Em semana agitada no Congresso, deputados discutem ajustes ao relatório do grupo de trabalho da regulamentação da Reforma Tributária. Um ponto polêmico é se a proteína animal (como carnes e frangos) deverá ou não ser isenta de impostos para aliviar o bolso dos consumidores brasileiros.
Na prática, se não houver mais tributos pressionando o custo do item, consequentemente, o preço tende a cair. O relatório que definirá isso ainda deve ser concluído até sexta-feira (5).
Na quarta-feira (3), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, admitiu que há uma dificuldade em zerar a alíquota da carne na cesta básica. Segundo ele, a regulamentação deve ser votada na próxima semana.
Atualmente, o Projeto de Lei (68/2024) sobre a essencialidade dos produtos já corta em 60% as alíquotas dos tributos federais (CBS), estaduais e municipais (IBS) sobre carnes bovinas, aves e peixes.
Mas não se sabe se esses alimentos agora farão parte do grupo desonerado da cesta básica. É o que os deputados avaliam ao longo desta semana.
Segundo o governo, atualmente, os impostos que incidem sobre as carnes estão em 12,7%. Diante da discussão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu, nessa terça-feira (2), zerar esse percentual sobre a carne.
"Acho que temos que fazer diferenciação. Você tem vários tipos de carne, tem carne chique, de primeiríssima qualidade, que o cara que consome pode pagar um impostozinho. Agora, você tem outro tipo de carne, que é a carne que o povo consome", disse.
"Frango, por exemplo, não precisa ter imposto. Frango faz parte do dia a dia do povo brasileiro, ovo faz parte do dia a dia. Uma carne, sabe, um músculo, um acém, coxão mole, tudo isso pode ser evitado", completou o presidente.
Além da redução da arrecadação tributária, uma questão que preocupa é como ficaria a fiscalização desse tributo. Para o deputado federal cearense Mauro Filho (PDT), as decisões de fiscalização dos novos tributos sobre consumo deverão ser unificadas.
Diferenciação complicada
A isenção na qual o presidente Lula se refere atingiria os cortes bovinos menos nobres, chamados também de "carnes de segunda", a exemplo do acém e dos coxões mole (chã de dentro) e duro (chã de fora). Já filé mignon e picanha, consideradas "carnes de primeira", manteriam a tributação reduzida, com desconto de 60% em relação à alíquota cheia.
Apesar disso, existe uma dificuldade em reconhecer o corte por parte do órgão fiscalizador, no caso a Receita Federal. É o que explica Mauro Filho, deputado que integra um dos grupos técnicos de discussão das leis ordinárias que vão regulamentar a Reforma Tributária.
A Receita Federal está dizendo que não dá para diferenciar uma picanha de um coxão duro. Isso está em discussão dentro do grupo. A cesta básica foi feita primeiro para produtos muito específicos, para o pessoal mais pobre, e a segunda também para outras classes, com produtos como farinha e chimarrão, para incorporar produtos regionais. A discussão está nisso aí hoje.
Atualmente, o parlamentar afirma que existem 1.341 produtos na atual cesta básica, com regime diferente de tributação. A vasta gama de produtos incluem itens de consumo considerados nobres, como o próprio filé mignon, mas também alimentos como presunto de parma, queijo suíço e salmão.
"A questão da carne é complicada. O pobre come filé mignon? Dificilmente. Agora ele pode comer coxão duro, coxão mole, acém, entre várias outras carnes que fazem parte do dia a dia, como é a questão do frango", reflete o deputado.
Benefício, mas nem tanto
Se por um lado a Reforma Tributária traz certa simplificação no sistema de pagamento de impostos no Brasil, por outro, com a complexidade das leis, exceções e diferenciações para um mesmo item, como a carne bovina, pode acabar resultando em prejuízos para o consumidor final, como avalia o economista Alex Araújo.
A alíquota zero para carnes bovinas pode resultar na redução dos preços ao consumidor final, tornando-a mais acessível para as famílias, especialmente aquelas de baixa renda. Isso pode aumentar o consumo de proteína animal e melhorar a qualidade da alimentação. Entretanto, o fato de termos muitas regras para diferentes produtos deixa o sistema tributário mais complexo, retirando parte do benefício da reforma fiscal.
Outro ponto destacado por Alex Araújo é de que a tributação diferenciada na proteína animal pode ter impacto nas cadeias produtivas das carnes brancas, como frango e peixe, produzidas, sobretudo no Ceará, por pequenos pecuaristas.
"A preferência pela carne bovina devido ao preço mais baixo pode levar a uma menor diversificação na dieta dos consumidores. Além disso, trata-se de fornecedores distintos, com a produção de frangos e a pesca artesanal com peso significativo em pequenos produtores que podem sofrer com a concorrência. Fortaleza, por exemplo, possui muitos trabalhadores ligados à pesca artesanal que podem sofrer impactos caso o preço da carne bovina fique muito competitiva", considera.
Caso se confirme essa isenção, outros produtos teriam de passar a ser tributados, como explica o economista. Existe a discussão de que mais itens sejam incluídos no Imposto Seletivo (IS), também chamado de "imposto do pecado", como forma de compensar a isenção da carne bovina.
"A isenção tributária representaria uma perda de receita para o governo, que precisará ser compensada por meio de aumentos de impostos em outros produtos ou setores, o que pode trazer novas complicações econômicas", projeta.
Os deputados seguem na discussão sobre a Reforma Tributária pelo menos até o fim desta semana em Brasília. A expectativa, segundo Mauro Filho, é votar as leis que regulamentam o projeto até o dia 17 de julho, último dia de trabalhos no Congresso Nacional antes do recesso parlamentar do meio do ano.
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