Os residentes da Chácara Salubre, a última do período colonial em Fortaleza, construída em 1802, seguem vivendo dilemas relacionados ao casarão. Desde abril de 2022, a Defesa Civil interditou o local por riscos de queda das estruturas. Mas, dois moradores se recusaram a sair da chácara, situada na Av. Mister Hull, no Padre Andrade. Enquanto isso, o imóvel, pedaço da memória da cidade, tombado provisoriamente, padece. Os donos alegam não terem como preservá-lo. Por isso, pedem que a Prefeitura o compre ou os deixe vendê-lo.
Dos 9 irmãos herdeiros da propriedade, 2 moram na Chácara, localizada em uma área de 4.815 m². Um dos moradores tem 64 anos e o outro 62 anos.
“Eles vivem lá e mesmo depois que a Defesa Civil condenou continuam. Não têm pra onde ir. Agora, estão abrigados num quartinho, um puxadinho que havia sido feito. Vivem nessa área. Um deles, inclusive, é cadeirante”, relata Miracy Ferreira Lima, 72 anos, irmã dos moradores e também uma das herdeiras da propriedade.
De acordo com ela, no dia 26 de abril, os residentes do imóvel receberam a visita de um representante da Defesa Civil que interditou o uso da casa e determinou a desocupação imediata. Mas, pondera ela, eles não tinham alternativa de lugar para irem. Dias depois, acrescenta, a Defesa Civil voltou ao local “para fazer valer a intimação de desocupação do imóvel”.
Dessa vez, houve uma proposta. A Prefeitura cogitou incluí-los no aluguel social. Mas a decisão de ambos foi permanecer na Chácara pois, segundo a família, o valor oferecido - R$ 450,00 - não é viável para garantir a locação de algum imóvel na área que possa acomodar além dos idosos, 6 cachorros e 30 galinhas criadas na chácara.
Outro temor alegado pela família é o receio de que com a saída dos moradores do local, a chácara seja invadida por desconhecidos. Já que a região na qual o imóvel está localizado tem muitas áreas abandonadas em volta.
Acompanhamento do caso
A Prefeitura, em nota, confirmou a interdição. Diz que “realizou, por meio da Defesa Civil, uma vistoria técnica que apontou patologias na residência, como parte do telhado já desabado, bem como risco de queda em outros pontos. Como forma de assegurar a integridade física dos moradores, a Prefeitura ofereceu a inclusão destes no Programa Locação Social”. Mas, assim como já exposto pela família, a proposta foi recusada.
"Ninguém garante que a propriedade ficará protegida. E nem sabemos quanto tempo essa questão ainda vai durar. Eles estão em um puxadinho feito em um quarto que não é da estrutura da casa. No Conselho (Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza) eu falei para eles (conselheiros) que estão decidindo sobre vidas humanas. Eles viram a necessidade. Nós não temos tempo de vida para esperar toda a burocracia do Estado para resolver”.
A Defesa Civil indica que “já notificou o proprietário e continua acompanhando o caso em busca de um diálogo para convencimento da melhor saída que assegure o bem-estar dos moradores”.
Processo de tombamento e negociação
O imóvel cujos cômodos já sediaram reuniões secretas do movimento abolicionista, lideradas pelo poeta e historiador Antônio Bezerra de Menezes, hoje, segue cheio de precariedades. Rachaduras nas paredes, telhado e madeira danificados - uma parte desabou - estrutura deteriorada, portas e janelas comprometidos.
A Chácara Salubre está em processo de tombamento pela Prefeitura de Fortaleza. Conforme a família, uma negociação para a venda chegou a ser iniciada com uma construtora. Os proprietários cobraram R$ 5 milhões e a construtora negociou para pagar o valor à vista. Porém, no processo, foi descoberto um pedido de avaliação do valor histórico do imovel, datado de 2013.
Em julho de 2020, a Prefeitura tombou provisoriamente a Chácara. A medida pode ser adotada antes do tombamento definitivo, que ocorre após uma série de análises. Mas, o tombamento provisório, pela lei, equivale ao definitivo no que diz respeito à garantia de proteção. Logo, o imóvel em questão não pode ser alterado enquanto tramita o processo.
Com o tombamento, qualquer alteração física no imóvel somente pode ser realizada mediante prévia autorização da Coordenação de Patrimônio Histórico-Cultural da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor).
Em Fortaleza, a Lei Municipal 9.347/2008, que rege os processos de proteção do patrimônio não determina um prazo para que a Secultfor avalie e apresente um parecer quanto às solicitações de tombamento. Mas, determina que, após recebido pedido de tombamento, os estudos técnicos para elaboração da Instrução de Tombamento devem ser executados em seis meses.
A Secultfor informa que tem discutido e acompanhado de perto as opções para o imóvel. Em nota, a pasta diz que “além de reuniões com a proprietária, a pauta já foi levada duas vezes ao Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico-Cultural (Comphic)”.
Outro ponto que é, segundo o órgão, a análise dos estudos para a instrução de tombamento está avançada, faltando apenas diretrizes quanto à conservação do imóvel. Nenhum prazo para qualquer desfecho foi informado.