Rio Cocó tem contaminação por microplástico que afeta peixes e ostras consumidos pela população

Estudos científicos também indicam que 62% dos moluscos possuem fragmentos de plástico no trato digestivo

São pedaços minúsculos de plástico, mas capazes de causar estragos com dimensões gigantescas: os microplásticos contaminam água, peixes e moluscos do Rio Cocó, no encontro com o mar, em Fortaleza. Para ter uma noção disso, novos estudos apontam que 75%, de 3 espécies de peixes encontradas no local, e 62% de moluscos, também de 3 tipos diferentes, possuem o poluente no trato digestivo.

As análises são de 3 pesquisas diferentes, ainda em andamento, no Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), obtidas pelo Diário do Nordeste. As coletas aconteceram ao longo de 2022, na Sabiaguaba, e os estudos em laboratório são feitos desde então. 

Os microplásticos são fragmentos entre 1 micrômetro e 5 milímetros, formados a partir de sacolas, tintas, isopores e borrachas, por exemplo. Eles são ingeridos por animais marinhos e prejudicam a nutrição e reprodução dessas espécies, chegando até o ser humano em alimentos.

Em relação aos peixes, foram coletados 197 ao todo de animais das espécies conhecidas como Carapeba (Eugerres brasilianus), Carapicu (Eucinostomus gula) e Tainha (Mugilidae).

“Pode afetar reprodução, contaminar o animal e trazer uma série de problemas no âmbito de doenças, de problemas nutricionais, mas não vão causar obstrução intestinal, por ser uma partícula muito pequena”, detalha Caroline Feitosa, professora no Labomar à frente das análises dos peixes. Cíntia Rosso, mestre em Engenharia de Produção, também contribuiu para essa área da pesquisa.

A pesquisa deve avançar para entender como essa contaminação afeta os músculos dos peixes, a parte que é consumida pela população, já que a maior concentração dos microplásticos está nas vísceras dos animais.

Animais são veículos do plástico

Esse é um problema mais grave ao observar os moluscos, como as ostras analisadas: Crassostrea sp., Iphigenia e Tagelus, em que 62% estão com o poluente dentro do trato digestivo – justamente o que serve de alimento.

Emanuelle Rabelo, pesquisadora na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), escolheu as 3 espécies porque são consumidas em barracas e no Complexo Ambiental e Gastronômico da Sabiaguaba.

Foram coletados 100 animais de cada espécie, em 5 momentos diferentes do ano, abrangendo tanto o período seco quanto o chuvoso. Os resultados mostram uma equivalência da contaminação entre as ostras e os períodos do ano.

“Os microplásticos eram, principalmente, fragmentos de sacolas plásticas, fibra proveniente de roupa de poliéster e restos de materiais de pesca”, detalha Emanuelle. Diferente do que acontece nos peixes, esses fragmentos podem impedir a alimentação das ostras.

“O efeito do microplástico é bem variável, desde entupimento das estruturas por onde passa o alimento, o que causa dificuldade de alimentação, a toxicidade – porque tem muitas substâncias químicas aderidas”, completa a pesquisadora.

Emanuelle explica que esses animais acabam sendo veículos do microplástico até os seres humanos. Em conversas com os trabalhadores da região, ela descobriu quantas ostras são usadas para o preparo de refeições.

“São servidas 12 ostras por prato e isso equivale a 9,5 partículas de microplástico por refeição. Tem alguns pratos, como sopas, que usam 20 animais e esse número pode dobrar”, frisa a especialista.

Esses microplásticos podem ser absorvidos pelo intestino, causando contaminações, podendo entrar na corrente sanguínea e a Ciência registra alguns casos desse poluente chegando até a placenta.

É um impacto para a biodiversidade e para os humanos que põem em risco a segurança alimentar. Eu vi os pescadores pegando, muito para o consumo, baldes das 3 espécies para fazer caldos e sopas. 
Emanuelle Rabelo
Pesquisadora

Além disso, as ostras são alimento de outros animais que vão sendo contaminados em escala na cadeia alimentar. “Se esses animais morrem, os microplásticos voltam para o meio ambiente porque não se acabam nunca, ficam ali esperando a ‘próxima vítima’”, alerta.

Qualidade da água

Outra análise feita no Rio Cocó pelas pesquisadoras avalia a presença de microplásticos na água. Entre maio e outubro do último ano, foram retiradas várias amostras de água por Ravena Santiago, mestranda em Ciências Marinhas Tropicais pela UFC.

“Eu analisei amostras de água coletadas ao longo de um ciclo de marés, em frente ao Polo Gastronômico. A gente chegava em campo às 5h e coletava amostras a cada 2 horas, de 6h até as 17h”, descreve. Victória Maria Carneiro dos Santos, graduada em Ciências Ambientais, também atuou no trabalho.

Na prática, a pesquisadora percebeu uma maior concentração de fragmentos na maré enchente e uma diminuição junto com a maré. Os materiais passam por mais análise para determinar quais são os tipos de microplásticos.

“A minha hipótese é de que, durante a maré vazante, por causa do baixo fluxo do Rio, acontece a deposição de microplásticos que sedimentam ou ficam presos na vegetação do mangue e, quando aumenta o nível do mar, eles são ressuspensos e são liberados na água”, completa.

Como reparar o ambiente?

A situação precisa de intervenções do Poder Público e da população, como analisam as pesquisadoras. As especialistas indicam ações de limpeza e de fiscalização ambiental para reduzir a presença dos microplásticos na água.

“Esses resultados acenderam um alerta sobre a gestão de resíduos, principalmente, o plástico destinado de forma incorreta que acaba indo parar nos ambientes naturais”, reflete Emanuelle Rabelo.

Apesar do microplástico também chegar pelo Oceano – que carrega a poluição de outros continentes – a responsabilidade maior está aqui.

“No caso do Cocó é muito complicado, porque é um Rio que vem sendo poluído desde a nascente, temos eventos de mortalidade massiva por falta de oxigênio”, exemplifica.

A poluição de um modo geral, inclusive, está associada a perda da biodiversidade. “Todos falam do desaparecimento de aratu (tipo de caranguejo) e isso é muito reflexo de contaminação e poluição. A gente precisa de um trabalho sério em termos de revitalização”, conclui.

Em resposta à reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Sema), informou que faz a limpeza do rio Cocó periodicamente. "Após a criação da SEMA, em 2015, inclusive, uma das primeiras providências foi realizar o trabalho de limpeza e dragagem para devolver as condições mínimas de navegabilidade do rio. Foram retiradas toneladas de resíduos.", destacou a Sema. Não foram repassados dados da retirada de resíduos.

Semanalmente há limpeza de aguapés e resíduos entre as avenidas Engenheiro Santana Júnior e Sebastião de Abreu. Em 2022, foi feita uma dragagem do trecho entre a Murilo Borges a Raul Barbosa 
Secretaria de Meio Ambiente do Ceará

A Secretaria informou que articula com a Prefeitura de Fortaleza a realização de limpeza em novos trechos em breve. "Sobre os resíduos, apesar do trabalho de educação ambiental feito pela SEMA na comunidades, há ainda uma falta de consciência da população, que continua despejando lixo no rio", completou a Sema.

Por onde passa o Rio Cocó

O Rio Cocó nasce na Serra da Aratanha e percorre 50 km de percurso entre Pacatuba, Maracanaú e Fortaleza, para desaguar no Oceano Atlântico, nos limites das praias do Caça e Pesca e Sabiaguaba, conforme a Sema.

O mangue do Rio Cocó funciona como berçário de crustáceos, peixes, aves e répteis, além de outras espécies. Por isso, a degradação ameaça a reprodução de diversos animais.

Na vegetação dessa área aparecem árvores como murici e araçá, de acordo com uma publicação da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). Existem também uma diversidade de pássaros, como a garça, o martim pescador, o maçarico e a galinha d'água.