O caminho para que o Ceará tenha uma vacina contra a Covid produzida no próprio Estado é longo, mas tem sido percorrido desde abril de 2020 por pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Em 2021, eles avançaram. Em discussões preliminares, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sugeriu aprimoramentos para que o desenvolvimento prospere e o imunizante possa ser testado em humanos.
Dentre eles: a realização de novos testes em animais e a produção de um lote industrial da vacina. O Laboratório de Biotecnologia e Biologia Molecular da Uece (LBBM) é o responsável pelo estudo.
O pesquisador Ney Almeida, doutor em Biotecnologia da Saúde e idealizador do imunizante, explica que, no atual momento, a equipe da Uece trabalha para tentar realizar os ajustes solicitados pela Anvisa, e só assim poderá dar entrada no pedido de realização do ensaio clínico, fase na qual a vacina é testada em humanos.
Mas, apesar dos esforços, que envolvem desde a pesquisa, até as verbas e parcerias com outras instituições, não há um prazo específico definido para que a Uece possa formalizar a solicitação junto à Anvisa.
Isso porque no rol dos ajustes, explica ele, há alguns obstáculos que ainda precisam ser superados, como a finalização dos testes e a produção do lote industrial da vacina, uma espécie de amostragem que servirá como um piloto.
A vacina em desenvolvimento na Uece, chamada HH-120-Defender, propõe uma nova forma de uso de um coronavírus aviário atenuado, semelhante ao Sars-CoV-2, mas que não causa infecção em seres humanos. Nos testes realizados, inicialmente em camundongos, segundo Ney, os resultados foram promissores.
O que a Anvisa solicitou?
Em 2020, a Anvisa realizou discussões preliminares com algumas universidades brasileiras que tentam desenvolver vacinas contra o coronavírus, e sugeriu, no caso da Uece, que novos testes fossem realizados com animais para saber eficácia e a segurança e um lote industrial da vacina seja produzido.
“Há uns 10 meses, a gente entrou em contato com a Anvisa, fizemos a 1ª reunião e a Anvisa viu a nossa proposta, nossos resultados, e emitiu um parecer que a gente tinha que seguir. Esse parecer exigiu que fizéssemos novos testes para consolidar o nosso resultado e uma outra coisa, que fizéssemos uma espécie de produção da nossa vacina”.
O pesquisador reforça que a vacina é veterinária e precisa ser credenciada para uso humano. “Então, para isso ela (Anvisa) exigia que a gente fizesse uma pequena produção para os testes pilotos e que a produção fosse credenciada pelo Ministério da Saúde para poder ser aplicada em humanos”.
Confira os passos obrigatórios para que uma vacina seja disponibilizada no Brasil:
Realização de novos testes
Uma das exigência que é a realização de novos testes em animais, diz Ney, já está sendo cumprida, mesmo que a Uece não tenha estrutura para realizar todos os procedimentos. De acordo com ele, foi nesse ponto que a instituição contou com a parceria da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Ao solicitar apoio, a Uece conseguiu fazer junto à UFC os testes histopatológico e citometria de fluxo. “São testes mais específicos. Não temos pessoas (na Uece) que trabalhem com esse tipo de análise”, acrescenta.
De acordo com ele, boa parte desse processo foi finalizado, e o que não foi concluído “é porque o Brasil não produz alguns insumos e tivemos que importar”.
O professor do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia da UFC, Diego Veras Wilke, explica que a instituição tem cooperado e realizado trabalhos complementares ao da Uece. Nesse processo estão envolvidos pesquisadores e estruturas tanto do Departamento de Fisiologia e Farmacologia como do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamento (MPDM).
“A Anvisa sugeriu novos testes para ver a segurança e a eficácia. Temos material técnico e pessoas capacitadas para fazer esses ensaios”, diz. Ele reitera que um dos problemas que tem atrasado a entrega dos resultados é a demora para receber os reagentes importados.
O professor Roberto César Pereira da Pós-Graduação em Farmacologia do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC também tem sido responsável na cooperação com os novos testes.
Na testagem recente, conta o pesquisador da Uece, Ney Almeida, foi utilizado um novo modelo animal, pois antes só haviam sido usados camundongos. Agora, hamster também foram testados. “Os resultados são para ver a segurança da vacina. Se realmente ela tem eficácia como mostrava nos camundongos. E eles foram plenamente satisfatórios”, garante.
De acordo com Ney, só foram usadas vacinas intranasais, sem nenhuma injeção. Alguns animais, informa ele, não tiveram a doença, e os que tiveram, quando comparados aos não vacinados, o caráter foi mais brando.
Falta produzir o lote industrial
Outro ponto a ser resolvido é a produção industrial da vacina, em uma espécie de amostragem.
“Nosso problema hoje é alguém que faça a transferência de uso veterinário para uso humano. O que estamos vendo agora é a possibilidade de tentar alguma indústria do ramo farmacêutico que queira entrar. Ela poderia fazer essa produção. Produziria a vacina em spray. É pegar o que está veterinário e produzir em spray. Para fazer isso tem que ter o credenciamento do Ministério da Saúde”.
Nesse processo, afirma Ney, os pesquisadores até cogitaram fazer o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) - que é o insumo com a substância capaz de produzir o efeito desejado da vacina - para, então, chamar a indústria para fazer as amostragens.
É o total de amostras que os pesquisadores precisam garantir inicialmente.
“A Uece não tem condição de ser uma indústria de vacina. Mas a gente vai, com o apoio do reitor e do Governo, atrás de conseguir. A vacina pertence à Uece. Ao Ceará. Iremos até onde der para ela ir”, completa.
É possível fazer outras parcerias?
No dia 5 de agosto de 2021, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Governo do Estado do Ceará e a Universidade Estadual do Ceará (Uece) assinaram um acordo de cooperação para desenvolvimento e produção da vacina. Contudo, segundo Ney, essa parceria ainda precisa ter resultados mais práticos.
O Diário do Nordeste entrou em contato com o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), que é a unidade da Fiocruz responsável, dentre outros, pela produção de vacinas, e foi informado que após as orientações da Anvisa, a instituição “realizou reuniões para ajudar a consolidar esse processo”.
Segundo a Fiocruz/Bio-Manguinhos, foi oferecido à Uece “apoio em material, caso fosse necessário, para avaliações imunológicas e de anticorpos”.
Em reunião recente, diz a resposta, foi oferecida a conclusão dos estudos pré-clínicos com estudo de desafio nos laboratórios de NBA3 para experimentação em animais de pequeno porte, em Bio-Manguinhos/Fiocruz. Esse experimento, informa, aguarda materiais para agendamento do estudo.
A Fiocruz/Bio-Manguinhos também afirma que está comprometida em apoiar a Uece no desenvolvimento da vacina, e isso inclui “as discussões de produções de lotes clínicos, e o apoio do regulatório para submissão junto à Anvisa de futuros estudos clínicos”.