O vulcão Cumbre Vieja, nas Ilhas Canárias, continua expelindo magma e causando temor sobre um tsunami no Brasil, embora a possibilidade seja remota. Esse receio acendeu questões sobre a presença dessas estruturas em diferentes lugares do planeta, assim como no Ceará. Mesmo sendo mais comum em outras áreas do mundo, o país também tem formações vulcânicas antigas, incluindo 10 em municípios da Grande Fortaleza.
A informação é de um estudo publicado em 2020 após levantamento pioneiro realizado pela professora-doutora visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Vanda Claudino-Sales, e pelo geógrafo-mestre da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará (Cogerh), Anatarino Torres.
Mas calma. Embora as formações existam, não apresentam risco de erupções porque estão extintas. Hoje, esses relevos “de pequena envergadura” se caracterizam por extensões e altitudes diferentes, vertentes íngremes, solos pouco desenvolvidos e vegetação de pequeno porte.
Após etapas de geoprocessamento, análises cartográficas e trabalhos em campo, os pesquisadores mapearam 10 corpos vulcânicos distribuídos em forma de arco ao redor de Fortaleza, em Itaitinga, Aquiraz, Maranguape e Caucaia (onde estão seis deles).
Vanda Claudino-Sales, autora do estudo, explica que eles nunca chegaram a extravasar formando corredores de lava como o Cumbre Vieja, atualmente. O magma se consolidou dentro do cone vulcânico, formando um neck (pescoço) vulcânico. “Havia subida do magma, mas não erupção”, afirma.
A pesquisadora diz ainda que tais estruturas não devem ser encontradas no interior do Ceará, já que as formadas próximo ao litoral são uma extensão da cadeia vulcânica de Fernando de Noronha.
Os vulcões podem “explodir”?
A professora universitária também reforça que “não tem a menor possibilidade” de erupções no Estado e nem de riscos à sociedade.
Nenhum dos 10 corpos vulcânicos do Ceará tem risco de voltar a ter erupção. O elemento que formou esse vulcanismo foi um ponto quente, que está no meio do oceano, mas não tem mais magma suficiente debaixo da superfície da terra nessa região do Ceará para que um dia volte a ter vulcanismo ativo.
Afonso Rodrigues de Almeida, professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), endossa que não existem vulcões no Ceará nem no Brasil. “São necks, rochas vulcânicas produzidas por um vulcanismo, mas que não construíram nenhum aparelho do tipo vulcão”, garante.
Trilhas especiais
O doutor em Geografia e explorador Tiago Castro faz parte do projeto WildLife Ceará, que desenvolve trilhas na Região Metropolitana há quase seis anos. Segundo ele, parte do público já conhece os relevos, mas outras pessoas ainda se impressionam com a informação.
A maioria não sabe. A ideia de uma formação vulcânica sempre é muito interessante, principalmente quando vamos a Tucunduba, em Caucaia.
O geógrafo explica que o maior obstáculo do turismo de aventura com os vulcões é o acesso, porque geralmente ficam dentro de propriedades particulares.
“No de Caucaia, a gente tentou contato com os residentes. Tem uma estradinha que passa no entorno, tem açude, então seria um destino interessante para fazer trilha e ver a possibilidade de mirante”, observa.
Origem das formações
O artigo afirma que os “vulcões extintos da RMF tiveram atividade durante o período Terciário” e fazem parte da chamada Formação Messejana, datada de cerca de 30 milhões de anos e provavelmente originada a partir de anomalias geotérmicas ligadas à ascensão de magma.
Os relevos vulcânicos mais representativos são:
- Serrote Caruru, na Praia Porto das Dunas, em Aquiraz, apresentando 350m de extensão e 59m de altitude;
- Serrote Ancuri, em Itaitinga, apresentando cerca de 2 km de extensão e 119m de altitude;
- Serrote Pão-de-Açúcar, em Caucaia, com apenas 49m de altitude e 160m de comprimento;
- Serrote Japarara, em Maranguape, medindo aproximadamente 2 km de extensão e 450m de altitude.
O estudo estima que, embora as rochas sejam resistentes, a erosão ao longo do tempo destruiu os condutos vulcânicos e levou a mudanças de altura, mas é difícil conhecer a altitude original.
Fato é que, no passado, eles podem ter sido bem maiores. Isso porque outro estudo calculou uma taxa de erosão de 10 metros a cada 1 milhão de anos, o que implica em um total de 300 metros perdidos desde a época originária.
Necessidade de preservação
Os pesquisadores lamentam que nenhum dos resquícios dos vulcões extintos da Região Metropolitana de Fortaleza conte com qualquer tipo de proteção ambiental. Alguns deles, inclusive, por estarem em propriedades privadas, estão sujeitos à exploração mineral e apresentam-se relativamente descaracterizados.
O Monte Caruru, por exemplo, está “profundamente alterado” em função da atividade de mineração por várias décadas, principalmente para a produção de brita, visando a abastecer o mercado de Fortaleza.
“Na atualidade, as atividades de mineração praticamente cessaram na maioria das feições vulcânicas, mas não existe nenhuma garantia de que não voltem a ocorrer em futuro próximo”, alertam.
Para eles, tais locais poderiam ser utilizados como pontos de visitação turística. “Elas são tão especiais que merecem um geoturismo, uma política de preservação”, recomenda Vanda Claudino-Sales.
O explorador Tiago Castro também defende incentivos governamentais ao desenvolvimento do turismo de trilhas, já que o Ceará também tem características propícias no Maciço de Baturité, na Serra da Ibiapaba e na Serra de Uruburetama, por exemplo.
Vulcões sem atividade
O vulcanismo é o resultado da ascensão do magma à superfície terrestre. A lava, de maneira geral, se apresenta de três formas (gasosa, líquida e sólida), dependendo da composição do magma e das condições de temperatura e pressão.
O estudo explica que as atividades sísmicas e vulcânicas do planeta estão concentradas ao longo dos limites de placas tectônicas. Porém, geograficamente, o Brasil está localizado no centro da placa Sul-Americana, por isso não está sujeito a esse processo.
Porém, nem sempre foi assim. Em períodos anteriores da história geológica, "importantes eventos magmáticos" ocorreram em várias regiões brasileiras, incluindo “pequenas atividades vulcânicas em setores continentais dos estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba”.