O caminho do atum pescado por cearenses até a mesa começa por águas internacionais, a 400 milhas náuticas (cerca de 741 km), e exige constante cuidado com a temperatura para manter a qualidade do alimento. Por isso, uma rede colaborativa entre cientistas, empresários e pescadores vai monitorar toda a cadeia produtiva do atum por um aplicativo e sensores, com a participação de 40 embarcações no projeto piloto.
A iniciativa, também de inclusão digital dos pescadores, é chamada Rastreabilidade da Cadeia de Produção do Atum: Automação e Inteligência Artificial (Rastum). Com maior rigor no transporte do peixe, o grupo espera exportar o produto para a Europa.
O desafio é estudar essas variáveis ambientais, que possam interferir na qualidade do produto final, bem como conhecer as áreas de pesca, extraindo delas o pescado com rendimento sustentável”
Os dados poderão ser usados para evitar sobrepesca e permitir atuação conforme estabelecido pela Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT). “Os resultados vão servir como subsídio para os órgãos governamentais, de controle e regulamentação, provendo o monitoramento das embarcações atuantes nas pescarias e desenvolvimento sustentável da pesca”.
O Rastum está dividido em programas para estudos do desenvolvimento tecnológico, da ictiofauna marinha, hidrografia e para divulgação científica. “A temperatura da água influencia muito nos animais aquáticos e na pesca do atum. Estudar a correlação entre a distribuição do atum no espaço e essas características oceanográficas é fundamental”, frisa.
Como funciona
Desde o momento da coleta até ao transporte feito por caminhões, a temperatura será registrada por meio dos sensores instalados nas embarcações integrados ao aplicativo. Os pescadores irão utilizar o sistema para registrar demais informações. “Esse projeto traz a inclusão digital das empresas de pesca e dos pescadores, porque há uma sensibilidade sobre o uso da tecnologia. Também traz segurança aos pescadores, já que as embarcações vão ser rastreadas”, acrescenta Ozilea.
O Rastum começou a ser elaborado em junho de 2020 e a execução foi realizada em janeiro deste ano. A estimativa de instalação do sistema em todas as embarcações participantes é para janeiro de 2022. “Esse projeto une esforços de cientistas, empresários, armadores e pescadores para uma gestão inteligente da pesca do atum. A ciência produzida pelas universidades públicas está a serviço da sociedade”, frisa a professora.
Participam do projeto a Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (Uece), Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), onde surgiu o projeto, e Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca no Estado do Ceará (Sindfrios). O projeto recebe financiamento do Programa Digital BR, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
Peixe gourmet
O rigor com as condições de manutenção do peixe se justifica pela facilidade com que o alimento pode estragar, como explica a engenheira de pesca e professora do Labomar, Caroline Vieira Feitosa. “O pescado, como um todo, é um recurso muito perecível porque não tem muita água e não tem muita fibra e isso faz com que se deteriore mais rápido. É primordial a manutenção da temperatura e a cadeira do frio não pode ser rompida até chegar no consumidor”.
Acaraú e Itarema se destacam, como detalha a pesquisadora, nos pontos em que mais pescadores desembarcam, mas a atividade também é executada em Camocim e Aracati. “Algumas empresas querem trabalhar com o pescado gourmet e vão colocar um QR code com todas as informações”, detalha.
As viagens para a pesca duram cerca de 40 dias , tempo necessário para chegar às 400 milhas náuticas mar adentro. Algumas embarcações conseguem carregar 30 toneladas de peixe e usam por volta de 50 toneladas de gelo para manter a temperatura ideal. “A ideia é rastrear o atum: saber o local, como foi pescado e conservado para o consumidor saber a procedência daquele recurso”.
Essa análise acontece a partir de uma demanda dos trabalhadores da área, como explica Leila Andrade, analista de prospecção estratégica do Observatório da Indústria do Sistema Fiec. Barreiras sanitárias de países europeus não permitem a entrada do material atualmente.
Para nos adequarmos às legislações, vimos a necessidade de desenvolver uma rastreabilidade para o setor pesqueiro. Iniciamos com o atum, porque é uma cadeia mais organizada, mas a ideia é que possamos levar o modelo do Rastum para outras pescarias do Estado”
Os equipamentos serão doados para as embarcações participantes do projeto, além de materiais para a UFC. “Também estamos desenvolvendo a versão Web para visualização dos dados coletados e também vamos doar sensores de temperaturas para as urnas onde os pescados são acondicionados", destaca Leila Andrade.
Como é desenvolvido o Rastum
O desenvolvimento da plataforma utilizada no projeto Rastum foi feito no Laboratório de Engenharia de Sistemas de Computação (Lesc) da UFC. “O objetivo do aplicativo é ter o máximo possível de informações do pescado, no caso, da cadeia de atum e de peixes vermelhos”, explica Jarbas Silveira, professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Teleinformática da Universidade.
Sempre que o aplicativo estiver online, automaticamente, envia os dados para o servidor da empresa. Então, será possível saber em tempo real o que está sendo pescado, qual a quantidade, qual temperatura vai ser armazenado e em qual local o pescado foi capturado
Ter o controle das informações permite melhorias no planejamento e mudanças na estratégia com base no sistema. “Os aplicativos também vão ser usados nos caminhões de transporte para revalidar informações e todos os dados vão ficar em um servidor na empresa, que vai conhecer melhor como o pescado é coletado”, acrescenta o professor.
Conforme o andamento do projeto, os pesquisadores podem otimizar os dados para saber qual época do ano tem mais pescado, em quais locais e quantas pessoas serão necessárias na equipe, por exemplo. “Futuramente os dados podem ser usados, por meio de algoritmos, que podem usar técnicas como inteligência artificial para retirar informações importantes sobre o pescado”