'Vi que estavam desistindo dos sonhos': estudantes do Ceará ajudam colegas a continuarem na escola

No Dia do Estudante, o Diário do Nordeste conta histórias de jovens que adotaram ações de busca ativa, grupos de estudo online e auxílio nas tarefas para motivar companheiros de classe

O que faz um jovem estudante, em meio à pandemia de Covid e a todos os próprios dilemas, persistir em ajudar colegas de idade semelhante a continuarem na escola? Empatia, solidariedade, noção de coletividade. No Dia do Estudante, o Diário do Nordeste conta algumas dessas histórias. 

Uma série de fatores e princípios talvez explique a perseverança de alunos da rede pública de educação do Ceará. E, no cotidiano, eles se somam às ações junto à gestão escolar e aos professores e dão frutos: apesar das dificuldades, os jovens agem para que outros alunos não abandonem os estudos.

“A pandemia dificultou muito. Muitos que eram bons acabaram se desmotivando. Vi que estavam desistindo dos sonhos por conta das aulas online. Meu maior motivo para ajudar é que eles não perdessem o ano", garante Mateus Feitosa, 17, morador de Arneiroz, cidade cearense com cerca de 7,8 mil habitantes. 

Estudante do 3º ano da Escola de Ensino Médio Maria Dolores Petrola, da rede estadual, Mateus observa que a pandemia afetou, sobretudo, os habitantes da zona rural. Na turma de quase 40 alunos, metade não mora na área urbana do município, como ele relata.

2,1 milhões
de estudantes estão matriculados na educação básica do Ceará (infantil, fundamental e médio), segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021, do Todos pela Educação.

Desde 2020, Mateus, assim como outros milhares de alunos, acompanha as atividades da escola pelo celular, e sabe que nem todos os colegas têm o mesmo acesso. Inúmeros continuam sem ter como assistir às aulas em casa. 

“As aulas aconteciam na plataforma Google Meet. No mesmo horário de quando era presencial. E fica gravado. Mas quando a gente percebeu, muitos não estavam participando. Então, o Grêmio Estudantil se reuniu para buscar esses alunos”, conta. 

Enfrentamento do problema

Na escola, explica ele, o Grupo Cooperativo de Apoio à Permanência Estudantil (GCape) foi formado para enfrentar o problema. “Nós procuramos um modo de atingir esses alunos. Mas foi complicado, até porque eles não tinham internet nem para fazermos o primeiro contato”, acrescenta. 

Uma das soluções foi a produção mensal de um bloco de atividades a ser entregue de forma impressa a quem não consegue ter aula remota. Ao final de cada mês, os estudantes o devolvem. Nessa estratégia, representantes do conselho tutelar e agentes de saúde ajudam a fazer com que o material chegue aos lugares mais remotos.

Com o material impresso, às vezes, os alunos tinham dificuldade, e eu, que também moro na zona rural, ia auxiliando. Não era só um apoio nos conteúdos em si. A gente ia motivando para que eles não desistissem. Muitos que estavam desmotivados, ficavam reenviado as atividades e foram motivando.
 

Em 2021, as aulas seguem remotas com estimativa de ingresso no modelo híbrido nos próximos meses, mas não há nada certo, afirma ele. Mateus diz que sonha em ingressar na universidade, em um curso da área da saúde. Para ele, se os colegas atingirem objetivos semelhantes, o êxito, após esse momento tão crítico de crise sanitária, será ainda maior. 

81,6%
dos estudantes 2,1 milhões de estudantes da educação básica no Ceará estão matriculados em escolas públicas, informa o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021.

Privilégio do acesso às aulas

Na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Professor José Teles de Carvalho, em Brejo Santo, a realidade para Ana Karoline Leite, 16, é semelhante. A pandemia chegou quando ela ingressou no Ensino Médio. Cursava o 1º ano e as aulas foram interrompidas. Desde então, se reconhece como privilegiada, já que tem celular, computador e internet. 

Na turma do 2º ano, com cerca de 40 alunos, afirma ela, a condição não é igualitária. Em 2021, muitos estudantes receberam os chips enviados pela Seduc, mas as limitações são tantas, que faltam celulares para fazer uso do recurso.

Diante dos percalços, a escola, conta Karoline, juntou gestão, professores e alunos para buscar os faltosos. A estudante se engajou no processo para que “ninguém deixasse a escola”. 

Uma das responsabilidades é orientar os colegas na produção das atividades. O que a motiva? Segundo ela, a sensação de que, no contexto em que vive, a educação é a grande aposta para qualquer mudança de vida. 

Na turma de 40 alunos, apenas um não tem acompanhado as aulas online. Este recebe o material impresso. Na conquista mais direta, ela conseguiu auxiliar três amigas a voltarem às aulas. “Uma das ações é que os alunos com mais dificuldade levam os livros para casa, isso acaba ajudando. Não é a mesma coisa que a aula, mas ajuda.”

Monitores de turma

Na Escola Estadual Adriano Nobre, em Itapajé, a professora de biologia Marilene Magalhães Rodrigues conta que uma ação de monitoria, criada antes da pandemia, mas que permaneceu durante as aulas remotas, reforça a participação dos estudantes no auxílio aos colegas.

A atividade teve início diante da dificuldade de alguns alunos em acompanhar o ritmo das aulas. “Ao perceber que alguns alunos se destacavam e compreendiam com facilidade os conteúdos, observava também que estes auxiliavam os colegas com acompanhamento individual”, explica. 

Alunos com dificuldades são acompanhados em pequenos grupos por um monitor da disciplina, que os auxilia tirando dúvidas. O trabalho é grandioso. É incrível o quanto os alunos aprendem com facilidade com os pares e se sentem mais à vontade.

A professora relata que aquilo anteriormente feito de forma presencial, em grupos de estudos, na pandemia passou a ser realizado de modo remoto nas turmas do 1º, 2º e 3º ano. 

Antes, na escola de tempo integral, os alunos se reuniam no horário de almoço, conta ela. Com o ensino remoto, “eles fazem monitorias pelo Meet, de acordo com o horário mais adequado”.

Para ela, a ação ajuda tanto quem carece de reforço como os próprios alunos monitores. “Eles aprendem muito mais, pois quem ensina aprende duas vezes e o protagonismo é uma das premissas da nossa escola, contribuindo assim para uma aprendizagem colaborativa”.

“Às vezes a gente cansa, mas tem que estar disposta a ajudar”

Colocar as próprias limitações em segundo plano para auxiliar os colegas tem sido atitude comum à rotina de Tauânny Cidrão, 15, estudante do 2º ano do ensino médio na Escola Estadual Adrião do Vale Nuvens, em Santana do Cariri, no Sul cearense.

Em 2020, ela ingressou no projeto “Células Motivadoras”, criado por estudantes da instituição em 2019, e fortalecido no contexto da pandemia. “Buscamos ações para combater e prevenir a evasão escolar, para mostrar aos alunos que ainda existe uma luz no fim do túnel”, afirma.

A frequência dos estudantes era analisada e quem tivesse muitas faltas registradas era chamado para uma roda de conversa. “Se não adiantasse, colegas escreviam uma carta pro aluno, com frases motivacionais”, descreve Tauânny.

Com a pandemia, o trabalho foi dificultado, já que “nem todos os alunos dão retorno das atividades online”, mas não paralisou.

Estamos enviando vídeos motivacionais aos estudantes, chamamos para conversar por videochamada. Os casos de desistência são muitos na escola, mas vêm diminuindo bastante.

Um ex-aluno da instituição criou, ainda em 2019, um aplicativo por meio do qual alunos que desejem conversar são postos em contato com participantes do projeto e com conteúdos motivacionais. A ferramenta é gratuita para smartphones Android.

Driblando as próprias limitações, “atividades acumuladas e conteúdos não absorvidos”, Tauânny e os demais voluntários encontram energia num propósito: ampliar o acesso à educação. “É difícil, mas a gente tem que estar disposta a ajudar. O que me motiva é ver que dá resultado”, resume.