As cenas de enchentes que estão acontecendo no Rio Grande do Sul têm causado espanto no Brasil e no mundo. Com isso, uma mobilização em prol da ajuda ao próximo tem tomado conta do território gaúcho e nacional. Entre as pessoas que estão participando, diretamente, desta mobilização está o servidor público e fundador do Consulado do Ceará na cidade de Canoas, Luian Falcão Martins, de 31 anos, que contou, ao Diário do Nordeste, como está sendo o impacto da enchente na região e como estão sendo os últimos dias.
“Eu acredito que o primeiro sentimento é de gratidão por estar vivo. Porque devido toda magnitude, a extensão que a água avançou, a altura que ela atingiu, a tragédia poderia ser bem maior. Muitas pessoas podiam ter morrido. Então já é um alívio muito grande. A gente sabia que a água iria entrar na cidade, mas não tanto assim. Eu, por exemplo, moro a cinco quilômetros do rio e a água chegou a apenas quinhentos metros de onde eu moro. O bairro Mathias Velho, que é um dos mais populosos da cidade, com, aproximadamente, cem mil habitantes, tem milhares de casas completamente inundadas”
Segundo Luian, todo o lado oeste da cidade de Canoas, que está localizada a 20 quilômetros do centro de Porto Alegre, e possui mais de trezentos mil habitantes, foi atingido pelas águas. Com isso, várias pessoas tiveram que abandonar seus lares e se abrigar em escolas ou em casas de amigos.
“O sentimento psicológico da população é de abalo, de tristeza. Porque quem foi atingido perdeu tudo. É muito triste ver as pessoas chegarem todas molhadas. Às vezes só com a roupa do corpo, muitas pessoas descalças. Pessoas que não conseguiram resgatar nada de casa e as casas estão lá submersas. A previsão é que a água dure dias ainda em nível altíssimo, pelo menos uns dez dias em um nível alto até baixar. Então isso é muito ruim e todas as pessoas estão em abrigos. Vários colégios da cidade estão com seus ginásios abertos e lotados”, relatou.
O fortalezense também falou como a população local tem se mobilizado para ajudar os habitantes desabrigados. Conforme ele, itens básicos para a sobrevivência, como água potável, alimentos e remédios, têm sido “muito bem-vindos” pelas pessoas que estão nas áreas afetadas.
“Na terça-feira (7) eu visitei a Faculdade da ULBRA (em Canoas), ela está com dezenas de milhares de pessoas abrigadas no colégio. Uma universidade gigantesca que tem mais de pessoas em um único ginásio. Elas precisam comer e a gente está se virando entregando alguma alimentação. Passamos um pouco de conforto para essas pessoas que vão ficar dias ainda nesses ginásios e quando retornarem para casa vão ter muito trabalho para fazer limpeza e começar a vida do zero”, contou Luian.
VAQUINHAS SOLIDÁRIAS
O desastre climático, que já causou a morte de 100 pessoas e deixou 128 desaparecidos em todo território gaúcho, além das quase 160 mil pessoas desabrigadas, tem gerado uma comoção e movimentação nacional para arrecadação de verbas para compra de mantimentos.
“Eu (Luian) resolvi criar essa vaquinha na segunda-feira (6), isso após alguns parentes e amigos que moram no Ceará estarem com vontade de querer ajudar de alguma forma, nem que seja financeiramente. Então, como eu já estava envolvido, resolvi abrir o meu Pix e estou recebendo algumas doações de pessoas, principalmente do Ceará”, falou.
Além da vaquinha criada pelo cearense, outras pessoas solidarizadas com a causa aderiram às ações de solidariedade. Para Luian, todo esse movimento de sensibilização da sociedade ajudará na vida das pessoas após essa tragédia.
“Não tem como ficar insensível a uma situação como essa, e esse sentimento é ajudar de alguma forma, seja entregando um alimento, entregando um casaco, uma peça de roupa, porque frio tá chegando e as pessoas ainda vão passar semanas nos abrigos e esse pesadelo ainda vai demorar algum tempo. Após a água baixar, com certeza irá acontecer um mutirão de limpeza para que a vida volte ao normal quanto antes”, afirmou Luian.
RECUPERAÇÃO
Além da comoção devido o nível da água dentro das cidades, como estarão as ruas após a enchente sumir é outro ponto questionado pela sociedade. Porém, Luian falou que é sabido, pela população local, que o trabalho de mobilização está apenas no início.
“A gente também tem consciência que não é só baixar a água e a vida vai voltar ao normal. Não, temos consciência que vai demorar semanas, talvez meses para tudo voltar ao normal. Porque essa água vai baixar e vai ter muita lama nas casas das pessoas. Então a cidade vai ter que se mobilizar mais ainda para ter um mutirão de limpeza. Vai ter muito descarte de lixo, colchões, sofás, objetos que se tornaram inutilizados, devido à água, vão ser descartados. Então vai ter todo mutirão de limpeza, isso vai demorar semanas. Sabemos que a dor dessas famílias não vai acabar nos próximos dias, então é esse o pensamento da população. É de querer ajudar para que a vida volte ao normal quanto antes.”
PARALISAÇÃO DO CAMPEONATO BRASILEIRO
Como fundador do Consulado do Ceará na cidade gaúcha, Luian também é um apaixonado torcedor de futebol, deu sua opinião sobre o debate recente da paralisação, ou não, do campeonato brasileiro — vide os clubes gaúchos afetados pela enchente.
“Acho que é uma discussão muito difícil de ficar em um consenso, mas eu acredito que tem que prevalecer a vida, né? Sei que no futebol existem muitos interesses. Envolve milhões e milhões de dinheiro. Há um calendário apertado a seguir. Entretanto, os três times do Rio Grande do Sul (da Série A) Juventude, Internacional e Grêmio estão sendo prejudicados porque não tem como treinar, os campos deles estão alagados. Não tem como eles virem pra outro estado jogar bola. Porque o aeroporto está parado. E muito menos psicológico. Mais da metade da população do Rio Grande do Sul foi afetada. Mais da metade do estado foi afetada por essas enchentes, por essas chuvas. Então não há cabeça pra pensar em futebol num momento desse, não há”, disse Luian.
Luian também comentou como essa paralisação apenas nos confrontos de times do Rio Grande do Sul impacta, negativamente, toda a temporada desses clubes no decorrer do ano.
“Os times do Rio Grande do Sul estão sendo prejudicados com isso. Tanto financeiramente, suas estruturas danificadas, quanto questão de logística e questão de tempo. Porque se paralisarem apenas os jogos do Rio Grande do Sul, eles vão ter que compensar esses jogos pra frente e o calendário do futebol brasileiro, como muitos falam, é muito apertado. Será um jogo a cada dois dias praticamente quando tiver mais pra frente porque tem campeonato nacional e tem campeonato internacional. É um assunto muito polêmico e de difícil resolução, acredito eu.”
*Sob supervisão de Gustavo de Negreiros.