
Em 2021, houve a descontinuidade do auxílio. Nos três primeiros meses do ano, o benefício não foi pago e quando voltou na segunda rodada, o valor foi menor. Então, houve uma demanda maior por emprego. Lembando que o mercado de trabalho ainda estava muito desaquecido, principalmente o setor de serviços, que é o carro-chefe do Estado, representando mais de 76% do nosso PIB"
Os ocupados somaram 3,3 milhões de trabalhadores, correspondendo a 45% da população com mais de 14 anos. Entretanto, desses, havia 1,7 milhão (37,1%) subutilizados, ou seja, estão trabalhando menos horas que gostariam e teriam disponibilidade. Ainda entre os ocupados, apenas 1,46 milhão deles, ou 44,3% do total, eram formais.
Desigualdade de acesso
O levantamento também aponta a divisão dos trabalhadores por posição na ocupação. Os empregados somam 55,2%, dos quais 28,3% atuam com carteira assinada e 26,9%, sem. Há ainda 29,7% cearenses trabalhando por conta própria, 8,5% militares ou funcionários e 3,9% na posição de empregador.
Em relação às características dos próprios trabalhadores, o Ceará tem 60% dos ocupados do sexo masculino e 40%, do feminino. Considerando a raça, 75,2% dos trabalhadores são pretos ou pardos. Por idade, a predominância é de trabalhadores entre de 30 a 49 anos (52,6%).
O diretor geral do Ipece pontua que o mercado de trabalho no Ceará e no Nordeste ainda apresenta muitos problemas estruturais que precisam ser resolvidos, como a presença da baixa escolaridade, embora esse aspecto esteja melhorando no Estado. "Desde 2007, tem sido feitos investimentos grandes na educação, propiciando resultados cada vez melhores em relação ao restante do Brasil. Mas é um processo que demora até pessoas com melhor escolaridade cheguem ao mercado", ressalta.
Sobre a predominância do gênero masculino entre os que estão ocupados, França afirma que ainda é uma realidade a maior dificuldade de acesso a oportunidades por mulheres, tendo em vista que elas acabam assumindo maior responsabilidade da família.
Embora os pretos e pardos estejam em maior número entre os que estavam trabalhando em 2021, o especialista ainda lembra que estes possuem realidades de acesso diferentes a serviços básicos como educação, saúde e saneamento básico, que acabam prejudicando a produtividade dessas pessoas e o alcance de oportunidades de trabalho, especialmente qualificado.
Sobre o alto índice de informalidade no Estado, de cerca de 55,7%, França esclarece que essa realidade também está muito ligada à baixa escolaridade dos trabalhadores e ainda gera um cenário de extrema insegurança a essee trabalhadores.
"A qualidade do trabalho informal é muito pior que emprego formal, pois tem serie de garantias que o trabalhador informal não tem acesso, principalmente relacionadas a Previdência.É uma situação difícil de reverter a curto prazo, porque está muito ligada a questão da baixa escolaridade, à dificuldade de acessar emprego formal. Alguns até tentam montar negócio próprio, mas a probabilidade de fechar no primeiro ano é grande", esclarece.
Rendimento
Além da parcela de desocupados ter aumentado significativamente, o rendimento dos cearenses que conseguiram se manter empregados também caiu. O salário médio no Estado do trabalho principal ficou em R$ 1.744 em 2021, R$ 206 a menos que a média de 2020 (R$ 1.950). Considerando a carga horária, o cearense ganhou, no ano passado, cerca de R$ 10,8 por hora trabalhada.
Olhando a posição na ocupação, os empregadores são os que possuem a maior média salarial, ganhando R$ 5.789, seguidos pelos militares (R$ 3.755). Os empregados sem carteira assinada são os que tiveram menor rendimento em 2021 (R$ 1.058).
Já por característica do trabalhador, os homens ainda recebem mais que as mulheres, ganhando R$ 1.848 contra R$ 1.58 pago a elas. A discrepância também é significativa olhando para a raça. Os ocupados brancos ganham R$ 2.064 mensais e os pretos ou pardos, R$ 1.639.
Na divisão por idade, os trabalhadores de 50 anos ou mais foram os que receberam os maiores rendimentos no ano passado, alcançando média de R$ 2.775, seguidos por aqueles com idade entre 50 e 59 anos (R$ 2.040) e os de 30 a 49 anos (R$ 1.889). O pior salário ficou entre os ocupados de 14 a 29 anos (R$ 1.067).