Para muitos, a chegada de 2021 marcaria o fim da pandemia no Ceará, mas a realidade tem sido de aumento constante de casos de Covid-19. Entre janeiro e março, o número de novas infecções cresceu quase cinco vezes, de acordo com dados do Integra SUS, da Secretaria da Saúde (Sesa).
De 1º a 31 de janeiro, 41.310 novos casos foram registrados no Estado. Desde fevereiro, a curva de contágio se acentua, e ao fim dos 28 dias do mês, as novas infecções neste ano já somavam 105.368.
Março, porém, já era apontado por especialistas como o mês em que a doença atingiria o pico da segunda onda em Fortaleza, tendência que tem se confirmado: o dia 1º marcou recorde de novos casos diários na capital, com 2.116 registros de pessoas infectadas.
Até 9h42 desta quarta-feira (31), o Ceará já soma 188.433 casos confirmados de Covid só em 2021, montante que já é 4,6 vezes maior do que o contabilizado em janeiro. É uma média de 2.117 novos casos por dia. Do total, 72.907 registros são em Fortaleza.
O quantitativo de cearenses que não resistiram às complicações da virose também tem alta preocupante: em janeiro, o Estado somava 538 óbitos por Covid, número que já chega a 3.517 nesta quarta: 6,5 vezes mais do que no primeiro mês do ano.
Ricristhi Gonçalves, coordenadora da Vigilância Epidemiológica da Sesa, comenta que a explosão de casos e óbitos neste ano já era esperada devido ao progresso da segunda onda da pandemia, que teve início ainda em outubro de 2020.
“Esse monitoramento semanal [de boletins] possibilitou o replanejamento de todas as ações do Estado. Nós nos planejamos em relação a insumos, a orientação aos municípios, ao nosso plano de contingência”, citou.
Atualmente, de acordo com Ricristhi, as regiões mais críticas compõem as Áreas Descentralizadas de Saúde (ADS) de Fortaleza, Aracati, Russas, Icó, Iguatu e Brejo Santo. No entanto, não há estratégia de combate exclusiva para cada região.
As orientações são as mesmas para todos os municípios: aumentar capacidade de testagem, isolar infectados e seus contatos, fiscalizar desobediências às regras de isolamento social e vacinar o mais rápido possível os grupos prioritários. Inclusive, sobre o último ponto, a coordenadora diz que: “Não há envio de doses [de vacina] a mais para municípios mais infectados. A gente envia proporcionalmente a cada população dentro de um grupo prioritário”.
Repercussão na rede de assistência
A alta de casos, em grande parte, é puxada pelos jovens: a faixa etária de 15 a 39 anos já registra cerca de 11,4 mil infecções a mais na segunda onda. O biomédico e microbiologista Samuel Arruda analisa que a “dificuldade de eles obedecerem o isolamento” é fator decisivo para o cenário.
“Não só no Brasil, mas no mundo: os jovens querem se infectar logo pra ficar imunes. Outra coisa é a testagem em massa. Jovens que antes ficavam assintomáticos ou com sintomas leves hoje estão testando positivo”, pontua.
O especialista cita, ainda, a influência das novas variantes do coronavírus na situação epidemiológica do Estado, uma vez que causam “o agravamento dos casos, porque têm uma maior capacidade de se replicar, aumentar o número de partículas virais, gerar infecção mais grave e disseminar-se com maior eficiência”, lista Samuel.
Para Ricristhi Gonçalves, coordenadora da Sesa, ainda não é possível afirmar que o Ceará está vivendo o pico da segunda onda da pandemia. “Um indicador muito importante é a positividade dos exames que são realizados. No início do ano, na primeira semana de janeiro, essa positividade estava em torno de 27%. Na semana 12, que foi a passada, estava em 43%. Então, está havendo ainda um aumento”, observou.
Outra questão é a sobrecarga da rede assistencial. “A migração da doença pra essa população mais jovem vai aumentar ainda mais a pressão sobre o sistema de saúde. Um idoso passava, em média, 10 dias de internação numa UTI; o jovem vai para a UTI mais cedo, fica de 15 a 20 dias”, estima o biomédico.
A ocupação dos leitos das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) específicas para Covid-19 em hospitais públicos e privados do Ceará está acima de 90% desde o dia 11 de março: são quase três semanas à beira do colapso. Hoje (31), até 7h, 964 pessoas aguardavam por um leito no Estado: 531 por UTI, 433 por enfermaria.
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O que a ciência tem feito no Ceará
Para tentar frear as infecções e a mortalidade, profissionais da saúde e da pesquisa científica têm desenvolvido estudos no sentido de compreender o “funcionamento” do coronavírus no organismo dos cearenses, principalmente nessa segunda onda pandêmica.
"Temos tentado entender o comportamento da doença precocemente, para identificar alguma informação que diga quem vai complicar ou não", revela Keny Colares, infectologista do Hospital São José (HSJ) e integrante do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 da Sesa.
O médico informou também que as pesquisas têm se direcionado para o objetivo de “testar medicações e tratamentos”, além de “investigar reinfecções, que podem se tornar um problema maior no futuro”, segundo Keny.
“Por enquanto, a reinfecção é uma exceção, não regra. Só cerca de 1% dos novos casos são de pessoas reinfectadas. Mas isso pode aumentar e fazer com que a gente precise mudar a vacina a cada ano, como ocorre com a influenza”, considera o infectologista.
A vacinação, aliás, é só um dos caminhos. “A vacina chega como uma ferramenta importante, já influencia na redução de casos entre idosos e profissionais de saúde. Mas precisa estar aliada a outras medidas, como um lockdown que realmente funcione e a consciência da população”, destaca Keny Colares.
O biomédico Samuel Arruda endossa o alerta. “Sem vacina, a nossa única alternativa é o isolamento social. A efetividade dele já foi comprovada em outros países, desde que a medida seja respeitada. Não adianta fazer isolamento se só 45% das pessoas ficam em casa”, critica.