Depois de anos de espera, precatórios de um processo que já nem eram mais lembrados aparecem. Milhares de reais podem cair na sua conta, sendo necessário apenas o pagamento de taxas de cartório, uma burocracia jurídica.
É com base nessa premissa que criminosos aplicam o golpe dos precatórios, sobretudo em aposentados. Os golpistas se passam por escritórios de advocacia ou até mesmo juízes, e entram em contato com a vítima por telefone ou WhatsApp, prometendo um dinheiro que talvez sequer tenha sido liberado.
Os precatórios são fruto de ações judiciais de servidores públicos, normalmente por questões trabalhistas. Como o pagamento depende do orçamento do estado, união ou município, o processo pode demorar anos para ser finalizado, sendo comum que os beneficiários até esqueçam que têm dinheiro para receber.
O presidente da Comissão de Credores e Precatórios da OAB-CE, Fabiano Aldo Alves Lima, ressalta que o contato para recebimento de precatórios não acontece por telefone e não há necessidade de qualquer pagamento por parte dos autores da ação.
“O advogado não liga cobrando dinheiro, não tem a possibilidade de ele dando dinheiro agilizar o pagamento. Já fizemos vários boletins de ocorrência, mas infelizmente os golpes continuam. E como é um volume muito grande, muita gente infelizmente cai nesse golpe”, diz.
Sonho frustrado
Um aposentado cearense de 77 anos, que não quis ser identificado, foi vítima do golpe e teve prejuízo de R$ 7.495. Os golpistas entraram em contato via WhatsApp, se passando pelo escritório de advocacia autor da ação.
A mensagem foi enviada supostamente por uma secretária do escritório, indicando um telefone fixo para que ele pudesse conversar com o suposto advogado e entender a situação.
“Ela me prometeu um valor de R$ 184 mil e tinha que pagar R$ 7.495 correspondente a duas certidões negativas, que seriam para o cartório. Eles me passaram a conta do cartório para fazer o depósito”, lembra.
O aposentado confiou nos golpistas por utilizarem o nome de um escritório que ele já conhecia e por meio do qual já havia inclusive recebido precatórios no passado. A desconfiança do golpe veio no dia seguinte, quando os criminosos solicitaram mais dinheiro.
Quando eu falei com ela [suposta advogada], ela disse que tinha outro valor para acrescentar de R$ 166 mil de outra ação, que no total daria R$ 350 mil. Eu teria que recolher o IVA [Imposto sobre Valor Agregado], porque ultrapassava os R$ 200 mil. Aí já percebi que era golpe. Quando pedi os dados para recolher o IVA, me mandaram a mesma conta do cartório que eu havia depositado anteriormente, pedindo um valor de R$ 28.300"
A certeza do golpe veio quando uma advogada conhecida da família checou os números do processo e da OAB dos advogados, que haviam sido indicados na mensagem, os constatando como falsos. Ao ligar no fixo cadastrado na OAB do escritório, os advogados informaram sobre a fraude.
Para o aposentado, foi uma frustração descobrir o golpe. Ele já tinha planos e sonhos para o dinheiro que esperava receber.
“Eu senti uma tremenda frustração, porque já estava fazendo planos de construir minha casa no interior. Depois disso, me senti completamente frustrado”, conta.
Mecanismo do golpe
O golpe dos precatórios vem ocorrendo desde 2018 e, apesar dos esforços da Comissão de Credores e Precatórios da OAB-CE, segue fazendo vítimas. Para Fabiano Aldo Alves Lima, o número de tentativas de golpe bem sucedidas é explicado pela forma como os golpistas trabalham e pelo desconhecimento jurídico da população.
Há um certo aperfeiçoamento dos golpes, eles ligam como se fosse a secretária de um escritório que passa para um advogado. Dá os detalhes, o número do processo, se passa pelo advogado. E a pessoa que não está direto em contato com o advogado cai”.
Normalmente, os golpistas falam que o pagamento do depósito é necessário para agilizar o processo e que um pedido de gratuidade poderia levar mais anos na Justiça. Ele destaca que o pagamento dos precatórios sempre é feito direto na conta do beneficiário, mas que os criminosos afirmam que o dinheiro está na conta jurídica do escritório.
“Não é pouco o número de pessoas que na ânsia de receber dinheiro de uma ação depositam dinheiro para esses falsários. As pessoas não checam se é mesmo o advogado porque tem CPF, número da ação, OAB do advogado, é algo bem elaborado”, coloca.
Como evitar?
Fabiano alerta que a orientação dada pela OAB é de escritórios não entrarem em contato com beneficiários de precatórios por ligação ou WhatsApp. O contato deve partir do cliente.
Segundo ele, qualquer ligação informando sobre recebimento de precatórios deve ser dispensada, principalmente se for solicitado qualquer valor em dinheiro. Nesse caso, deve-se entrar em contato com o número do escritório e não realizar qualquer depósito.
Para ter notícias sobre o andamento dos processos, o presidente da comissão da OAB orienta que se deve estar em contato constante com o advogado responsável da ação, de forma a conseguir uma previsão de quando de fato o dinheiro irá sair.
“É uma coisa bem elaborada, com dados verdadeiros do processo, mas que o objetivo é falso. A pessoa deveria saber que não precisa pagar nada para receber. O tribunal nem juiz nenhum vai ligar para casa ou WhatsApp. Os advogados tomaram posição de pedir sempre que o cliente ligue para o escritório”, reforça.