Fortaleza e outras cidades da Região Metropolitana devem ser integradas ao método Wolbachia - nome de uma bactéria que vem sendo utilizada para bloquear a transmissão de novos casos de dengue, zika e chikungunya. As pesquisas no Brasil são coordenadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e têm apoio do Ministério da Saúde. Embora a expansão do projeto para o Ceará - além de Foz do Iguaçu, no Paraná, e Manaus, no Amazonas - esteja programada para 2020, ainda não há definição de datas para ele chegar à Capital.
O anúncio foi feito pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na última segunda-feira (2). No entanto, procurada pelo Sistema Verdes Mares, sobre prazos e quantidade de larvas enviadas, a assessoria de comunicação do Ministério informou que o Wolbachia ainda é "plano futuro" e "está em estudo". Para chegar a Fortaleza, ele depende da liberação de recursos financeiros e do fechamento de parcerias locais.
Segundo Fábio Miyajima, especialista em Saúde Pública da Fiocruz no Ceará, já está tudo "certo" e "alinhado" em âmbito estadual, tanto com a entidade como com o Governo do Estado. A discussão chega em momento oportuno, já que especialistas alertam para reintrodução do sorotipo 2 da dengue no Estado como possibilidade para o aumento no número de casos da doença, no ano que vem.
Em 2019, as ocorrências confirmadas entre janeiro e o fim de outubro chegaram a 14.135, mais que o triplo dos 3.720 observados em igual período do ano passado, segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). Em Fortaleza, as confirmações de janeiro a setembro somaram 3.125, número bem maior que os 868 casos do igual período de 2018, conforme boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Etapa piloto
O pesquisador da Fiocruz considera que a "fábrica" de espécimes com a Wolbachia ficará no Polo Industrial e Tecnológico da Saúde, no Eusébio, e vai, em uma etapa piloto ou de implementação, contemplar Fortaleza. Cidades vizinhas, como Caucaia, Maracanaú e Aquiraz também podem ser beneficiadas, mas o processo de liberação "vai depender dos facilitadores e do treinamento de pessoal".
"Nós estamos muito entusiasmados com a ideia porque é um projeto estruturante que vai dar subsídio não só pra assistência e intervenção em políticas de saúde, mas também nos ajudar a produzir, a gerar conhecimento, a subsidiar pesquisas, a capacitar pessoal", espera Miyajima. "Esse é um objeto bem interessante. A gente tem muita esperança de que isso vá adiante. No Rio de Janeiro, onde começou a primeira fase, está sendo bem proveitoso".
A Wolbachia é uma bactéria presente em cerca de 60% dos insetos na natureza, mas está ausente justamente no Aedes aegypti. As primeiras pesquisas que inseriram o micro-organismo em ovos do mosquito notaram redução na capacidade do Aedes de transmitir os vírus. Com a liberação dos mosquitos "colonizados" com a Wolbachia, a tendência é que eles se tornem predominantes, e o número de casos das doenças diminua.
Reprodução
Isso porque a Wolbachia fornece vantagens reprodutivas devido a um fenômeno chamado "incompatibilidade citoplasmática". As fêmeas colonizadas sempre geram filhotes com Wolbachia no processo de reprodução, seja ao se acasalar com machos sem a bactéria ou machos com a bactéria. Por outro lado, quando as fêmeas sem Wolbachia cruzam com machos colonizados, os óvulos fertilizados morrem.
Conforme a Fiocruz, com as sucessivas gerações, o número de mosquitos machos e fêmeas com Wolbachia tende a aumentar até que a população inteira de mosquitos apresente uma característica específica. A bactéria utiliza os mesmos elementos da célula que o vírus da dengue precisa para se replicar e migrar até a glândula salivar. Na briga, a Wolbachia costuma levar a melhor.
"Os pesquisadores tiveram a ideia de dar uma forcinha pra natureza de colonizar o mosquito com uma cepa, uma variante extremamente bem estudada e selecionada - porque algumas debilitam o mosquito e até matam - que evita que ele se infecte. A grande questão é você estar imunizando, protegendo o Aedes, que é o principal vilão", explica Fábio Miyajima.
Com o método estabelecido em determinada localidade, os mosquitos continuam a transmitir a Wolbachia naturalmente para seus descendentes. Segundo o especialista, ao se atingir, no mínimo, 60% da população de insetos colonizados, será dispensada a necessidade de novas liberações, que duram cerca de 16 semanas.
"O método não envolve agrotóxicos e nem transgenia. Simplesmente, você ajuda a mãe natureza a fazer o trabalho dela. É uma forma bem inteligente de você combater o mosquito porque é impossível erradicá-lo. Ele é extremamente adaptável ao nosso clima. Se você não pode com ele, junte-se a ele", pondera Fábio Miyajima.
Pesquisador da Fiocruz explica como funciona o mecanismo de ação da bactéria Wolbachia. Parte dos mosquitos que recebem o micro-organismo fica impedida de transmitir doenças a seres humanos. Método aguarda definições do Ministério da Saúde para ser implementado em Fortaleza