Por que garantir 50% das crianças em creches até 2024 ainda é uma meta distante no Ceará

Os planos nacional e estadual de educação estabelecem 50% de acesso das crianças de 0 a 3 anos. Mas, no Ceará o índice ainda não chega a 40%.

Ter acesso ao ambiente escolar nos primeiros anos de vida. No Ceará, 193 mil crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches em 2022, mas outras 319 mil desta faixa etária ainda não frequentam as unidades. Com isso, apenas 37,7% dessa população está em creches, enquanto o ideal estabelecido nos planos Nacional de Educação (PNE) e Estadual (PEE), é que fosse 50% desse público até 2024.

Mas, atingir o objetivo tem sido uma tarefa demorada e o alcance da meta na realidade cearense parece distante em curto prazo

A oferta da educação infantil em creches (para crianças de 0 a 3 anos) e pré-escolas (para crianças de 4 e 5 anos) no Brasil é uma competência das prefeituras, mas isso não impede que governos estaduais e o federal contribuam para a garantia de unidades do tipo, pois, na educação o regime de colaboração entre as gestões deve perpassar todas as etapas. 

Como forma de tentar assegurar acesso, oportunidades e qualidade adequada na educação em todos os estados brasileiros, o Congresso Nacional aprovou e a presidência da República sancionou, em 2014, o Planos Nacional de Educação (PNE) que, dentre outras metas, estabeleceu índices de garantia de acesso às escolas e creches. 

O PNE, publicado em formato de Lei (13.005/2014), é o documento que determina 20 objetivos a serem cumpridos na educação, no intervalo de 10 anos, direta ou indiretamente pelas prefeituras, governos estaduais e o governo federal. O atual PNE vigora no Brasil até 2024. 

Nos estados e municípios também foram criados planos de educação, cujas metas se conectam ao documento nacional. No Ceará, o Plano Estadual de Educação (PEE), Lei Estadual 16.025/2016, vigora de 2016 a 2024. 

No PNE e no PEE, a meta 1 refere-se à educação infantil. Nas duas normas a meta 1 tem como objetivos: 

  • Universalizar o acesso a pré-escola, até 2026, para as crianças de 4 a 5 anos de idade; 
  • Ampliar a oferta de educação infantil em creches para atender, no mínimo, 50% das crianças de 0 a 3 anos de idade até 2024. 

O presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Ceará, José Marques Aurélio afirma que "o não cumprimento dos marcos legais, tornou-se uma prática da Gestão Pública, em especial no que tange ao governo federal".

Como tem sido a oferta de creche no Ceará?

Em 2022, apenas 37,7% das crianças cearenses de 0 a 3 anos frequentavam a creche, sendo necessário, portanto, que as atuais taxas cresçam 12,3 pontos percentuais para alcançar a meta prevista até 2024. 

Em números absolutos, é necessário que em 2023 e 2024, as redes municipais do Ceará consigam incluir 319 mil crianças nas creches, conforme os índices que constam no Painel de Monitoramento do PNE, disponibilizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE.

José Marques elenca alguns obstáculos para o não cumprimento da meta no PNE, como: estabelecimentos com infraestrutura inadequada para a oferta a esta etapa de ensino as condições de acesso e permanência; falta de incentivo e condições orçamentárias para a criação de novas turmas de educação infantil.

O desafio é fazer essa inclusão em um curto tempo, tendo em vista que entre 2013 e 2022, o Ceará só conseguiu aumentar em 8,5 pontos percentuais o acesso à creche, passando de 29,1%, em 2012, para 37,7% em 2022. 

No cenário nacional, o estado foi somente o 12º que mais conseguiu crescer na proporção de oferta. Mas, a situação no Ceará não é isolada e reflete dificuldades vivenciadas nos demais estados. Para se ter ideia, no âmbito nacional, apenas 37,7 das crianças de 0 a 3 anos de idade estão matriculadas nas creches. 

Oferta de creche de 2013 para 2022

  1. Tocantins tem 32,3% e cresceu 17,6 pontos percentuais
  2. Mato Grosso do Sul tem 40,5%, cresceu 15,1 pontos percentuais
  3. São Paulo - tem 51,6% cresceu 15,0 pontos percentuais
  4. Maranhão tem 35,1%, cresceu 13,8 pontos percentuais
  5. Mato Grosso tem 33%, cresceu 13,0 pontos percentuais
  6. Piauí tem 34,5% cresceu 11,3 pontos percentuais 
  7. Alagoas tem 35,2%, cresceu 11,1 pontos percentuais
  8. Roraima tem 22,9%, cresceu 9,6 pontos percentuais
  9. Acre tem 19,3% cresceu 8,9 pontos percentuais
  10. Bahia tem 32,1%, cresceu 8,9 pontos percentuais
  11. Goiás tem 26,2%, cresceu 8,9 pontos percentuais
  12. Ceará tem 37,7%, cresceu 8,5 pontos percentuais

Em 2022, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) elaborou um relatório sobre o cumprimento das metas do PEE. O documento, apresentado em fevereiro de 2023, indica, dentre outros pontos, que: “o fato de apenas um terço das crianças cearenses de 0 a 3 anos estarem matriculadas em creches é extremamente preocupante, uma vez que a frequência à escola nos primeiros anos de vida tem impacto significativo no desempenho educacional futuro”.

Dentre todos os estados brasileiros, somente São Paulo, em 2022, já havia alcançado a meta referente às crianças de 0 a 3 anos, com 51,6% dessa população matriculada em creches. Santa Catarina, com 49,5% das crianças matriculadas em creches, em 2022, está  bem próximo de alcançar o objetivo. 

"A creche é ainda garantida pelas redes como algo excepcional, como se estivessem fazendo além do que lhes compete. Isto acontece porque não há uma legislação que determine diretamente. O gargalo é maior nesta etapa de 0 a 3 anos, pois acreditamos que é necessário garantir nos marcos legais e planos de educação, também a obrigatoriedade de universalização também para estas crianças", disse o presidente da Undime, no Ceará.

No caso da pré-escola, etapa que envolve crianças de 4 e 5 anos de idade, o cenário no Ceará é melhor, pois o índice de matrículas em 2022 era de 96,9%. Mas, nesse caso, vale destacar que a meta de universalização era até o ano de 2016. 

No atual contexto, há ainda 7,9 mil crianças nessa faixa etária fora da pré-escola, logo, para cumprir a meta, que deveria ter sido alcançada em 2016, é preciso incluí-las. No país, o Ceará é o estado mais próximo de alcançar a meta nessa etapa. 

Em relação à meta 1, o relatório da Seduc destaca que “o Ceará precisa de esforços maiores para ampliar o acesso das crianças de 0 a 3 anos às creches”.

Por que a oferta de creches não aumenta? 

Um dos motivos para que a matrícula nas creches ainda siga abaixo do esperado no Ceará é um entendimento de não obrigação legal da oferta por parte dos gestores municipais. Isso porque, no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9.394/96 diz que a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, é organizada em pré-escola; ensino fundamental; e ensino médio. 

Isso gera um certo entendimento dos governos de que a garantia dos equipamentos da educação básica, é para alunos de 4 anos de idade em diante.

"A não garantia do acesso à educação pode causar diversos prejuízos sociais e educacionais como problemas na estruturação física, intelectual e emocional que gera impacto ao longo de toda a vida, comprometendo um desenvolvimento integral saudável, pois nesta idade, as crianças têm maior facilidade para se adaptarem a diferentes ambientes e adquirirem novos conhecimentos".
José Marques Aurélio
presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Ceará

A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Rosimeire Costa, reforça que “a lei que tornou obrigatória a matrícula das crianças de 4 e 5 anos foi mal interpretada pelos prefeitos. A creche não deixou de ser dever do município. É preciso oferecer sempre que as famílias demandarem. Os prefeitos interpretam a lei apontando que se a matrícula obrigatória é na pré-escola, o investimento vai ser na pré-escola. Isso é o que tem acontecido”.

A professora e pesquisadora da área da educação infantil afirma ainda que, embora legalmente a educação infantil seja de responsabilidade do município, isso não desobriga os estados e a União da responsabilidade por essa primeira etapa. 

“A educação infantil nunca foi tratada como prioridade, faz parte da história. Isso tem relação com a forma como as crianças de 0 a 5 anos são vistas pela sociedade. Como crianças que parecem ter menor valor. Parecem ser menos importantes do que as crianças maiores e os adolescentes da educação básica. O investimento na educação das crianças diminui à medida que a idade diminui”. 
Rosimeire Costa
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará

Ela também argumenta que o baixo número de matrículas não significa baixa procura. “Na expansão de matrículas, quanto menor a criança, menor a oferta nas redes públicas. O Ceará não foge dessa realidade, nem Fortaleza”, completa. 

Outro ponto, destaca a professora, é a qualidade dos equipamentos. “Nosso problema não é só de acesso, é também de qualidade”, afirma Rosimeire. Pois, ressalta, nem todas as crianças que estão matriculadas estão sendo atendidas de modo adequado e satisfatório. 

“A frequência à creche de boa qualidade, com um professor bem formado, vai  promover o desenvolvimento integral da criança. O desenvolvimento da linguagem. Uma linguagem enriquecida, aumenta o repertório dos conhecimentos musicais e artísticos. Através da interação com outras crianças, de maior e menor idade, vão se desenvolver mais do que ficando em casa. Na creche, vai aprender a conviver, participar e se expressar. Vai aprender a ser cuidada e educada”, defende e acrescenta que na ausência do acesso aos equipamentos, as crianças de 0 a 3 anos são privadas de todos esses ganhos