Restos mortais de Clóvis Beviláqua voltam para o Ceará 80 anos após morte de jurista; veja roteiro

Cearense foi autor do primeiro Código Civil Brasileiro, escrito em 1900, que ficou em vigor por quase 100 anos

Um dos maiores juristas brasileiros, o cearense Clóvis Beviláqua terá seus restos mortais trazidos do Rio de Janeiro para sepultamento em Viçosa do Ceará, sua cidade natal, 80 anos após o falecimento. Antes, a urna mortuária (que divide com as cinzas da esposa, a escritora Amélia de Freitas Beviláqua) será exposta em entidades jurídicas e culturais em Fortaleza.

A iniciativa partiu do biógrafo de Beviláqua, José Luís Lira, doutor em Direito e professor universitário, e foi aceita pela Prefeitura de Viçosa do Ceará. Uma lei aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal e publicada no mês de abril autorizou que o município pague as despesas decorrentes do translado.

O próprio Lira assumiu a função de conduzir a Comissão Organizadora da homenagem. Segundo ele, desde o fim da década de 1950, houve cinco tentativas para trazer os restos mortais do jurista ao Ceará, mas nenhuma obteve êxito.

Desta vez, com o envolvimento do ente municipal e da concordância da família - composta pela filha Victoria Beviláqua de Paiva e as netas, Maria Cecília e Maria Teresa -, a ideia vai sair do papel. Por coincidência, justo no aniversário de oito décadas do falecimento, na próxima sexta-feira (26).

A urna com as cinzas, feita de bronze e guardada dentro de duas caixas, uma de madeira e outra de acrílico, será sepultada definitivamente abaixo do monumento a Beviláqua, na praça que leva o nome do jurista, no Centro Histórico de Viçosa do Ceará. Junto a ela, devem ser colocadas medalhas comemorativas.

Além da praça no município natal, ele nomeia o Fórum de Fortaleza e a praça da Bandeira, no Centro, bem como escolas, condomínios e ruas cearenses.

Longo processo

José Luís Lira pesquisa a vida e a obra de Beviláqua há mais de 30 anos e escreveu dois livros sobre o também professor e filósofo. Há 12, ele também tentava sensibilizar a família para a causa do translado. 

Como o núcleo se resume às três mulheres, que não têm herdeiros, enviar Clóvis e Amélia ao Ceará também era uma questão de preservação da memória. Elas concordaram, contato que houvesse a exumação dos dois.

Após uma série de burocracias e troca de certidões com a administradora do cemitério, em junho, o escritor chegou ao Rio de Janeiro para, ao lado das familiares, acompanhar o processo. 

Por orientação da vigilância sanitária carioca, os ossos precisaram ser cremados antes do envio. Depois, as cinzas foram recomendadas pela Igreja Católica do Rio.

“Hoje, não dá para separá-los: ficaram juntos para a eternidade”, explica Lira. “Para mim, foi a realização de um desejo antigo de quem se ama. Fui um espião post-mortem das cartas dele pra ela, e era realmente um amor muito bonito”.

Agora, os restos mortais aguardam a programação de homenagens, que seguirá o roteiro de uma viagem que o casal fez a Fortaleza, em 1935.

Legado para o Direito

Nascido em 1859, Clóvis Beviláqua dividiu os estudos básicos entre Viçosa, Fortaleza e o Rio de Janeiro. Em 1878, ingressou nos estudos jurídicos na renomada Faculdade de Direito de Recife.

Iniciou a carreira como promotor público de Alcântara, no Maranhão, em 1883. Fez campanha pela República e, após a proclamação, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte pelo Ceará - única vez que ocupou cargo político. 

Em 1884, foi aprovado em primeiro lugar no concurso para professor de Filosofia na faculdade onde se formou, iniciando a série de obras jurídicas que o tornaram conhecido perante todo o país.

Clóvis também ajudou a elaborar a primeira Constituição do Estado do Ceará, em 1892, e foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1897.

Sua maior contribuição para o Direito Brasileiro foi a elaboração do anteprojeto do Código Civil de 1916, que ele redigiu de próprio punho durante oito meses, em 1900, a pedido do então ministro da Justiça e colega, Epitácio Pessoa. O texto original está arquivado no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que possui o maior acervo documental do jurista.

Segundo o Senado Federal, o Código Civil funciona como uma “constituição do cidadão comum” e regula toda a vida das pessoas, mesmo antes do nascimento e até depois da morte, passando por casamento, sucessão e herança, além de atividades em sociedade, como regulação de empresas e contratos.

Com algumas alterações, mas mantendo a ideia central, o Código permaneceu em vigor por quase 100 anos. Miguel Reale, redator do novo código, de 2002, chegou a afirmar que apenas atualizou o texto do ilustre cearense.

Outra grande importância dele foi o estudo do Direito Comparado, ramo da ciência jurídica que analisa diferenças e semelhanças entre os ordenamentos jurídicos de diferentes Estados, do qual ele foi o primeiro professor no Brasil. 

“É um homem que seus pareceres e teses permanecem em constante estudo, quando a gente fala de doutrina”, resume Lira.

Em 1906, o Barão do Rio Branco nomeou Clóvis como consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, função onde se manteve até 1934. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 26 de julho de 1944.

Além dos tribunais e salas de aula, Clóvis é descrito como “um homem simples, dedicado à família, um marido apaixonado e que gostava muito de literatura”. “Ele não foi um advogado aguerrido, foi um professor de direito e um literato na maior expressão da palavra”, define o biógrafo.

ROTEIRO OFICIAL DA URNA

25 de julho (Fortaleza)

11h – Sede do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - Edson Queiroz
12h30min – Academia Cearense de Letras - Centro
14h – Sede da OAB-Ceará - Guararapes
15h30min – Instituto do Ceará - Centro

26 de julho (Viçosa do Ceará)

16h - Praça Clóvis Bevilaqua - Centro Histórico