Variantes da raiva encontradas em saguis são identificadas em morcegos no Ceará; entenda

Estudo científico identificou a presença inédita do agente infeccioso do primata em espécies de quiróptero

Pela primeira vez, um estudo científico identificou morcegos infectados com variantes do vírus da raiva semelhantes às encontradas em saguis — conhecidos popularmente como sonhins. A descoberta pioneira, realizada em animais recolhidos no Ceará, reforça o alerta para o risco de transmissão da doença — fatal em humanos — em caso de contato com esses mamíferos silvestres, comuns em diversas áreas do Brasil, e às vezes tratados como bichos de estimação.

A médica veterinária Larissa Sousa, responsável pelo diagnóstico da virose no Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen-CE), esclareceu, em entrevista ao Diário do Nordeste nesta sexta-feira (22), que qualquer mamífero pode contrair a patologia, mas isso não significa que todos estão infectados. A novidade indica que a população deve redobrar os cuidados de contato com essas espécies silvestres, já que pode haver uma circulação do vírus nelas. 

"A raiva existe em várias variantes genéticas e cada uma delas é adaptada a uma determinada espécie. Porém, qualquer mamífero é suscetível à raiva. O que foi identificado é que algumas variantes que circulam em morcegos são similares as que circulam em saguis, e isso foi detectado pela primeira vez — a questão da evolução do ponto de vista genético, que identificou essa similaridade", detalha. 

Culturalmente, no Ceará, a população procura proximidade com esses animais silvestres, principalmente com sagui. Muitos adotam, criam em casa. Então, há o risco desses animais estarem transmitindo raiva para as pessoas".
Larissa Sousa
Médica veterinária e servidora do Lacen-CE

Em maio deste ano, o Estado registrou um óbito provocado pela virose, após sete anos sem casos do tipo. Na ocasião, um agricultor, de 36 anos, faleceu após ser atacado por um sagui, em Cariús, e demorar a procurar ajuda médica. 

"O sonhim se encontrava doente, apresentava uma paralisia, e [o homem] foi ajudar o animal, mas ele o mordeu. Depois, o agricultor não procurou um posto de saúde, não procurou tomar vacina e nem o soro, e assim esse animal transmitiu raiva para ele e, 45 dias após, o homem foi a óbito", detalhou. 

Sequenciamento e descoberta inédita

A pesquisa analisou 144 amostras de tecido do cérebro de morcegos, pertencente a 15 espécies distintas, que chegaram ao Lacen-CE entre janeiro e julho de 2022. Esses animais foram encontrados mortos ou com sintomas de raiva e recolhidos por profissionais da saúde, no âmbito do programa nacional de vigilância epidemiológica, conforme informações da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que apoiou a análise científica. 

Os resultados do estudo, coordenado pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), foram publicados no periódico especializado Journal of Medical Virology, em agosto deste ano. 

As amostras de RNA extraídas dos animais foram sequenciadas e comparadas com outras disponíveis em bancos de dados públicos. Enquanto o primeiro grupo foi compatível com variantes da raiva identificadas, no ano de 2010, em duas espécies de morcegos da região Sudeste do Brasil; o outro apresentou, pela primeira vez, relação evolutiva próxima ao vírus da raiva detectado em saguis-de-tufo-branco, típicos do Nordeste do País.

Prevenção e respeito

Em humanos, a raiva é transmitida pela saliva de animais domésticos ou silvestres infectados, após mordida, arranhão ou lambida. Cães, gatos, saguis, raposas e morcegos são os transmissores mais comuns. A doença possui alta letalidade, provocada pelo vírus, que, geralmente, migra para o sistema nervoso central e causa inflamação no cérebro, segundo frisa o Ministério da Saúde.

Atualmente, com as campanhas de vacinação de espécies domésticas, a maioria dos casos são provocados por bichos selvagens, mas Larissa Sousa destaca que a prevenção da virose não deve se transforma em uma caça predatória contra eles. 

Os animais silvestres vivem no habitat deles, então a gente recomenda que haja um respeito. Quando esses animais aparecerem próximos das residências e apresentem mudança de comportamento, como, por exemplo, o morcego, um animal de hábito noturno, aparece de dia e com dificuldade de locomoção, a gente indica que a população entre em contato com os serviços de vigilância do município".
Larissa Sousa
Médica veterinária e servidora do Lacen-CE
 

Caso uma pessoa seja mordida, arranhada ou lambida por um animal não vacinado ou desconhecido, deve imediatamente lavar o local da ferida com água e sabão e buscar a Unidade Básica de Saúde mais próxima, conforme orienta a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).

As principais formas de prevenção da raiva humana são vacinar cachorros e gatos, além de evitar contato com mamíferos desconhecidos ou silvestres. "Todo contato que a população tiver com esses animais, direto ou indireto, [deve] procurar o sistema de saúde, um posto de saúde, para, no caso de necessidade, tomar soro ou vacina, por conta que é uma doença fatal", reforça a especialista. 

Em Fortaleza, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) orienta que em casos de suspeita de zoonoses em algum animal a orientação é procurar o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), ou ligar para o número 156. A Pasta ainda aconselha não mexer no animal, se não tiver conhecimento técnico para tal fim, já que é necessário o uso de equipamento de proteção individual (EPI). Na Capital, todos os postos de saúde realizam atendimento antirrábico humano e vacinação.

Sinais e sintomas da raiva humana

Entre as manifestações da doença em pessoas que a contraem, estão:

  • Dificuldade de engolir (alimento, água ou saliva); 
  • Sensibilidade à luz (fotofobia); 
  • Tremores involuntários; 
  • Salivação excessiva. Em animais domésticos, como cães e gatos, também ocorre salivação em excesso associada à agressividade ou à mudança comportamental.

Em animais domésticos, como gatos e cachorros, o vírus causa agressividade ou mudança comportamental, associada também à salivação excessiva.