‘Projeto Elas 2024’ vai discutir fatores que podem impactar a saúde mental de meninas e mulheres

A campanha do Diário do Nordeste visa o fortalecimento da luta das mulheres por manutenção de direitos e preservação da vida

A saúde mental vai muito além do próprio indivíduo e sofre influência de condições econômicas, relacionamentos interpessoais, saúde física, fatores políticos e aspectos culturais. Em mulheres, especificamente, as diferentes etapas do ciclo reprodutivo leva a maior vulnerabilidade ao desenvolvimento de transtornos como ansiedade e depressão. Pela relevância desse aspecto da vida feminina, a saúde mental será o foco da quarta edição do Projeto Elas, que será veiculado pelo Diário do Nordeste ao longo dos meses de novembro e dezembro de 2024.

Em uma série de dez reportagens com produções audiovisuais que serão veiculadas no Diário do Nordeste, no YouTube do jornal e também nas redes sociais, o especial “Nenhuma a Menos” vai discutir atitudes, costumes, tradições e comportamentos que impactam na saúde mental de meninas e mulheres. Lançada em 2021, a campanha “Projeto Elas” foi idealizada para fortalecer a luta na manutenção de direitos das mulheres e na preservação da vida delas, com o desafio constante de potencializar o empoderamento feminino.

Neste ano, um dos temas discutidos será a sobrecarga de mulheres, que, muitas vezes, tomam a frente do cuidado de filhos ou pais idosos, tarefa que deveria ser uma responsabilidade de toda a sociedade. Sem apontar o problema como “culpa” dos homens, a psicóloga Layza Castelo Branco, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), lembra que essa dinâmica é violenta com mães e cuidadoras.

É questão de construção da sociedade como um todo, de corresponsabilidade de todos que compõem esse corpo social. Mas isso é violento para mulher. (…) É sobre uma vida toda só trocando de etapas. Às vezes é o filho bebê, às vezes é o filho adolescente. Aí esses filhos vão crescendo e daqui a pouco ela cuida dos pais. Então, é uma vida toda em que essa mulher não tem qualidade de sono e tem acúmulo de tarefas.
Layza Castelo Branco
Psicóloga e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Outro exemplo de como questões sociais reverberam na saúde mental é o impacto que o preconceito tem para grupos sociais minorizados e vulneráveis — tema que norteia outra reportagem do projeto. Pesquisas científicas da década de 1950 já investigavam a conexão entre racismo e sofrimento mental, partindo dos efeitos da desumanização a que a população negra foi submetida nos processos de colonização sobre a constituição da identidade dessas pessoas.

Kaline Lima, doutora em Psicologia Social, pesquisadora e docente no programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), destaca que o preconceito é um fator de risco para a saúde mental e o cuidado deve ultrapassar o tratamento individual, tendo foco também em mudanças estruturais e sociais. “Grupos minorizados socialmente enfrentam cotidianamente estresses adicionais e barreiras institucionais e estruturais que promovem as desigualdades sociais”, explica.

Se você está se sentindo triste, tem pensamentos suicidas, intenções de ferir o próprio corpo, se sente sem esperança e pessimista na maior parte do tempo, ou conhece alguém que passa por essas ou situações semelhantes, isso pode estar ligado a um problema de saúde mental e há inúmeros tratamentos na rede pública ou privada capaz de oferecer ajuda. Como exemplos de locais que podem ser procurados, está o Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende 24h pelo telefone 188 e sem custo de ligação ou via Chat, no cvv.org.br; o Movimento de Saúde Mental, no WhatsApp (85) 9 8106-7178, e o Hospital de Saúde Mental de Messejana, em Fortaleza, que dispõe de emergência 24 horas.

UMA PREOCUPAÇÃO DESDE A INFÂNCIA

As meninas não estão imunes a essas dinâmicas, da mesma forma que as escolas não estão desconectados das tensões sociais. Com isso, o Projeto também discutirá o papel desses espaços para o cuidado com o bem-estar de estudantes. Um dos caminhos para isso é o desenvolvimento de competências socioemocionais, habilidades que envolvem a capacidade dos indivíduos de reconhecerem e gerenciarem as próprias emoções, de estabelecerem e manterem relacionamentos saudáveis e de tomar decisões responsáveis, entre outras.

A psicóloga Vládia Jucá, professora associada do departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que a adolescência é “um tempo de travessia”, em que a menina passa a se distanciar mais da família, no sentido de “se reconhecer, construir para si um novo lugar no campo social”. Questões relacionadas à construção da orientação sexual e da identidade de gênero, por exemplo, têm implicações nesse período.

A professora discorda da visão do adoecimento mental apenas do ponto de vista dos sintomas e o tempo de duração deles e prefere falar em sofrimento psíquico, categoria que vê os sintomas como indicadores de algo que está acontecendo na relação entre o sujeito e o meio em que está inserido. “Hoje, é muito pouco [apenas] pensar em cuidar e tratar das crianças e adolescentes que já adoeceram. Temos que pensar no eixo da promoção da saúde mental, cuidar antes mesmo que elas adoeçam. [Para] aqueles que já estão com sofrimento, que não se agrave”, defende.

Essas são apenas algumas das temáticas que serão tratadas ao longo das dez semanas de divulgação do ‘Projeto Elas’. As reportagens em textos, áudios e vídeos ainda vão debater temas como a saúde mental de pesquisadoras; os principais transtornos que afetam as mulheres; onde começam as violências contra a mulher; os impactos de flutuações hormonais para o bem-estar e como o sistema público pode melhorar a oferta de serviços para atender essas demandas.