A demarcação nas cores vermelha e branca, acompanhada do desenho de uma bicicleta, em geral, indica quem pode trafegar ali. Apesar da sinalização feita no solo, condutores de carros e motos seguem cometendo infrações em ciclovias e ciclofaixas de Fortaleza, ainda que em menor escala. Isso porque, segundo levantamento da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), as multas por locomoção irregular nesses modais caíram 57% nos nove primeiros meses deste ano.
Se entre janeiro e setembro últimos, o órgão registrou 2.982 infrações, no mesmo período de 2019 foram 6.948. Na comparação dos dois intervalos, todos os meses de 2020 tiveram queda nas ocorrências, com destaque para fevereiro que registrou 110 multas contra 870 do ano passado, isto é, uma baixa de 87,3%. Totalizando 162 penalidades, abril contabilizou a segunda maior redução (80,6%), já que em 2019 foram 836. Março, início da pandemia de Covid-19 no Ceará, aparece na sequência com um decréscimo de 73%.
Durante o mês de maio, período de isolamento social rígido, ou 'lockdown', Fortaleza teve 63% de infrações a menos, uma vez que foram 314 multas dessa natureza, enquanto em igual intervalo de 2019, 814 condutores praticaram a irregularidade. Por outro lado, junho, quando o plano de retomada e flexibilização dos serviços começou a ser executado na Capital, a diminuição foi apenas de 7,4% considerando as 457 penalidades do mês e as 494 do ano passado.
O gerente de Operação e Fiscalização da AMC, André Luís Barcelos, explica que o encolhimento do total de infrações seu deu por efeito da circulação do novo coronavírus. Nesse período, sobretudo nos meses com maior incidência da doença, houve redução no fluxo veicular da cidade, o que acabou fazendo diminuir o tráfego em espaços destinados somente a ciclistas. "É uma conduta muito grave pela legislação de trânsito com multa de até R$ 880, e acaba por prejudicar a segurança do ciclista e até mesmo do pedestre porque é uma área que ele acessa também. Já a infração tem o objetivo educativo, de coibir os excessos, de preservar a população", frisa Barcelos.
Mesmo com o alto custo da multa e na contramão da segurança viária, motoristas ignoram as regras de trânsito. A reportagem do Diário do Nordeste flagrou no início desta semana cenas que comprovam o desrespeito em diferentes vias da cidade. Na Avenida Domingos Olímpio, por exemplo, um motoqueiro usou a ciclofaixa para evitar o engarrafamento, logo atrás de um pedestre que caminhava nas proximidades do modal.
Já na Avenida Dom Luís, próximo à Praça Portugal, um veículo para em cima de uma ciclofaixa, comportamento que se repete na Avenida Santos Dumont, na frente de um shopping. Segundo a AMC, estacionar em áreas reservadas para ciclistas gerou 327 infrações até setembro deste ano, o que corresponde a um aumento de 7% em relação às 302 anotadas no mesmo espaço de 2019. Essa conduta acarreta multa de R$ 127,69, além de cinco pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e remoção do veículo. A penalidade de natureza grave está prevista no artigo 181 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
"De modo geral, é esperado que agora a gente tenha mais veículos em circulação. Então, podem, eventualmente, acontecer maiores infrações. Mas, o principal fator para coibir é a presença de equipes nas ruas em fiscalizações de trânsito. A equipe estando no local ou até mesmo aquela própria sinalização do videomonitoramento já inibe esse comportamento", pondera Barcelos.
Vulnerabilidade
Para quem usa a bicicleta como o principal meio de transporte, ter o espaço invadido por outros veículos gera aflição. Há seis anos, quando largou o projeto de ter o carro próprio e virou ciclista, a designer de moda Andrea Bezerra, 30, tinha "muito medo de ser atropelada", já que a cidade possuía poucos trechos exclusivos. De acordo com a Prefeitura de Fortaleza, 2014 encerrou com 75 km de ciclovias e 16,3 km de ciclofaixas. Atualmente, embora a malha cicloviária tenha crescido para 335,5 quilômetros, indica a AMC, Andréa ainda teme o registro de fatalidades por se considerar vulnerável.
"A legislação diz que no trânsito o maior transporte protege o menor, só que na rua a gente tem é que sair do meio para não ser levado", lamenta, descrevendo as situações por quais já passou durante os seis quilômetros que pedala de casa para o trabalho diariamente. "Infelizmente, essa é a parte mais chata. "Já levei fino de ônibus, de moto, de carro. É terrível porque você está muito exposto e quando eles passam muito rápido do seu lado, você acha que vai desequilibrar", relata.
Além do risco de acidente, Andrea testemunha ainda que foi vítima de misoginia no trânsito. “Já fui agredida verbalmente, chamada de palavrões, principalmente por ser mulher”, considera. A ciclista, porém, avalia que percorrer a cidade tem sido “algo transformador, politicamente, socialmente, ambientalmente e culturalmente. A gente tem que lutar por aquilo que acredita e gosta”.
Acidentes
Seguindo a queda nas infrações, os acidentes envolvendo ciclistas também recuaram em Fortaleza. Conforme dados da AMC, foram 298 ocorrências no primeiro semestre. Deste número, oito faleceram. O apurado deste ano é 33% inferior aos 447 registrados no mesmo período de 2019. Embora ainda não tenha um balanço oficial dos casos recentes, a Capital já contabiliza incidentes neste segundo semestre, a exemplo de um ciclista que foi levado em estado grave para o Hospital Instituto Dr. José Frota (IJF) após ser atropelado por um carro na BR-116, no último dia 9 de outubro.
O professor do Departamento de Trânsito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário Ângelo Azevedo, salienta que apenas a configuração dos modais não garante a segurança dos ciclistas. As faixas pintadas ou os tachões de plástico usados para demarcar o espaço das bicicletas são importantes, segundo reflete, mas é preciso respeito às leis que regem o tráfego para a boa convivência.
"É a ideia da civilidade, de dividir o espaço que é de todos e deve ser usado de maneira a não machucar ninguém. Em certas horas, o trânsito vai ficar congestionado e vai ser lento mesmo, mas não adianta correr e passar por locais proibidos que vai complicar ainda mais", diz o professor, complementando: "Se eu quiser um trânsito livre, talvez eu tenha que morar em uma cidadezinha menor".