Projeto prevê demolir Ponte Velha do Poço da Draga, erguida há mais de 100 anos em Fortaleza, diz SPU

Construção do século XX é ocupada por fortalezenses e turistas diariamente, em meio a ferrugem e pilares desgastados

Ponto de lazer para fortalezenses e turistas e símbolo de pertencimento para a comunidade, a Ponte Velha do Poço da Draga, na Praia de Iracema, pode ser demolida devido aos danos da atual estrutura. A informação foi obtida pelo Diário do Nordeste com Vandesvaldo Moura, superintendente da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) no Ceará.

Segundo o gestor, a SPU retomou, no último mês, o diálogo com a Prefeitura de Fortaleza a fim de avaliar alternativas para a Ponte. "A demolição é uma das possibilidades, talvez seria a metodologia mais fácil, mas acho que precisamos mesmo é revitalizar", destaca.

Moura afirma que a SPU, co-responsável pela gestão da orla, aguarda elaboração de plano pelo Município para definir o destino da Ponte Velha. Ele frisa que as tratativas sobre isso foram iniciadas ainda na gestão do prefeito Roberto Cláudio, quando Fortaleza assumiu a gestão da orla por 20 anos, por meio de assinatura de termo.

Eu nasci e me criei em Fortaleza, e como fortalezense sei que demolir seria apagar uma parte da nossa História. Estamos buscando soluções, queremos sugestões.
Vandesvaldo Moura
Superintendente da Sec. de Patrimônio da União no Ceará

Inicialmente, o projeto entre SPU e Prefeitura chegou a prever a construção de um muro de contenção para que pedestres e banhistas não acessassem a Ponte e não se machucassem. A reportagem solicitou acesso ao documento, mas Moura informou que "precisaria ser revisto", já que "foi feito há muito tempo".

O Diário do Nordeste procurou o gabinete da Prefeitura de Fortaleza para falar sobre as possibilidades de demolição da ponte e sobre as tratativas com a SPU, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Ocupação da Ponte Velha 

Em fins de semana, feriado e até dia útil, o Poço da Draga vira anfitrião para gente de todo canto. Saltar da Ponte Velha, mergulhar e contemplar o intrigante Mara Hope entrou no roteiro da cidade. Mas em meio à beleza, há ruínas – estrutura e memória são levadas dia a dia pela maresia, sem resgate.

A ponte que já foi porto, antes de o Mucuripe existir, parece ter sido relegada ao esquecimento. Os pilares e lajes restantes sucumbem à ferrugem, as muretas que ainda não caíram no mar estão bambas, rachadas, e as ferragens do teto se penduram como espetos.

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O Diário do Nordeste contatou a Defesa Civil de Fortaleza, que informou não haver ações ou processos abertos relacionados à ponte.

De acordo com o termo firmado entre Prefeitura e SPU, a responsabilidade por gerir e manter praias e bens de uso comum é compartilhada entre 20 órgãos que compõem o Comitê da Gestão das Praias Marítimas Urbanas do Município de Fortaleza, entre eles:

  • Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma);
  • Secretaria Municipal do Turismo de Fortaleza (Setfor);
  • Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP);
  • Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor);
  • Secretaria Regional II;
  • Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf);
  • Secretaria Municipal do Planejamento, Orçamento e Gestão (Sepog);
  • Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis);
  • Capitania dos Postos do Estado do Ceará (CPCE);
  • Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace);
  • Secretaria do Meio Ambiente do estado do Ceará (Sema).

Em fevereiro de 2020, o projeto “A queda é livre”, selecionado por edital do Instituto Cultural Iracema (ICI), previa a instalação de uma escada de metal na Ponte Velha e de um deck flutuante no mar, itens de lazer. A pandemia chegou e a intervenção nunca aconteceu.

Em nota, o ICI informou que exigiu dos autores do projeto um laudo técnico da Capitania dos Portos, atestando a instalação, e acrescenta que o prazo de finalização do “A queda é livre” e prestação de contas dos R$ 6 mil investidos é até setembro de 2022.

“Existe risco considerável de colapsar”

O professor Esequiel Mesquita, pesquisador do Laboratório de Reabilitação e Durabilidade das Construções, da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que em regiões costeiras, como o Poço da Draga, o processo natural de degradação de estrutura é acelerado, já que os sais oxidam as ferragens e geram fissuras no concreto.

Por se tratar de uma construção histórica, a preocupação é aumentada, uma vez que foi erguida com “materiais mais antigos, com porosidade maior e resistência menor, sendo mais vulneráveis do que as estruturas atuais”, como contextualiza o engenheiro.

Para apontar quais os reais riscos, precisaria visitar a ponte. Mas existe um risco considerável de a estrutura colapsar.
Esequiel Mesquita
Engenheiro e professor da UFC

Em nota, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da Secretaria Executiva das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Fortaleza, informou que irá instaurar um Procedimento Administrativo para averiguar as condições estruturais da Ponte Velha.

Importância histórica

Não é a primeira vez na História que a ponte se rende aos efeitos da maresia. Inicialmente chamado de Ponte Metálica, o equipamento foi reconstruído em concreto, em 1929, devido ao comprometimento do material anterior.

Quase 100 anos depois, o problema se repete. Para Esequiel, a erosão poderia ter sido mitigada por medidas de manutenção frequentes, “mas não é sempre que os órgãos públicos têm as competências necessárias ou uma política acertada para isso”.

O engenheiro destaca que “é preciso que se adote medidas de vistoria para se avaliar o estado atual” da Ponte Velha, mas que “para recuperá-la de forma definitiva, é necessário um estudo histórico, com equipe multidisciplinar”.

É importante definir a geometria e os detalhes dos pilares, para manter a volumetria dessas peças históricas. Depois, desenvolver concreto com impermeabilização e resistência realçadas, para que haja mais durabilidade.
Esequiel Mesquita
Engenheiro e professor da UFC

Cândido Henrique, geógrafo e superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/Ceará), relembra toda a história que confirma a importância da Ponte Velha para o desenvolvimento e urbanização da cidade.

“Antes desse porto, Fortaleza era uma vila acanhada. Mas pela demanda econômica de exportar algodão e café, a estrutura portuária se desenvolveu. Tanto que (a atual Ponte do Poço da Draga) era interligada à ferrovia de Baturité”, recobra Cândido. As estacas dos trilhos podem ser vistas, ainda hoje, por quem frequenta o local.

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A relevância histórica da Ponte Velha, aliás, está além do que se vê. Segundo o geógrafo, está sendo programada uma visita com arqueólogos ao local, já que há possibilidade de haver soterrados vestígios de peças, mercadorias, louças e até ossadas humanas dos séculos XIX e XX.

Por isso, a ponte que desenha a paisagem da Praia do Poço da Draga – comunidade que, ela mesma, é símbolo de resistência à especulação imobiliária – já é parte do Centro Histórico de Fortaleza, um polígono que ainda está sendo estudado e será delimitado pelo Iphan para tombamento como patrimônio histórico e arquitetônico do Brasil.

“É preciso resguardar o lugar e buscar processos de restauro onde haja necessidade. Outro ponto é a educação patrimonial da população: as pessoas precisam ter consciência do patrimônio que as cerca”, alerta Cândido Henrique.