Acesso a acervo de sítios arqueológicos de Fortaleza e RMF é restrito

Das quatro áreas históricas, apenas a Casa José de Alencar tem peças expostas. Já os vestígios encontrados na Sabiaguaba, Caiçara e na Igreja do Rosário enfrentam problemas de manutenção, além de não serem abertos para visitação

Os sítios arqueológicos guardam evidências das atividades dos povos antepassados. Cultura, acontecimentos, evolução. Contudo, parte das narrativas fincadas no Ceará encontra-se restrita. Embora Fortaleza e Região Metropolitana tenham quatro áreas de descobertas históricas, a exemplo do sítio Sabiaguaba, o Caiçara e a Igreja do Rosário, os acervos com vestígios centenários deixados por humanos seguem fechados para visitação ou distantes do local de origem, com exceção da Casa José de Alencar, que tem visita guiada mediante agendamento.

Localizada no Parque Natural Municipal das Dunas (PNMD), a Sabiaguaba abriga os sítios SA I e SA II, identificados em 2002 durante execução de obras da ponte da região. Ambos já estão cadastrados junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 2010, pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) identificou os sítios SA III, SA IV e SA V. Quatro anos mais tarde, foi a vez dos sítios Gereberaba I e II.

A professora do Laboratório de Estudos Arqueológicos da UFPE, Cláudia Oliveira, explica que apesar da fragmentação dos vestígios, foi possível fazer uma descrição preliminar do material, datado em 5.000 anos. "Tem características de vasilhas pequenas - apesar de todo o processo erosivo das dunas - cerâmica com vasilhas bem decoradas em vermelho e preto, espessuras mais grossas e uma variedade maior de formas", descreve.

Quando encontrados, os traços arqueológicos do sítio Sabiaguaba foram enviados para a instituição pernambucana. Os achados permanecem sem previsão de retorno para o Ceará.

"A gente está só aguardando uma instituição que possa receber esse material e fazer a devolução, porque a orientação do Iphan é que fique no município de origem. A gente está aguardando isso para fazer a transferência".

Fortaleza abriga ainda a Casa José de Alencar/Sítio Alagadiço Novo, onde foram encontradas aproximadamente 100 peças arqueológicas. A prospecção foi realizada no ano 2000, a partir de uma parceria entre a Universidade Federal do Ceará (UFC), o Iphan e a UFPE. Nos sete hectares das ruínas do antigo engenho da família Alencar, os arqueólogos recuperaram peças de louças, parte da estrutura de ferro do engenho e moedas antigas.

Conforme o professor Frederico Ponte, diretor da Casa José de Alencar, "algumas peças já foram expostas em exposições temporárias. Atualmente, encontram-se na reserva técnica da Casa, mas podem ser visitadas através de agendamento".

Indígena

Já no sítio Caiçara, em São Gonçalo do Amarante, descoberto em 2012 a partir de uma vistoria em um empreendimento de linha de transmissão, o primeiro material encontrado foi cerâmica indígena tupi-guarani. Segundo Daniel Luna, arqueólogo do Instituto Cobra Azul (ICA), que é particular, o material de "características bem marcantes" acabou norteando os trabalhos da pesquisa.

"Era uma cerâmica bem grossa, com pinturas em vermelho e preto sobre branco e borda reforçada. Se tratava de um sítio indígena e notamos que precisava ser estudado de forma mais aprofundada. Entregamos o relatório ao Iphan, que determinou a execução do estudo", detalha.

As escavações dos arqueólogos apontaram para a presença de indígenas há, pelo menos, 4.580 anos. Esta datação foi alcançada após um laboratório dos Estados Unidos analisar uma amostra de carvões retirada de uma fogueira encontrada a 80cm de profundidade. Além disso, o sítio também concentrava novos achados, como fragmentos de pedra lascada, marca de estaca e uma outra cerâmica ainda não classificada.

Dessa forma, além da ocupação tupi-guarani, Daniel Luna explica que o sítio Caiçara pode ter sido habitado por pescadores, pescadores-ceramistas entre 3.290 e 3.400 anos atrás, e por um terceiro grupo de horticultores ceramistas por volta de 980 anos atrás.

Subsídio

As peças, no entanto, estão alocadas na sede do ICA sem perspectiva de abertura para visitação. "Esse processo é muito caro para a arqueologia do Ceará, sobretudo porque o Estado não tem um espaço de visitação específico. A gente tem grandes coleções, mas falta o poder público para poder subsidiar", sentencia o arqueólogo.

Já na Igreja do Rosário, templo religioso no Centro de Fortaleza datado em 1753, os achados arqueológicos foram notados somente após uma obra de restauração iniciada no ano 2000. Em meio ao processo de pintura, reforma do piso, telhado e das instalações elétricas e hidráulicas, técnicos do Iphan encontraram, abaixo do piso, ossadas de aproximadamente 50 pessoas, em 2001. Até meados do século XIX, o sepultamento em igrejas era prática comum.

"Nem todos foram retirados. Os esqueletos escavados na igreja foram devolvidos. Lá existem campas e eles foram redepositados nas campas. É um sítio recente. Por questões éticas e de segurança, em termos de contaminação, decidimos devolver o material para a própria igreja. Estão embaixo das campas de madeira", explica a arqueóloga do Iphan, Verônica Viana.

Dificuldade

Se parte dos vestígios voltou à estrutura da igreja, por outro lado, os fragmentos de louças, vidro, terços e rosários, também achados no local, foram levados para a Universidade Estadual do Ceará (Uece). Conforme a arqueóloga, as peças estão em condições precárias de conservação.

"A Universidade guarda em situações não ideais. O espaço se encontra fechado e tem vários problemas com a manutenção".

Em nota, a instituição informou que o material ainda não foi catalogado. "Desta forma, não podemos confirmar se existem peças da Igreja do Rosário".

Para Verônica, a dificuldade de manter e preservar vestígios do passado no Ceará está relacionada à falta de laboratórios específicos nas universidades locais.

"Não temos nenhum curso de arqueologia no Estado. No vizinho, o Piauí, tem dois cursos de arqueologia. Se não temos cursos de arqueologia, por consequência, não temos laboratórios que recebam".

Já Daniel Luna, do ICA, complementa que, para além da falta de cursos de arqueologia no Ceará, há carência também de investimentos financeiros em pesquisas. "A arqueologia hoje aqui sobrevive dos processos de licenciamento com instituições privadas, que realizam trabalhos de licenciamento arqueológico e desenvolvem estudos em comunidades indígenas".

Ainda assim, o Instituto Cobra Azul, ele diz, carece de recursos que garantam o andamento dos estudos. "Eu não sei se o Instituto hoje teria como dar conta de um sítio da magnitude do Caiçara, porque é um sítio profundo, e que requer muito estudo pra gente chegar até os níveis de ocupação", lamenta.