O primeiro dia em que se passou a valer a determinação publicada por Prefeitura de Fortaleza e Governo de Estado, na terça (5), sobre a obrigatoriedade de todo cidadão utilizar a máscara de proteção ao sair à rua, o que se viu foi uma ampla adesão da população em cumprir as determinações municipal e estadual.
A dona de casa Francisca das Chagas afirma que já usava máscara "há muito tempo, desde que tive uma gripe forte há uns três meses. Seria melhor se todo mundo fizesse o mesmo. Ou faz, ou morre. Vamos fazer nossa parte!", apela a moradora de Fortaleza.
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Usar o item é obrigatório também para embarcar em quaisquer transportes públicos, individuais ou coletivos - necessidade que faz parte do cotidiano da auxiliar de serviços gerais Cely Lopes, que "pega ônibus todo dia, porque trabalhar é obrigatório". "Uso máscara até em casa, porque tenho recém-nascido lá e preciso me aproximar dele", relata antes de entrar no coletivo.
Mesmo quem "não sai de casa de jeito nenhum" já reconhece a importância da obrigatoriedade, como a dona de casa Núbia Garcia. "Além da máscara, eu tinha que usar era um chapéu. Porque, quando chegar em casa, preciso lavar a cabeça, trocar de roupa, deixar a chinela na entrada? Se proteger. Estou de quarentena direto, não saio de jeito nenhum. Saí agora pro banco, porque precisava, mas já tô correndo às pressas. Porque estou com medo desse vírus maldito", confessa.
Os cuidados são reforçados pelo infectologista Keny Colares, médico do Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ). Ele ressalta que a máscara "é um recurso a mais na proteção das pessoas, mas não substitui as outras precauções" de combate ao novo coronavírus. "Por isso, durante muito tempo, se receou recomendar esse uso, porque a máscara, principalmente caseira, tem proteção limitada. As pessoas não podem achar que, ao colocarem, estão protegidas e podem levar uma vida normal, ter contato próximo. A máscara diminui a possibilidade de infecção, mas não anula", alerta.
Outra questão é o tempo de uso e os cuidados de higiene com máscaras de tecido: não basta usar, tem que saber como fazê-lo. "As pessoas põem a máscara e, de vez em quando, baixam ao pescoço ou levam à testa pra conversar. Ela não deve ser tirada do rosto, especialmente pra falar com outras pessoas. E se precisar passar o dia todo com ela, tenha uma máscara reserva, para trocá-la", recomenda.
Há quem desobedeceu às determinações. Era cedo de ontem (6) quando corredores e áreas comuns do Mercado São Sebastião, no Centro de Fortaleza, já estavam lotados - um cenário frequente que, por si, já desrespeita o decreto estadual de isolamento social. Outro descumprimento por lá e em outros pontos da cidade foi cometido à luz do dia e de cara limpa: o do uso obrigatório de máscaras de proteção.
Foi possível flagrar pessoas nas calçadas de casa ou até em estabelecimentos abertos ao público de rosto nu. No São Sebastião, idosos tentavam adentrar o mercado sem usar o dispositivo de proteção, e se recusavam a aceitar máscaras entregues por agentes de fiscalização municipais. Foram impedidos de acessar o local.
Em ruas próximas a um shopping da Aldeota, na Regional II, jovens e até idosos caminhavam sem usar máscara - duas desobediências, já que só é permitido sair para buscar serviços essenciais.
O bairro tem o segundo maior número de casos confirmados de Covid-19, com 240 registros e 14 mortes pela doença, conforme último boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), de 4 de maio. O líder é o Meireles, com 311 confirmações e 13 óbitos.
Fiscalização
Para que a determinação se faça cumprir, a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) informa, em nota, que "equipes estão percorrendo cerca de 20 bairros todos os dias, chegando a 91 pontos de abordagem orientativa". Ontem (6), o órgão distribuiu 5 mil máscaras em pontos estratégicos da cidade, como terminais de ônibus. As operações "têm apoio da Guarda Municipal, da Defesa Civil, da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) e dos Agentes de Cidadania".
A agência complementa que "câmeras de monitoramento, drone com autofalante, caixas de som portáteis, megafones e carros de som" também são utilizados para identificar aglomerações, auxiliar o ordenamento de filas em agências bancárias e veicular mensagens orientativas de prevenção.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) já contabilizou, entre 20 de março e 4 de maio, 13.709 ocorrências por descumprimento ao decreto estadual de isolamento social. Do total, 7.638 foram aglomerações de pessoas, e 6.071, denúncias sobre estabelecimentos abertos. Os dados abrangem os núcleos da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) em Fortaleza, Região Metropolitana, Juazeiro do Norte e Sobral.
Os órgãos, contudo, não detalharam como funcionará a abordagem para garantir o cumprimento do uso de máscaras de proteção. A divulgação do plano operacional deve acontecer hoje.
Interior
Em algumas cidades cearenses, a obrigatoriedade de usar máscaras já vigorava em decretos municipais. No primeiro dia após a determinação estadual, então, nos principais centros do interior, houve adesão robusta da população. Nas ruas de Crato e Juazeiro do Norte, que somam aproximadamente 400 mil habitantes no Cariri, a fiscalização, principalmente em estabelecimentos autorizados a funcionar durante a pandemia, ficou mais rigorosa.
A gerente da Célula da Vigilância Sanitária e Ambiental do Crato, Ana Lígia Aquino, aponta que antes mesmo da obrigatoriedade, grande parte das pessoas já tinha aderido. Na barreira sanitária do município, realizada diariamente entre 3h e 12h, por exemplo, condutores e passageiros sem o item de proteção são impedidos de seguir viagem.
Há um mês, entrou em vigor no Crato um decreto que prevê multa para quem descumprir as medidas de isolamento. O valor varia de R$ 200 para pessoa física a R$ 50 mil para pessoas jurídicas, instituições bancárias e financeiras. No caso dos moradores, a infração será aplicada naqueles que promoverem aglomerações. Até agora, 133 estabelecimentos já foram notificados. "As pessoas ainda não foram multadas. A intenção não é arrecadar dinheiro, mas conscientizar", enfatiza Lígia.
Em Juazeiro do Norte, a população também aderiu ao uso de máscaras nas últimas semanas, como observa o coordenador da Vigilância Sanitária do Município, David Antônius Marrom. "Estão usando principalmente as de tecido, que têm uma durabilidade maior, mas que precisam ser higienizadas".
Em Iguatu, uma das primeiras cidades do Ceará a adotar a obrigatoriedade do uso de máscara, há 16 dias, ninguém foi multado até hoje - embora a aplicação de sanção financeira esteja prevista em decreto municipal. O secretário de Meio Ambiente, Marcos Ageu Medeiros, afirmou, no entanto, que a partir da próxima, em caso de reincidência, o morador será multado. A multa de R$ 200 será aplicada contra a pessoa física, a partir de identificação do CPF, e passar a constar no cadastro de dívida ativa.
Em Várzea Alegre, também no Centro-Sul do Estado, a prefeitura vai doar 30 mil máscaras, para garantir acesso ao item. "A população precisa entender que a situação é séria e, infelizmente, tende a se agravar no interior", destacou o gestor municipal, José Hélder Máximo. A multa na cidade é de R$ 50 por descumprimento, podendo ser duplicada em caso de pessoas que já tenham sido advertidas antes.
Baixo engajamento
Em Sobral, cidade polo da região Norte, a reportagem flagrou uma parcela de moradores desrespeitando a medida. A determinação do uso obrigatório de máscaras em atividades essenciais, estabelecimentos comerciais, repartições públicas, bancos ou lotéricas já era válida desde a última segunda-feira (4) e, a partir do próximo dia 11, passaria a incluir circulação de pessoas em vias públicas e no interior de veículos. A obrigatoriedade, no entanto, foi adiantada pelo decreto estadual.
O ajudante de produção Luciano Santana justifica a ausência do uso devido à "falta de costume", já que a recomendação entrou na rotina há pouco tempo. "Antes de ser obrigatório, eu não estava usando. Não sabia como funcionava. Muita gente ainda não entende a situação", explica. Já para a autônoma Maria Íris, que produziu a própria máscara e toma "todos os cuidados", o decreto serviu para fortalecer a prevenção.
A secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Sobral, Marília Lima, garantiu que haverá fiscalização em todo Município. Os empresários que descumprirem as determinações podem receber multa no valor de R$ 10 mil, ampliada a até R$ 50 mil, em caso de reincidência. "O uso é obrigatório tanto para funcionários como para clientes", pontuou. Para a população, não serão aplicadas multas. Em caso de descumprimento, a Guarda Municipal orientará sobre a adesão ao decreto.
Até agora, mais de 460 notificações e 16 autos de infrações foram aplicados a estabelecimentos que estavam descumprindo o decreto, informou Tiago Silva Bezerra, diretor de Licenciamento e Fiscalização Ambiental da Agência Municipal de Meio Ambiente (AMM).
Em Sobral, ontem, foram entregues 5 mil máscaras de pano à população e, segundo a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Econômico do Município, mais 300 mil serão confeccionadas até o próximo mês. A distribuição ocorre em 37 postos de saúde, para pessoas dos grupos de risco. Para incentivar a produção das máscaras no interior, o Governo do Ceará anunciou que vai considerar o material produto de artesanato regional, o que libera do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Importância
O presidente da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, ressaltou a importância de que municípios disponham de meios para fiscalizar o cumprimento das exigências do novo decreto. Ele acrescenta ainda que a medida, que visa o maior adesão ao equipamento, pode fomentar a renda para autônomos do interior. "Estamos recomendando aos prefeitos que procurem usar costureiras locais, doando tecido e elástico para confecção de máscaras a serem doadas à população de baixa renda".
A presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems), Sayonara Cidade, observou que a obrigatoriedade do uso de máscara é uma medida defendida pela Instituição há algum tempo. "No início, exigia-se o uso para quem apresentava sintomas de gripe, mas agora deve ser de uso geral, a exemplo de outros países", frisou. "Esperamos a conscientização da população", finalizou.