Fortaleza celebra o 7 de setembro há cerca de 100 anos; veja como eram as comemorações antigamente

Desfiles cívico-militares percorreram diversas avenidas da Capital cearense ao longo das décadas, e outras atividades foram integradas à marcha das Forças Armadas.

O próximo dia 7 de setembro marca o 199º aniversário da Independência do Brasil. A data é tradicionalmente celebrada em todo o País com a valorização de símbolos nacionais. Em Fortaleza, a data é marcada por desfiles e outras ações cívico-militares há cerca de 100 anos, embora a pandemia da Covid-19 tenha provocado o cancelamento do evento pelo segundo ano seguido.

Em meados dos anos 1920, paradas militares ocorriam em ruas do Centro. Com o passar do tempo, as festividades foram celebradas em vias como Duque de Caxias, Aguanambi, Bezerra de Menezes e Desembargador Moreira e, desde os anos 2000, tem como principal passarela a Avenida Beira-Mar.

Os desfiles com a adesão de tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica, escolas, entidades civis e órgãos governamentais só ganharam mais força a partir da década de 1960, período que coincide com o Regime Militar, segundo o professor Francisco José Pinheiro, chefe do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Os registros históricos da imprensa cearense sobre o início do Império, tanto em jornais progressistas quanto conservadores, não mencionam manifestações desse tipo, afirma o especialista.

Em 1824, a Confederação do Equador, no Nordeste, põe em questão a própria Independência. Muitas lideranças que surgem nesse período não identificam esse processo como fundante da nação brasileira, que vai sendo construída basicamente a partir da Regência [1831-1840]. A ideia do Dia da Pátria tem a ver com pensar a nacionalidade, e isso ainda era muito diluído nos primeiros anos.
Francisco José Pinheiro
Historiador e professor da UFC

Origem do ato

Em 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga, atual cidade de São Paulo, o príncipe regente Dom Pedro I gritou "Independência ou morte!", marcando a emancipação brasileira do reino de Portugal. Assim, ele foi coroado imperador do Brasil.

Como a comunicação era rudimentar, é incerto quando a notícia chegou ao Ceará. Conforme a Revista do Instituto do Ceará, o que se sabe é que brasileiros e portugueses que moravam em Fortaleza reuniram-se na Câmara Municipal para oficializar o juramento de fidelidade ao imperador, no dia 24 de novembro, seguindo o exemplo do Rio de Janeiro, que havia feito a oficialização em 12 de outubro.

No entanto, a Independência não representou unificação. Em 1824, cearenses das cidades do Crato, Icó e Quixeramobim aderiram aos revoltosos pernambucanos na Confederação do Equador diante da insatisfação com o governo imperial. 

Início no Centro

Em 1902, a Praça do Ferreira, no Centro, ganhou uma área urbanizada, na gestão do intendente Guilherme Rocha, que recebeu o nome de Jardim Sete de Setembro, em referência à data. 

No centenário da Independência, de 1922, o Parque da Liberdade (hoje também chamado de Cidade da Criança), foi rebatizado para Parque da Independência. Porém, 26 anos depois, retornou à nomenclatura original por força de uma lei municipal.

Em 1922, os arquivos do historiador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, dão conta de que os festejos do dia na Capital foram comemorados “intensamente, sendo as casas iluminadas de cima a baixo, com alusões à grande festa”.

Três anos depois, em 1925, houve desfile militar, e o coreto da Praça do Ferreira foi palanque oficial para o presidente do Estado, José Moreira da Rocha, e comandantes militares.

Em 1929, os festejos incluíram um baile e a escolha de uma miss no Colégio Militar de Fortaleza. As paradas militares seguem nos anos 1930, com a presença de tropas militares e de educandários. Em 1946, “apesar do tempo chuvoso”, cerca de 3 mil militares desfilaram em honra ao Dia da Pátria.

Na década de 1950, há registros da Polícia Militar do Ceará (PMCE) participando do desfile pela Avenida Pessoa Anta, na Praia de Iracema. No início dos anos 1960, as avenidas Almirante Barroso e Presidente Kennedy (depois Beira-Mar) também eram passarelas para escolas na data.

Regime Militar

Nos anos 1960 e 1970, o palco das comemorações passou a ser a Avenida Duque de Caxias, no Centro, onde ocorria o desfile dos militares. No mesmo período, as avenidas Aguanambi e Bezerra de Menezes também sediavam marchas de escolas.

O professor Francisco Pinheiro, da UFC, percebe que o 7 de setembro ganha mais força a partir do golpe militar de 1964, quando os desfiles assumem um caráter ufanista com a “necessidade de exacerbar os símbolos nacionais”.

Um dos anos mais marcantes para a data foi 1972, com o 150º aniversário da Independência. Em julho, os restos mortais de D. Pedro I chegaram a passar por Fortaleza, antes de seguir para São Paulo.

“Mas o que representa D. Pedro no imaginário da população?”, questiona o historiador. “Para uma imensa parcela, nada. Acho que a leitura que os movimentos sociais fazem colocam em questão a visão dada pelos setores dominantes. O golpe pregava o ufanismo, que no Brasil tudo era maior, para dar a noção de um grande país, mas que já tinha uma exclusão social crescente”.

Anos 1980 e 1990

Já nas duas décadas seguintes, o principal desfile cívico-militar foi realocado para a Avenida Desembargador Moreira, no trecho entre as avenidas Pontes Vieira e Santos Dumont, embora houvesse outros marcados para os dias 4, 5 e 6 em vias como Aguanambi, Beira-Mar, e no bairro Montese.

Legenda: Desfile de 1987 na Avenida Desembargador Moreira.
Foto: Miguel Portela
Legenda: Desfile de 1987 na Avenida Desembargador Moreira.
Foto: Miguel Portela
Legenda: Desfile de 1987 na Avenida Desembargador Moreira.
Foto: Miguel Portela
Legenda: Desfile de 1987 na Avenida Desembargador Moreira.
Foto: Miguel Portela
Legenda: Desfile de 1987 na Avenida Desembargador Moreira.
Foto: Miguel Portela

Desde 1995, o 7 de setembro também marca o Grito dos Excluídos, movimento que busca denunciar exclusões de direitos e propor melhorias no trabalho, nas relações humanas e na sociedade em geral. A manifestação já ocorreu em vias como Perimetral, Monsenhor Tabosa e Dioguinho e praças do Centro.

Para o professor Pinheiro, o Grito revela um setor da sociedade brasileira que não se sente incluído na representação pomposa da data. “A população mais excluída é apenas espectadora do desfile oficial, e o Grito tenta fazer o movimento inverso”, percebe.

Mudança para a Beira-Mar

A partir do ano 2000, o desfile do 7 de setembro foi transferido para a Avenida Beira-Mar, por iniciativa do então comandante da 10ª Região Militar, general Roberto Laranjeira, para quem seria “um dia de festa e não apenas um feriado com desfile de tropas”. 

Ele queria seguir a experiência da França e dos Estados Unidos, onde o Dia da Pátria “não adquiriu o caráter militarista, a que foi associada a data no Brasil”, segundo reportagem do Diário do Nordeste à época, sobre o planejamento da festa.

Com maior abertura ao público, além do tradicional desfile, o dia teve competições de ciclismo, natação e regata; concurso de varanda mais bem decorada; show pirotécnico, e apresentação de bandas e artistas populares. Em um desfile náutico, pescadores também exibiram jangadas com a bandeira do Brasil.

Protestos e pandemia

Nas últimas duas décadas, a Beira-Mar permanece como palco do desfile. Apenas em 2019 o itinerário foi alterado para as Avenidas Historiador Raimundo Girão e Abolição, devido às obras de requalificação da Beira-Mar. Já em 2020, por causa da pandemia do coronavírus, o evento foi cancelado e restrito a uma cerimônia interna da 10ª Região Militar.

Legenda: Desfile na Beira-Mar, em 2004.
Foto: André Lima
Legenda: Vista aérea do desfile de 2012.
Foto: Alex Costa
Legenda: Desfile de militares em 2014, ano que também teve protestos contra a corrupção política.
Foto: Natinho Rodrigues
Legenda: Escola desfilando na última edição presencial, em 2019.
Foto: José Leomar
Legenda: Em 2019, rota foi alterada por obras na Beira-Mar.
Foto: José Leomar

Em 2013 e 2014, o desfile foi misturado com protestos políticos contra o governo da então presidente Dilma Rousseff. Em 2013, manifestantes foram revistados durante toda a manhã, e 30 pessoas foram detidas portando máscaras, pedras, rojões e estilingues. No ano seguinte, um grupo de cerca de 50 pessoas protestou contra o governo do PT, dizendo frases como “Fora, Dilma" e "Fora, Lula".