'Importante é ter os de amar por perto': idosos lutam contra a solidão e o medo imposto na pandemia

No Dia Internacional do Idoso, o vínculo familiar para superar os distanciamentos na pandemia é o grande desafio

Dona Chica é uma mulher que viu o tempo diminuir a pressa tanto quanto aumentar a necessidade de manter-se em movimento. Quem para, entristece, baixa a cabeça, abre a guarda, se entrega no sentido mais letal. “Idoso triste é pior que um jovem triste”, disse o geriatra Alexandre Cavalcanti - nos últimos dois anos viu pacientes morrer.

O corpo, que já reclama aqui ou ali, parece que reclama mais alto se a cabeça não vai bem. Não é que não tenha tempo ruim (basta ver a pandemia), mas “se não ficar parado e acreditar que  de ruim vai passar, passa”, diz a dona Chica, ou Francisca da Silva Costa, que anima a si mesma ao ser “animadora comunitária” no Espinho, em Limoeiro do Norte. Não nega a idade, 64 anos, mas nem por isso fica pensando em estar perto de um fim (pensamento este que não tem idade, já provam muitos jovens).

O dia 1º de outubro foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), há exatos 30 anos, como o Dia Internacional do Idoso. Uma forma de reforçar a consciência para a proteção social deste grupo cada vez maior a cada ano.

A pandemia de Covid-19, e seus efeitos de combate, tirou de muitos idosos o que lhe é essencial para uma vida de bem-estar: a convivência em sociedade. O isolamento, necessário para evitar especialmente a contaminação da faixa etária mais vulnerável, tirou o convívio a começar pela família. Página que começa a virar com a injeção de vacina e de ânimo.

"Em vez de eu chorar, tenho é que agradecer"

“A minha sorte”, diz dona Chica, “é que quando tudo fechou mais eu tinha meus pintos, minhas galinhas e meu esposo pra me acompanhar. Tanto na primeira como na segunda onda, era eu e meu esposo em casa. E vendo os filhos de longe. Neste ano, fui me expor já depois de junho, que aí já saí pra sacar meu benefício, fazer meus pagamentos, essas coisas. Mas eu sou líder pastoral na igreja e participo dos grupos comunitários. Tem tantas situações que em vez de eu chorar, tenho é que agradecer pela oportunidade de estar viva”, diz a aposentada.

Ela e o marido, Roberto da Costa, 72 anos, pegaram Covid num dos períodos em que a ocupação de leitos superava 90% em 2020. “Hoje estamos aqui pra dar graças a Deus. Importante agora é ter os de amar por perto”. 

O geriatra Alexandre de Andrade Cavalcanti percebeu diretamente o impacto da pandemia de Covid 19 em seu consultório. O especialista nos cuidados de pessoas idosas diz não ter o que comemorar neste 1º de outubro. Nos últimos dois anos perdeu pacientes para a doença, e outros afetados pelo isolamento.

“A pandemia trouxe sequelas não só físicas para os idosos. São uma população muito vulnerável, em que a convivência é essencial. Imagina passar um ano sem netos, sem filhos, um dia inteiro na frente da TV vendo notícias ruins. Muitos ficaram bastante saturados e vieram a ter quadros de ansiedade e depressão. Agora, com a vacinação, eles podem encontrar familiares, isso tem feito muito bem”.

Preso em casa

A pandemia ainda não passou, mas seu Fernando Cerqueira da Cunha, de 72 anos, coleciona vitórias nos últimos dois anos em Fortaleza, onde mora. Acostumado a dar umas voltinhas todo dia, viu-se condicionado, junto com a esposa, a ficar ‘preso’ em casa, só vendo as filhas pelo telefone.

O casal pegou Covid no mesmo período e chegou a ser hospitalizado no mesmo quarto. Até o tempo de alta foi idêntico. “Foi uma época muito dura. Eu não gosto de ficar parado, não gosto de televisão, sempre saia para minha caminhada”, enumera. Hoje, vacinados e mantendo os cuidados sanitários, Fernando e a esposa Helena Maria retomaram a rotina de caminhada, academia, igreja para as orações, “e quando minhas filhas vem no domingo é uma festa”.

Fernando Cerqueira defende que não parar é o que lhe mantém vivo. “Pra chegar a essa idade, primeiro de tudo, tem que olhar lá pra cima: Deus. Segundo é levar a vida sem ser sedentário. Se alimentar direito, e deixar tudo bem”.

Dona 'Chica' da Costa diz que envelhecer direito é como atravessar um rio: “a gente não conhece. Alguém diz ‘você tem que atravessar’, e vai nadando com calma até ver onde vai. Não pode se desesperar”. Senão afunda.