O transporte de cargas via 4º Anel Viário de Fortaleza segue como um dos principais gargalos para a economia cearense. A via, em obras que se arrastam há mais de uma década, pode seguir na contramão do propósito inicial de baratear custos logísticos. Para especialistas, o preço do frete pela rodovia pode ficar ainda mais caro — cerca de 30% — com as intervenções incompletas.
Na análise de Heitor Studart, coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), as cargas que poderiam passar com maior rapidez pela rodovia acabam atrasando pela falta de conclusão em alguns trechos, bem como gargalos ainda não resolvidos por duplicações e demais projetos de obras.
Por baixo, o frete encarece em mais de 30% pelo mau uso porque não tem fluxo de veículos. Só para ter uma ideia, uma firma de transporte de cargas que faria esse trecho entrando no Ceará para ir ao Porto do Pecém e que poderia fazer duas, três vezes por dia, só faz uma pela má situação de conservação dessa rodovia. O prejuízo no fluxo de veículos, instalação e investimentos é incalculável".
Obras de duplicação se arrastam há anos
Criado como alternativa ao alto fluxo de veículos de Fortaleza e para interligar os portos do Pecém e do Mucuripe às principais rodovias que chegam e partem da capital cearense, o Anel Viário completa em 2024 14 anos em obras de duplicação como um dos legados mais questionáveis da infraestrutura do Estado.
A necessidade pela duplicação foi evidenciada pelos governos estaduais que passaram, e as obras começaram em 2010 no fim do primeiro mandato do então governador Cid Gomes. A promessa era de pista dupla, em pavimento rígido (concreto), mais resistente em virtude dos caminhões pesados que passam pela estrada.
Desde então, passaram pela gestão estadual Camilo Santana, Izolda Cela e, atualmente, Elmano de Freitas. As obras, que eram de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), passaram para o Governo do Ceará em 2022.
"É um caso sério de má gestão de contrato e de condução de um dos eixos rodoviários mais importantes do Ceará. De 2002 para cá, são mais de 20 anos para realizar pouco mais de 30 quilômetros (km) enquanto em uma obra normal é de seis a oito meses para finalizar", critica Heitor Studart.
Para Heber Oliveira, professor do departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), a demora nas obras pode ser justificada por razões que não passam somente pela burocracia governamental.
"Devem existir questões de ordem de desapropriação, questões relacionadas à atualização do projeto, à utilização de materiais que deveriam ser utilizados e que podem ter perdido licença, a própria aprovação dos projetos por parte dos órgãos de controle", avalia.
Obras auxiliares, mas sem solução definitiva
Ao longo dos 14 anos da duplicação, novas intervenções foram feitas no eixo que interliga os portos do Mucuripe e Pecém, cuja conexão é feita, em sua maioria, pelo Anel Viário, mas conta com vias auxiliares.
- Fortaleza: substituição do asfalto pelo intertravado na Avenida Vicente de Castro (saída do Porto do Mucuripe); substituição do asfalto pelo concreto na Avenida Dioguinho; conclusão da Estrada da Sabiaguaba, renomeada para CE-010, em piso intertravado;
- Eusébio: conclusão da CE-010 e conexão com Anel Viário;
- Caucaia: duplicação da CE-155 a partir da BR-222 (distrito de Catuana) até o Porto do Pecém.
Na última semana, o governador Elmano de Freitas revelou que as obras serão retomadas com ritmo intenso, com recursos oriundos do Ministério das Cidades e do Governo do Ceará.
Segundo a Secretaria de Obras Públicas do Ceará (SOP), serão investidos R$ 97 milhões em obras. Conforme a pasta, para concluir a duplicação da via resta ainda a "execução de algumas alças, retornos e acessos, além de ciclovia e acabamentos".
No edital da contratação da empresa responsável pela obra, no entanto, ficou de fora a duplicação do viaduto do Anel Viário sobre a BR-116, que ainda funciona em pista mais estreita. A SOP informou à reportagem que "o alargamento está em fase de estudo". O assunto também foi tratado por Elmano de Freitas.
"Vamos concluir o Anel Viário, ter uma retomada de obra intensa. Aquele gargalo quando vai chegando na BR-116, aquele viaduto que é muito estreito, ter uma saída para pegar a BR-116 sem o transtorno que temos hoje que causa muito engarrafamento", disse o governador na última terça-feira (9).
Os problemas da intervenção em curso há quase 15 anos acabam por se avolumarem e passam longe de ter uma solução definitiva. Heitor Studart argumenta ainda que a nova licitação do Governo do Ceará, atualmente em curso, sequer contempla outras áreas cruciais para entregar o 4º Anel Viário conforme estabelecido inicialmente no projeto.
A obra já foi licitada sem projeto executivo, até hoje a obra teve quatro licitações desertas (fracassadas) porque está se reaproveitando o projeto de anos atrás, essa última licitação não engloba a conclusão completa porque temos obras complementares como as alças dos viadutos, faixas de domínio, ciclovias e pedestres. O prejuízo é incalculável ao Ceará".
Quando, enfim, a duplicação do 4º Anel Viário de Fortaleza será entregue?
Os cerca de 32 km da rodovia interligam a interseção das BR-020 e BR-222, na Caucaia, passando pelas CE-060 e CE-065, em Maracanaú — incluindo o Distrito Industrial do município, o principal nos arredores de Fortaleza — pela BR-116, na divisa entre a Capital e a Itaitinga, até chegar no entroncamento das CE-010 e CE-040, no Eusébio.
Com alto fluxo de veículos de carga em pista simples, a rodovia precisou passar por obras de duplicação. A Ordem de Serviço (OS) foi oficialmente assinada em 2010, e desde então, entre paralisações e ritmo lento de obras, a maior parte da intervenção saiu do papel, mas repleta de problemas.
"Uma vez que você não tem (a obra pronta), a tendência é que você promova que se tenha essa circulação toda ocorrendo dentro do contexto urbano, o que complica ainda mais o tráfego, e essa mobilidade logicamente cai e todo mundo acaba sofrendo e tendo prejuízo", pondera Heber Oliveira.
De acordo com a SOP, o novo edital, "em fase final de homologação", prevê que a obra leve um prazo de 15 meses para ser concluída após assinatura da OS. A expectativa é de que isso aconteça ainda neste ano, e que as obras sejam finalizadas pelo menos até 2026, último ano do primeiro mandato do governador Elmano de Freitas.
HISTÓRICO DO ANEL VIÁRIO
- Março de 2010 — Assinatura do contrato para o início das obras. O consórcio Queiroz Galvão/EIT foi o vencedor da licitação, estimada em R$ 188,9 milhões, e com previsão inicial de término em 2012;
- Junho de 2011 — Empresas do primeiro e segundo lugares da licitação já haviam desistido da obra;
- Janeiro de 2012 — Governo estadual assume obras após atrasos. Prazo para conclusão é adiado para 2013;
- Novembro de 2015 — Governo estadual adia novamente prazo de entrega para dezembro de 2016;
- Dezembro de 2015 — Consórcio rescinde contrato e obra fica paralisada;
- Março de 2017 — Governo retomada processo de relicitação da duplicação da rodovia;
- Junho de 2017 — Retomada das obras com as empresas Torc Terraplenagem Obras Rodoviárias e Construções LTDA/ Via Engenharia S.A. (Torc-Via);
- Março de 2019 — Obras do Anel Viário ficam paralisadas por contas das fortes chuvas;
- Julho de 2019 — Trabalhadores retomam as obras do projeto após período de chuvas;
- Dezembro de 2019 — Souza Reis pede recuperação judicial e ritmo das obras diminuem;
- Janeiro de 2020 — SOP pede inclusão de quarta empresa no consórcio / PGE aprova inclusão;
- Junho de 2022 — Anel Viário passa a ser de responsabilidade do Estado;
- Julho de 2022 — Empresas interessadas na conclusão das obras apresentam valor muito abaixo do mercado e não são aprovadas pela SOP. Edital fracassa;
- Dezembro de 2023 — Governo do Ceará assina convênio com o Governo Federal para liberação de recursos para conclusão das obras;
- Abril de 2024 — Novo edital de licitação para as obras do 4º Anel Viário é aberto pela SOP;
- Julho de 2024 — Edital de licitação para as obras entra em fase de homologação do consórcio vencedor junto à SOP.