Entre “abraços” distantes e estranhamento, crianças redescobrem a escola

Burburinho eufórico, brincadeiras aglomeradas e liberdade para correr com os amigos nos parquinhos ainda não estão no protocolo – é preciso reaprender

Descrever o retorno às aulas depois das férias em creches ou escolas infantis é falar de burburinho de vozes agudas, de corre-corre, de sorrisos banguelos e gargalhadas finas correndo pros braços acolhedores das “tias” e “tios”. Dessa vez, foi diferente demais, o porteiro observou. “Isso aqui, uma hora dessa… Era pra ter fila de carro e um monte de menino!” 

A multidão, porém, era só lembrança. Não tá no protocolo. Entre 7h e 8h, poucos carros pararam, em intervalos espaçados, e deles desciam os pequenos, arrastando as mochilas de rodinhas e lancheiras. A impressão é de que estavam tímidos, mas talvez estivessem mesmo tensos. Encontraram, logo na entrada, aquela euforia característica de professor de gente pequena. “Ooooi, Sarinha! Que saudade, meu amor!”, exclamou uma educadora, batendo palmas como numa festa de primeiro aniversário. Os olhos verdes do outro lado sorriram miúdos por trás da máscara de princesas da Disney, meio distantes, meio próximos. Era a única resposta possível.

Aqueles abraços desajeitados e “cheiros” nos cabelos que “tias” e “tios” gostam de dar foram substituídos pelos toques entre os pés e cotovelos, enquanto as mãos dos adultos se ocupavam limpando mochilas e lancheiras, posicionando a pistola de temperatura nas testas e apontando para o tótem de álcool, baixinho, tamanho mini. As mãos diminutas, então, se entrelaçavam, espalhando o gel como faziam com a areia da praia, daquele jeito desengonçado.

Se até para os grandes estava tudo muito estranho, para os breves quatro anos de Mariana… Nem daria pra dizer. O olhar meio assustado, atento ao redor, talvez buscava traduzir uma realidade até então vivida apenas no discurso da mãe, que ensinou a menina por longos meses sobre o não-toque, não-abraço, não-beijinho, a não-proximidade dos colegas, o não-tirar a máscara – parte mais difícil, aliás, é a de manter esse “acessório” em rostos menores do que ele.

Maior que o corpo, aliás, também foi a saudade que nasceu nesses tempos distantes – de tão grande, a falta se dividiu e espalhou. A saudade de Ana Júlia, de 5 anos, aliás, escorreu pelos olhos. Se antes sentia falta dos coleguinhas, dos brinquedos da escola e das “tias e “tios”, agora é ficar longe da mãe e das irmãs a tarefa mais difícil. Ao ouvir o “tchau” da mãe, correu de volta, abraçou, não largou. Era como um primeiro dia de aula de novo – para as duas, que só se largaram depois de muito papo da “tia”.

Elas, inclusive, as “tias”, vivem, agora, um dilema palpável. A preocupação consigo, com a própria segurança em meio a uma pandemia, é incômoda, mas precisa ficar embaixo do braço – o que se sobressai, agora, é a missão de garantir o bem daqueles que “fizeram falta demais nesse isolamento”. “Porque ver por videochamada não é a mesma coisa!”, confessou uma delas, com os olhos marejados ao olhar pros três alunos numa sala onde antes havia uns vinte.

Alguns dizem que ver pela cidade os pequenos fardados em direção à escolinha todos os dias é sinal de normalidade. Mas é que máscara não cai bem nessa imagem. E quando o brinquedo nas mãos é substituído pela garrafinha de álcool… Também não fica tão bom assim. Além disso, há muitos ainda em casa – ou na casa da vó, da tia, da vizinha, até –, sem ideia de voltar às carteiras da rede pública. O cenário ainda está incompleto. E é o normal de sempre, não esse “novo” que insistem em ditar, que seguimos esperando.