Ainda sem definição, a regulamentação dos direitos de trabalhadores de aplicativos é tema de pelo menos 19 projetos que tramitam no Congresso Nacional, além de pauta de diversas decisões jurídicas movidas pelo reconhecimento do vínculo de trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já julgou quatro vezes pelo não reconhecimento de motoristas e entregadores de aplicativo nos critérios de relação de trabalho colocados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Apesar disso, empresas do setor têm começado a refletir sobre a necessidade de proteger com algum direito esses trabalhadores.
O iFood iniciou publicamente uma discussão sobre a regulação do trabalho em plataformas digitais, defendendo para os entregadores direitos como aposentadoria e ganhos mínimos.
Um modelo de trabalho diferente
O juiz do trabalho e doutor pela PUC/SP em direito trabalhista, Otávio Calvet, explica que a CLT tem critérios rígidos para configurar uma relação de trabalho. Para que haja uma relação trabalhista entre uma empresa e um funcionário é preciso haver quatro características: pessoalidade, habitualidade, onerosidade, subordinação.
Para Calvet, o ponto que mais distancia os trabalhadores de aplicativo da relação trabalhista convencional é a questão da subordinação, já que não há um patrão para realizar controle de horário ou de produção.
Ele também destaca a questão da habitualidade. Como não há um padrão de horas trabalhadas por dia por cada funcionário, não há como determinar uma remuneração padrão para a classe.
O especialista considera que os entregadores e motoristas acabam vulneráveis. Para ele, há a necessidade de uma regulamentação nova que garanta direitos trabalhistas permitindo a flexibilidade que é própria desse modelo de trabalho.
Para nós estudiosos da área trabalhista, é consenso que alguma proteção trabalhista é necessária. Pode não ser a proteção clássica da CLT, eu acho que ela não se encaixa. Mas não ter proteção nenhuma não parece ser interessante para a sociedade. Para o futuro, essa forma de trabalhar por aplicativo pode ser até majoritária. O que a gente percebe é a necessidade de existir uma proteção adequada. A gente precisa de uma legislação adequada, nova, para atender esse tipo de trabalhador
“Em vez de olhar para o vínculo jurídico, deveríamos olhar para a pessoa. Se a pessoa é um trabalhador deveria ter direitos mínimos. Não importa se é entregador de aplicativo, autônomo ou CLT”, diz.
Direitos defendidos
Em nota, o iFood afirmou que considera “urgente e fundamental” a discussão sobre a construção de uma regulação do trabalho em plataformas digitais que assegure direitos aos trabalhadores.
"Alinhado com o restante do mundo, o iFood vem estudando a regulação do trabalho em plataformas digitais em vários países. Em paralelo, busca proativamente o diálogo com os próprios trabalhadores, o poder público, academia, sociedade civil organizada e outras plataformas digitais, a fim de construir juntos uma proposta", anuncia.
Para o iFood, os entregadores devem ter acesso a:
-
Segurança, com acesso a seguro em caso de acidentes e fundos de proteção em caso de afastamento por doença.
-
Ganhos mínimos definidos e acima do piso calculado pelo salário mínimo vigente no país, para assegurar estabilidade econômica e social para os trabalhadores e para as empresas.
-
Proteção social, dando acesso à seguridade social de forma estruturada e simplificada.
-
Transparência e diálogo na relação com as plataformas, por meio da facilidade de acesso às regras de uso e de cadastro do profissional.
-
Desenvolvimento, com projetos de formação e capacitação do trabalhador.
Segundo a empresa, foram investidos mais de R$133 milhões no último ano em iniciativas de proteção e apoio aos entregadores cadastrados na plataforma.
Políticas públicas baseadas em dados
A Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), que representa mais de 150 aplicativos, incluindo a Rappi, se coloca aberta a contribuir com a estruturação de políticas públicas para os prestadores de serviços parceiros.
Em nota, a associação afirmou que tem elaborado estudos técnicos sobre o futuro do trabalho e as experiências recentes em outros países e construído um “entendimento interno” sobre princípios e compromissos relacionados ao trabalho por meio de plataformas digitais.
“A ABO2O está aberta ao diálogo para indicar as melhores soluções para o pleno funcionamento e continuidade do crescimento sustentável do setor. Acreditamos em saídas com instrumentos jurídicos já em funcionamento no Brasil, que garantam a todos os profissionais independentes a proteção social”, destaca.
Relação trabalhista
Também em nota, a Uber se posicionou sobre a temática reforçando a inexistência de vínculo trabalhista entre os entregadores e a empresa.
A empresa citou a regulamentação em 2019 do mecanismo de inscrição de profissionais independentes na Previdência Social, “permitindo aos contribuintes acesso a benefícios como auxílio-doença e aposentadoria”.
Segundo a Uber, foram tomadas medidas de proteção para motoristas e entregadores parceiros em razão da pandemia, tais como uma política de assistência financeira para diagnosticados com a Covid-19, reembolso de itens como máscaras e álcool em gel, limpeza dos veículos com produto usado em UTI.
O Diário do Nordeste entrou em contato também com a assessoria de imprensa do James para um posicionamento sobre o tema, mas não recebeu qualquer resposta até o fechamento desta reportagem.