Desde que o "monstlo colonavílus" começou a circular pelo Ceará, a pequena Maria Liz, de 4 anos, não pode ir à creche na qual estuda, que fica a apenas sete quarteirões do apartamento onde mora, no bairro Joaquim Távora. As atividades presenciais foram suspensas desde o dia 16 de março e devem seguir, pelo menos, até o dia 4 de maio, com possibilidade de extensão. A mãe da criança, Luziani Bezerra, optou pelo isolamento social e tentou explicar à filha o porquê de ficar em casa.
"Ela até pergunta: mamãe, quando é que eu vou pra escola? Já sei, mamãe, é por causa do malvado, né? Quando é que o 'colonavilus' vai sair, mamãe?. E eu respondo: Não sei, minha filha, só Deus sabe", explica Luziani à filha, cujas rotinas muito mudaram desde que as atividades na pré-escola foram trocadas pelas remotas.
Um grupo de WhatsApp onde mães, pais, professora e coordenadora estão é o principal elo para que o aprendizado continue. "Para a Prefeitura, eles não estão de férias, é aula normal, todo dia tem uma tarefa. A professora manda um vídeo dizendo qual é a atividade que vai ser feita hoje. Então a gente faz uma foto ou um vídeo e manda pra ela dar a presença", conta a mãe.
Rotina
"Eu sei que a situação tá crítica, mas a gente não pode deixar nossas crianças ociosas. Temos que buscar algumas coisas pra elas fazerem - e dentro do contexto da escola", avalia Luziani que, por outro lado, diz ter mudado a rotina de estudos para que pudesse acompanhar a filha.
A professora de educação física Roberta Guedes e o filho Bruno, de quase três anos, também tiveram que adotar uma rotina de quarentena. "A rotina mudou totalmente. Não tem como ficar acordando todo dia 6h da manhã como se tivesse indo pra escola", defende Roberta.
As atividades a distância promovidas pela creche, porém, só começaram na semana passada, isso porque a instituição estava se adaptando ao acesso remoto. Por isso, antes de desenvolverem um aplicativo, enviaram apostilas das atividades que a criança iria fazer durante o período, "mas era uma coisa tão vaga, pois não sabia como a professora fazia na escola", narra.
"A gente tem acesso às aulas online, e elas gravam nas casas delas. Às vezes é videoaula, às vezes é só imprimir a tarefa para fazer com ele. Mas, claro, não é a mesma coisa porque tem a interação com os amigos, com a professora", acredita a mãe.
'Ilusão'
De acordo com a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cristina Façanha, cuja área de atuação é a Educação Infantil, a pandemia impôs algo completamente inesperado à área educacional como um todo. "As instituições têm defendido a ideia de que é possível reproduzir em casa os espaços de práticas na educação infantil, mas isso pra mim é uma ilusão".
Conforme a pesquisadora, há uma série de questões imersas nessa discussão, como a continuidade das atividades dos pais em casa e a falta de formação deles na pedagogia. "As ações realizadas pela família em ambiente doméstico se complementam a dos espaços institucionais, mas não as substituem. Na Educação Infantil, a escola não pode ser levada para dentro das casas das famílias porque ambas têm funções próprias e distintas", avalia a professora.
Além disso, Cristina Façanha aponta para o tempo de exposição infantil a materiais digitais, como computadores e celulares. "Tem que ser, no máximo, uma hora por dia. Pesquisas mostram que a exposição nessa faixa etária não é saudável para o desenvolvimento dela. O ideal é privilegiar atividades como brincar, o sono, o movimento e a alimentação", enumera.
Repensar
A especialista acredita que, durante a pandemia, é preciso repensar a flexibilização da carga horária. A MP 936, publicada pela Presidência da República no início de abril, garantiu a redução dos dias letivos presenciais, mas manteve a carga horária em todos os níveis no Brasil.
A pesquisadora também sugere que professores "mantenham contato com as crianças, mas não como uma questão institucionalizada". Na avaliação da pesquisadora, pela vulnerabilidade infantil, "a criança é vista na sua 'globalidade'. Não se pode olhar para a criança de uma forma cognitiva, não se pode separar o intelectual, do psicológico, do gestual".
Para a mãe do pequeno Bruno Filho, Roberta Guedes, há outra preocupação: a inclusão do filho. Ele havia começado a estudar há apenas um mês e meio antes da pandemia. "Ele já estava se adaptando, não chorava mais, aceitava as professoras, os amigos... Aí começou a pandemia e tudo desabou. Quando começaram essas videoaulas, achei bom porque a professora dele aparece, mas eu já tô pensando na volta. Será que ele vai passar por esse processo de adaptação de novo? Foi complicado, ele chorava, não comia" lembra, com preocupação.
Conforme a professora Cristina Façanha, após o período da pandemia, haverá "um novo começo" para essas crianças e uma nova questão a ser trabalhada pela educação infantil. "A gente precisa repensar essa relação instituição e família porque, na educação infantil, as pesquisas, os documentos oficiais, já falam da participação da família e de como essa primeira etapa requer uma escuta maior dela".
Enquanto esse momento não chega, Roberta já vai ensinando ao filho como se proteger do "bichinho malvado", alcunha dada ao coronavírus para que a criança entenda as problemáticas de sair de casa - e o pequeno parece estar mais consciente do que muito adulto por aí: "ele já entendeu que tá acontecendo alguma coisa estranha, porque já viu várias pessoas com máscara. Ele fica olhando e pede logo pra colocar".
Ações
A Secretaria Municipal da Educação (SME) afirmou, por meio de nota, que, em parceria com o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sindiute) vem realizando ações desde o início da suspensão das aulas, em março. A Pasta disse que "tem disponibilizado para os alunos atividades pedagógicas em regime de domicílio, por meio do trabalho domiciliar dos profissionais da Educação, em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação".
As ações na Educação Infantil, conforme o órgão, visam o "fortalecimento da integração das instituições educacionais e famílias, tendo como foco o desenvolvimento de interações/vivências com as famílias, que promovam ações de fortalecimento dos vínculos, afetos e relações, além da proteção e cuidados das crianças", informa.
Além disso, a SME pontuou que já realizou a distribuição de 231 mil kits de alimentação para os estudantes da rede pública municipal desde a suspensão das atividades e a entrega de gêneros alimentícios dos estoques de unidades escolares para 50 mil alunos com menor renda familiar.