Meio mais seguro de combater Covid-19, vacina divide opiniões

Pesquisa mostra que um a cada quatro brasileiros pode não se vacinar contra o novo coronavírus, quando a imunização estiver disponível; motivações e riscos do comportamento são diversos

Desde que cansou do isolamento social, após três meses sem sair de casa, no bairro Jacarecanga, em Fortaleza, a autônoma Cristiane Paiva, de 31 anos, já repetiu a frase tantas vezes que diz, agora, em tom divertido: "Eu quero logo é essa vacina no meu braço!" A ansiedade pela imunização segura e eficaz contra a Covid-19, contudo, não é unânime: um a cada quatro brasileiros pode não se vacinar, quando a dose estiver disponível, segundo pesquisa do Ibope Inteligência.

O levantamento entrevistou mil pessoas, entre 27 e 29 de agosto, 264 delas no Nordeste. Cerca de 20% afirmam que "talvez não se vacinem", enquanto 5% são categóricos: não vão tomar "de jeito nenhum". Conforme a amostra, 7,8 milhões podem não se vacinar por acreditarem que a vacina da Covid-19 "contém chips implantados para controle populacional"; 8,2 milhões porque "Bill Gates teria dito que a vacina pode matar cerca de 700 mil pessoas"; 5,7 milhões porque "a vacina poderia alterar o DNA"; e outros 4,9 milhões por acreditarem que "as vacinas são produzidas a partir de células de fetos abortados".

O levantamento do Ibope Inteligência mostra ainda que 72% dos brasileiros têm a televisão como fonte de informação mais relevante sobre a vacina contra o novo coronavírus (Sars-CoV-2), enquanto 39% se atualizam principalmente pelas redes sociais.

Enquanto Cristiane diz "confiar que os cientistas só vão liberar uma vacina que realmente proteja, devidamente aprovada pela OMS (Organização Mundial de Saúde)", o feirante Hércules Cortez, 39, que testou positivo para a doença, afirma que "essa é uma falsa pandemia", e que as razões para ele não se imunizar são muitas. "Eles podem até tentar me vacinar, me amarrando, com vários homens segurando. De outra forma, não", pontua.

Disseminação

A resistência, contudo, pode ter preço alto. O fato de um número grande de cearenses já ter sido infectado pelo novo coronavírus, durante a pandemia, não garante que parte da população já esteja imunizada: ou seja, as mais de 217 mil pessoas recuperadas e 243 mil confirmadas com a doença no Ceará, até ontem (5), não estão comprovada e permanentemente protegidas. O alerta é de Caroline Gurgel, virologista, epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).

"A imunidade não é duradoura: contrair o coronavírus, assim como os outros vírus respiratórios, não confere a defesa prolongada nem permanente. A vacina vem justamente para driblar isso. Ela pega os anticorpos de memória e os intensifica. Por mais que tenha um quantitativo enorme de pessoas expostas ao vírus, isso não te protege. Há estudos que comprovam isso", salienta.

O comportamento de receio das pessoas diante da vacina contra a Covid-19, compara Caroline, é similar ao que ocorreu com a imunização para combate da influenza A (H1N1), rejeitada principalmente pelos idosos, como "vacina de matar velho". "Eficácia de vacina você só consegue demonstrar com no mínimo 10 anos de estudos, quando podemos avaliar se após a intervenção, ao longo dos anos, a doença sumiu. O receio das pessoas é pela velocidade com a qual a vacina da Covid-19 foi liberada. Só saberemos efeitos adversos depois", pontua.

O risco disso, contudo, é a possibilidade de permanência da doença em território cearense. "Teremos surtos que podem se manifestar de forma esporádica ou com comportamento sazonal, de modo que o coronavírus se torne endêmico e a gente tenha o momento de circulação dele todos os anos. Isso é o que acredito que irá acontecer", avalia a virologista, cujos estudos focam em vírus respiratórios, como o Sars-CoV-2.

Diante desse cenário e para garantir que pelo menos 85% da população se vacine contra a Covid-19, porcentagem mínima para que a imunização seja efetiva, é preciso que os governos adotem estratégias. "O único meio pacífico para isso é incluir a vacina no calendário obrigatório, como toda vacina distribuída pelo Ministério da Saúde. Assim, automaticamente, o cidadão se vê na obrigação de tomar. O que já temos de sólido é com o público infantil, que precisa estar vacinado para garantir os benefícios sociais, como o Bolsa Família. Mas como obrigar o idoso a ir? Mexendo na aposentadoria?", pondera Caroline.

O Conselho Municipal das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems), procurado pela reportagem, afirmou, em nota, que não se pronunciaria no momento, por acreditar que "mesmo com a pesquisa (do Ibope), tudo o que envolve a vacina do coronavírus ainda está no campo especulativo". O conselho reforçou, contudo, que "atua fortemente junto a todos os municípios no combate à desinformação", sobretudo em período eleitoral, "no qual sabemos que muitas fake news serão disseminadas". Atualmente, finaliza o órgão, "o Cosems foca na atual campanha contra poliomielite, iniciada nessa segunda-feira (5)".

Vacinas

No último dia 26 de setembro, o Ministério da Saúde anunciou adesão ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 (Covax Facility), o que permitirá que o Brasil tenha pelo menos mais nove opções de vacinas em desenvolvimento. Deste modo, assim que houver no mundo uma vacina de eficácia e segurança comprovadas, o País poderá imunizar os grupos de risco da doença já a partir de 2021.

O investimento para entrada do Brasil na Covax Facility foi de R$ 2,5 bilhões, por meio da Medida Provisória No 1.004, de 24 de setembro de 2020. O grupo é uma ação internacional coordenada, prioritariamente, pela Aliança Gavi, com o intuito de promover a produção e o acesso global à imunização contra a Covid-19. A negociação sobre valores e prazos de entrega pelos laboratórios, então, cabe à Gavi.