Áreas centrais de Fortaleza registraram os primeiros casos do novo coronavírus em março. Desde então, a disseminação se deu para bairros periféricos da Capital; em seguida, para cidades da Região Metropolitana e, desta área, para municípios do Interior do Ceará.
No entanto, o crescimento recente de casos nas demais regiões do Estado pode levar a uma nova onda da doença em Fortaleza nas próximas semanas, em efeito "bumerangue", conforme alerta do Comitê Científico do Consórcio Nordeste. A entidade reúne pesquisadores de nove Estados para deliberar estratégias de controle da pandemia.
De acordo com a plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), Fortaleza agora concentra apenas 30% dos casos no Estado. Esse valor já foi de quase 80%, no fim de março. Atualmente, são cidades como Sobral, Quixadá, Morada Nova e Viçosa do Ceará que chamam atenção pela taxa de reprodução maior que 1, ou seja, cada indivíduo contaminado pode transmitir a Covid-19 para mais de uma pessoa. A análise do Comitê mostra que os casos no interior dobram a cada 7 dias, e aproximadamente, a cada 12 na RMF.
Embora a Capital tenha relatado queda de demanda por leitos de enfermaria, bem como uma redução na procura de atendimentos, o nível de ocupação dos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) "permanece elevado". Ontem, estava em torno de 70%, de acordo com o IntegraSUS. Segundo o Consórcio Nordeste, nota-se que essa ocupação passou a ser influenciada por um fluxo crescente de pacientes dos municípios interioranos.
Mesmo com "alívio temporário", o estudo alerta para um "potencial colapso de sistemas hospitalares já exaustos pela primeira fase da pandemia". Por isso, o neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador do Comitê, explica que o relaxamento de atividades econômicas é um processo delicado que deve ser guiado por critérios técnicos. "Qualquer abertura de forma não adequada pode levar a um crescimento de casos que vai sobrecarregar o sistema rapidamente", projeta.
Os especialistas defendem o monitoramento da origem geográfica dos novos casos. Recomendam o estabelecimento de barreiras sanitárias, bloqueios intermitentes e rodízios nos entroncamentos de rodovias movimentadas e das que conectam à costa - as exceções seriam veículos de transporte de pacientes e cargas essenciais. A BR-116 foi indicada para um eventual fechamento de fronteiras entre estados.
O Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE), a Polícia Rodoviária Estadual do Ceará (PRE-CE) e a Polícia Rodoviária Federal do Ceará (PRF-CE) foram questionados sobre o planejamento de ações desse tipo, incluindo locais, prazos e efetivo de agentes envolvidos. O Detran deu retorno, indicando que a reportagem procurasse a assessoria de comunicação da PRE, que não respondeu à solicitação. Já a PRF, por meio de nota, disse que "no momento, não tem planejamento para realização de barreiras sanitárias ou bloqueios intermitentes nas rodovias federais", uma vez que atua conforme as atribuições regimentais.
Outra sugestão dos cientistas é a criação de um programa estadual de Brigadas Emergenciais de Saúde, para realizar a busca ativa de infectados a partir de agentes comunitários de saúde e enfermeiras, medindo a saturação de oxigênio dos casos suspeitos e, se necessário, ajudando no isolamento social em equipamentos públicos, como escolas e ginásios públicos.
Fortaleza, Recife e São Luís foram citadas como capitais onde o lockdown levou a uma desaceleração significativa do crescimento de casos. Ainda assim, "as curvas ainda não mostram claramente a ocorrência de um pico ou platô", esclarece o Comitê. A curva de duplicação de óbitos se encontra entre 13 e 15 dias.