Inauguração de UPAs, de hospitais regionais, corredores do HGF superlotados, surtos de dengue, sarampo, zika, microcefalia. Covid. Em 10 anos, cinco secretários cruzaram os desafios da saúde pública do Ceará – que vive uma nova transição em meio à pandemia.
Na manhã desta terça-feira (17), o governador Camilo Santana anunciou a saída de Carlos Roberto Martins Sobrinho, o Dr. Cabeto, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). O médico, 5º a assumir o cargo desde 2010, teve a gestão marcada pela maior crise sanitária da História recente – mas não a única.
Gripe suína e primeira UPA no Ceará
Entre abril de 2010 e setembro de 2013, o médico José Arruda Bastos, especialista em Saúde Pública e Gestão, assumiu a Sesa sob indicação do então governador do Estado, Cid Gomes.
A gestão foi marcada pela descentralização dos serviços e equipamentos de saúde, expandidos para o Interior por meio das policlínicas e dos Hospitais Regional do Cariri (HRC) e Regional Norte (HRN).
A abertura das unidades teve o intuito de amenizar a sobrecarga da rede de atendimento em Fortaleza, cuja superlotação refletia principalmente no Instituto Dr. José Frota (IJF) e no Hospital Geral de Fortaleza (HGF).
No período, também foi implementada a primeira Unidade de Pronto Atendimento 24 horas (UPA) de Fortaleza, no bairro Praia do Futuro, em 2012 – ano em que o Ceará amargou recorde de casos da gripe suína, a influenza A H1N1.
Outro marco que atravessou a gestão de Arruda foi a chegada dos primeiros profissionais do Programa Mais Médicos ao Ceará, em agosto de 2013, marcada por protestos da categoria, que criticava a contratação de estrangeiros para trabalho no Brasil.
Em setembro de 2013, após 3 anos e 5 meses como titular da Sesa, Arruda Barros deixa a gestão, três dias antes de Cid Gomes indicar o irmão, Ciro Gomes, para assumir o cargo.
“Piscinão” do HGF e volta do sarampo
Entre setembro de 2013 e dezembro de 2014, Ciro Gomes foi o responsável por gerir a Secretaria da Saúde do Ceará, durante a gestão do irmão Cid Gomes.
A principal promessa de “mandato” do secretário era zerar as filas de pacientes que superlotavam os corredores dos principais hospitais públicos de Fortaleza – a exemplo do HGF, cuja ala improvisada para abrigar pacientes foi intitulada de “Piscinão do HGF”.
O “piscinão” chegou a acumular cerca de 300 macas com pessoas à espera de atendimento. Após diversas tentativas e prazos extrapolados, a ala foi extinta, dando lugar a uma enfermaria. Os corredores permaneceram lotados, porém, em outras unidades, como o IJF.
Outro desafio da curta gestão de Ciro à frente da Sesa foi o retorno do sarampo, no último mês de 2013. Já em 2014, a virose atingiu altas taxas de incidência no Ceará – 8,6 casos por 100 mil habitantes. No cenário, o Estado realizou a busca ativa de pessoas para imunização.
Com o fim do mandato de Cid como governador, em 2014, Ciro Gomes encerra o comando da Sesa após 1 ano e 3 meses como secretário da Saúde.
Hospitais superlotados e crise geral na Saúde
Um dos períodos mais conturbados da saúde pública cearense foi vivenciado em 2015, início do mandato de Camilo Santana, que nomeou, em janeiro, o médico Carlile Lavor como titular da Sesa – cargo em que permaneceu por apenas 5 meses.
Com surtos de dengue e sarampo em curso (este que só seria controlado em setembro daquele ano) e hospitais superlotados com outras diversas demandas, o Estado via se agravar uma crise que, segundo o próprio secretário, já se arrastava “por 10 anos”.
Além de centenas de pacientes sendo atendidos nos corredores dos hospitais, a crise afetava, ainda, a atenção primária, com falta de medicamentos nos postos de saúde e deficiências no Programa de Saúde da Família (PSF), denunciadas pelos próprios profissionais.
As fragilidades e a “dificuldade de controlar as equipes”, assumida pelo próprio secretário, resultaram na renúncia de Carlile Lavor, em maio de 2015. A Pasta foi assumida pelo então secretário adjunto, Henrique Javi, que se tornaria titular três meses depois.
Zika, microcefalia e nepotismo
De agosto de 2015 a março de 2019, o físico Henrique Javi é empossado como secretário da Saúde do Ceará, com experiência em gestão na área datada de 2008.
Um dos principais desafios à saúde pública do Estado no período foi a explosão de casos das arboviroses além da dengue, como chikungunya e zika. Esta última, aliás, trouxe uma consequência que extrapola os muros da saúde e se torna questão social: o nascimento de bebês com microcefalia, efeito da Síndrome da Zika Congênita.
A multiplicação de casos e óbitos pelas doenças exigiu da Sesa não apenas estratégias de combate ao Aedes aegypti, mas de mobilização para atendimento especializado dos bebês com a síndrome.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, à época, o gestor chegou a afirmar que a situação que o País vivia era “um dos maiores pesadelos da Saúde desde o século XVIII”, afirmando ainda que “a guerra contra o mosquito Aedes estava perdida”.
Com o resfriamento dos surtos, surge outro episódio marcante da trajetória de Javi na Sesa: denúncias de esquema criminoso na compra de medicamentos e insumos e de nepotismo por parte do secretário.
Para apurar as irregularidades nas compras, o Ministério Público de Contas (MPC) deflagrou a “Operação Medicar”, em 2017. Uma nova fase foi aberta dois meses depois: intitulada “a Grande Família”, requerendo o afastamento de parentes de Javi que estariam lotados no “alto escalão” da pasta.
Em março de 2019, após 3 anos e 7 meses à frente da secretaria, Henrique Javi teve a saída anunciada por Camilo Santana.
Pandemia de Covid-19 e aumento da transparência
Com a saída de Henrique Javi, Dr. Cabeto assumiu o comando da Sesa em março de 2019, exatamente um ano antes do maior desafio que enfrentaria na gestão: a pandemia de Covid-19.
Antes da chegada do coronavírus, porém, o médico cardiologista adotou como metas ampliar a regionalização da assistência médica e a transparência na gestão de saúde marcada pela implantação do Integra SUS.
A plataforma, que concentra dados epidemiológicos, hospitalares, financeiros e outros, tornou-se a principal ferramenta para atualização e consulta dos indicadores da Covid-19 em todo o Estado.
Desde março de 2020, a Sesa se voltou ao combate ao coronavírus, contexto em que Dr. Cabeto se revezou entre as funções de gestor público e médico da linha de frente.
O profissional deixa a gestão num contexto geral de melhoria nos indicadores de casos e óbitos por Covid – e de avanço na vacinação da população cearense.
Falta de recursos afeta todas as gestões, aponta especialista
Marcelo Gurgel, médico epidemiologista, doutor em Saúde Pública e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), pontua que o marco da Saúde cearense na última década “foi o esforço para interiorização e para dotar a Sesa de equipamentos de saúde, o que começou na gestão do Arruda Bastos”.
A melhora de indicadores como “mortalidade infantil e incremento da expectativa de vida” no Ceará também se evidenciou, ao longo dos anos 2010, como observa Marcelo, apesar dos “altos de baixos” das gestões dos cinco secretários.
O Ciro Gomes, por exemplo, foi um acidente de percurso. Veio com a promessa de acabar as filas nos corredores, o que não aconteceu. Temos problemas crônicos. O subfinanciamento e os recursos mal alocados são alguns deles.
O professor destaca que a falta de custeio suficiente para a rede de saúde cearense resulta, inclusive, “na ineficiência institucional de fazer o controle adequado do Aedes aegypti, por exemplo”, impactando diretamente no crescimento de casos de dengue, zika e chikungunya no Estado.
A escalada da violência urbana e dos acidentes de trânsito, questões de saúde pública, também é citada pelo professor como um dos pontos mais difíceis para a rede assistencial, “já que a resposta de intervenção está fora da saúde”.
Diante de uma rede de assistência que vive sufocada, então, um dos legados de Dr. Cabeto é o Hospital Universitário da Uece, como avalia Marcelo Gurgel.
Ele está deixando algumas coisas importantes, marcos da gestão, como o processo de regionalização e o esforço dele de dotar o Estado de um grande hospital, que vai acolher a demanda de outras unidades centenárias que nem têm mais como funcionar.