Para quem luta contra os maus-tratos em animais domésticos, a nova lei nº17.557 aparece como mais uma ferramenta de combate a esse crime. Publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) na quarta-feira (14), a medida determina obrigatoriedade na denúncia de maus-tratos em animais por parte de clínicas veterinárias.
Conforme o documento, os estabelecimentos veterinários devem comunicar em até 48h, à polícia judiciária competente, os casos em que há indícios de agressões ou violências nos animais atendidos.
Dessa forma, as clínicas, consultórios, hospitais veterinários, pet shops e outros locais em que atendem animais, devem notificar os casos incluindo as informações do acompanhante no momento do atendimento, como nome completo, CPF, endereço e contato.
Além disso, também pedem um relatório com o detalhamento da espécie, a raça e as características físicas do animal, a descrição de sua situação de saúde na hora do atendimento e os respectivos procedimentos adotados.
Cenário de maus-tratos no Ceará
A lei escrita pelo Deputado estadual Rondinelle Pereira de Freitas (PSDB) se instaura no cenário em que os registros de maus-tratos tiveram aumento de 110% em 2020, em relação a 2019, no Ceará.
Segundo dados do Batalhão de Policiamento do Meio Ambiente (BPMA), em 2020, foram registradas 947 ocorrências desse tipo no Estado, enquanto no ano de 2019 tinham sido somente 450 episódios. Já em 2021, de janeiro até abril, o órgão estimou cerca de 194 incidentes.
Brechas no funcionamento da lei
Na perspectiva do presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Ceará (CRMV-CE), Dr. Francisco Atualpa Soares Júnior, a lei apresenta um caráter positivo por contribuir na luta pelo fim dos maus-tratos aos animais.
Apesar disso, Atualpa Júnior percebe que a legislação não apresenta detalhamentos específicos, como os tipos de indícios dos maus-tratos, nem estruturas para que a medida se torne uma ação pública efetiva. “Que autoridade judiciária o veterinário vai buscar, como vai comunicar e com qual proteção ao profissional?”, questiona ao apontar algumas brechas da determinação.
Conforme o código de ética dos veterinários e das próprias resoluções do conselho, esse tipo de denúncia pelo profissional já está prevista. Agora, com a obrigatoriedade de especificar endereço e CPF do tutor do animal, o anonimato da denúncia fica comprometido.
Em uma esfera menor, nas cidades do interior em que todo mundo se conhece e que às vezes só tem um veterinário na região, isso recorre em risco muito grande para a integridade física do profissional, porque não tem nenhum instrumento de proteção.
Esse risco pode resultar no afastamento desse grupo das regiões mais vulneráveis ou menos habitadas, como os municípios do interior. “Eles não vão querer estar expostos a situações em que talvez precisem realizar essa denúncia”, pondera.
Considerando isso, Francisco Atualpa aponta que o poder público deveria garantir primeiramente a instrumentos de proteção aos veterinários. Além disso, reforça a importância de incluir profissionais da categoria dentro dos órgãos de denúncia, capazes de realizar a perícia dos casos de maus-tratos.
Indícios de maus-tratos
Em meio às vivências como médico veterinário, foram poucas as vezes em que o professor doutor do Centro Universitário Fametro, Daniel Couto, se deparou com indícios de maus-tratos. Responsável por realizar atendimento domiciliar para famílias em diferentes situações socioconômicas, afirma ficar sempre atento aos casos de agressão.
Dentre um dos indícios estão a presença de machucados na pele, comportamentos de medo e até atitude mais acuada ou agressiva por parte do cão ou felino.
O principal é a questão do tutor tratar o animal como um ser que tem direitos, não como objeto. Alguns tutores tratam como objeto, agridem, não se preocupam com a saúde mental do animal.
Quando se depara com um caso em que o tutor se mostra mais rude com o cachorro, sua primeira tentativa é conversar, explicando a importância de tratar o animal com carinho. A depender do retorno dado pela pessoa, aponta ser necessário denunciar o caso para os órgãos competentes. “Mas nunca aconteceu comigo", diz.
Com a medida, o médico espera a redução dos casos de violência contra os animais, desde os casos de agressão até a privação de alimento, água e espaço. “As pessoas precisam ver que os animais têm direito à vida”, finaliza.
Acolhimento às vítimas de maus-tratos
No espaço da Causa PET, organização responsável por acolher cachorros abandonados desde 2017, a fundadora Lindoneide Lobo Rocha, 35 anos, relata que as vítimas de maus-tratos se configuram como a maioria.
Os indícios das violências sofridas são variados, podendo resultar no medo de contato humano ou comportamento agressivo. Alguns deles apresentam pavor em serem tocados em certas áreas. “Temos um vítima de violência sexual que não deixa ser tocada na parte de trás do corpo, só aceita carinho na cabeça”, detalaha.
A fundadora do projeto vê a lei como uma vitória para a Causa Animal, mas compartilha que ainda há falta de apoio do poder público.
Acredito que se houvesse mais apoio das autoridades competentes o trabalho desempenhado pelas ONGs e protetores independentes seria mais eficaz em relação aos animais vítimas de maus tratos.
Lei de proteção aos animais
Conforme o artigo 32 da Lei nº 9.605, de 1998, ações que maltratam, ferem, mutilam e abandonam animais estão configuradas como crime. No mês de setembro do ano passado, a luta pela proteção dos animais foi fortalecida com a Lei Sansão, de nº 14.064.
Com a nova determinação, a Lei de Crimes Ambientais é alterada de modo a aumentar as penas no caso de maus-tratos aos animais domésticos, como cães e gatos. A lei torna a pena mais severa, com dois a cinco anos de reclusão, multa e proibição da guarda.
No caso das pessoas que desejam denunciar, é possível entrar em contato através dos números 190 e 181.