Das 10 melhores escolas do Brasil nos anos iniciais do ensino fundamental, todas são do Ceará. Nos anos finais, 8 de 10 são cearenses. As outras 2 são de Pernambuco e Alagoas, vizinhos nordestinos. Os dados são do Ideb 2021, divulgado no mês passado.
Os resultados recentes refletem avanços históricos – como a redução da taxa de analfabetismo, por exemplo. No Ceará, em 2009, 18,4% da população de 15 anos ou mais não sabia ler ou escrever. Dez anos depois, o índice caiu para 13,6%.
A redução aconteceu em todos os estados do Nordeste, como mostram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), realizada anualmente – mas cuja última edição foi lançada em 2020, com dados de 2019, ano pré-pandemia.
O nível de educação da população nordestina entrou em pauta nacional após declaração o presidente Jair Bolsonaro (PL) comentar a vitória de Lula (PT) associando a região ao analfabetismo. A governadora Izolda Cela (sem partido) chegou a rebater a fala, destacando o cenário cearense e frisando que "o analfabetismo é um problema brasileiro".
Alfabetizar na idade certa
Em 2007, apenas 40% das crianças cearenses concluíam o 2º ano do ensino fundamental alfabetizadas. Em 2019, 86% delas saíam de lá lendo e escrevendo. A evolução é mostrada pelo Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), e marca os efeitos de um programa decisivo para o destaque do Estado na área: o PAIC.
O Programa Alfabetização na Idade Certa foca, desde 2007, na cooperação entre Estado e Municípios para fortalecer a rede pública de ensino, e se tornou referência nacional – contribuindo, inclusive, para estruturar o Pacto Nacional Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Para Márcio Brito, secretário executivo de Cooperação com os Municípios do Ceará, “o foco nesse compromisso pedagógico e social de instituir uma idade certa pra alfabetizar todas as crianças” tem sido crucial para evitar que a população atinja 15 anos ou mais sem saber ler ou escrever.
O gestor avalia que 4 pontos principais elevam o Ceará a referência nacional em alfabetização:
- Reforço na formação dos professores e gestores escolares;
- Produção de material didático e estruturado;
- Avaliação constante e periódica, como o Spaece e diagnósticas;
- Políticas de premiação, reconhecimento e incentivo.
O efeito a curto prazo aparece nas avaliações anuais locais e do Brasil, nas quais as escolas cearenses atingem os melhores patamares, ao longo dos anos. A longo prazo, repercutirá na queda da taxa de analfabetos no Estado.
“O Ceará conseguindo alcançar esses patamares de alfabetização de crianças faz com que, a médio e longo prazos, não haja adolescentes e adultos analfabetos. É ‘fechar a torneira’. Os municípios têm fortalecido isso”, destaca Márcio.
A ampliação do ensino em tempo integral, colocada por especialistas e gestores educacionais como prioridade, também deve ser um caminho para mitigar a taxa de analfabetismo no Ceará.
“Estamos num momento de lançar fortemente a oferta do tempo integral, não só pra uma formação voltada pra base comum, mas pra formação cidadã. É algo urgente no Brasil. O Ceará é o estado com maior taxa de tempo integral, mas ainda é pouco. Infelizmente, não temos apoio federal para fortalecer isso”, finaliza Márcio.
Educação para adultos
Clarice Gomes, doutora em Educação e membro da coordenação colegiada do Fórum EJA Ceará, reconhece que “de fato houve uma melhora”, mas alerta que “não temos como comemorar ainda”, principalmente em relação à alfabetização de adultos.
“A PNAD 2019 mostra uma taxa de analfabetismo de 13,6%. Significa (cerca de) 978 mil analfabetos no Estado. 59,8% dos cearenses com mais de 25 anos não terminaram os estudos, e de cada dez cearenses, seis tem apenas a instrução básica”, pontua.
A professora cita ainda a importância do PAIC, instituído como política pública no Ceará, mas ressalta as limitações para atingir o público de jovens e adultos.
O Ceará centra sua política no PAIC. Mas apesar das suas contribuições para o processo de alfabetização das crianças, não podemos afirmar que é suficiente para acabar com o número de pessoas não alfabetizadas ou para diminuir as taxas de abandono e atraso escolar.
Além da necessidade de “uma cultura da defesa do direito à educação, em que o jovem e o adulto tenha claro que ela é direito de todos”, o fortalecimento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) por meio de investimentos é um caminho indispensável para reduzir o analfabetismo no Ceará.
“É preciso garantir o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação para a EJA, do contrário o plano será uma mera carta de intenções. Sem financiamento não existe uma EJA de qualidade. A EJA precisa ser política pública e não política de governo”, finaliza