Um novo fármaco para o tratamento de diversas feridas, incluindo psoríase e dermatites, foi desenvolvido à base de uma das plantas mais comuns no sertão nordestino: o cacto. O produto, que é aplicado sobre a pele, foi criado durante o trabalho de conclusão de curso do farmacêutico cearense Igor Gomes, formado pela Universidade de Fortaleza.
A textura em gel creme foi obtida a partir do estudo da palma forrageira (Opuntia sp.), geralmente utilizada como alimento em tempos de seca para ruminantes e outros animais pelo alto valor nutricional.
O medicamento traz perspectivas para o tratamento de várias condições dermatológicas, como:
- feridas
- cortes
- psoríase
- dermatite atópica
- queimaduras solares ou por agentes químicos
Segundo Igor, a pesquisa se inspirou nas propriedades e textura de outra planta, a babosa (Aloe vera), conhecida pela “mucilagem” - aquela secreção pastosa presente em seu interior. Como a palma ainda é pouco estudada, foi escolhida para a investigação do potencial biotecnológico.
“Fizemos parceria com fazendeiros de Tabuleiro do Norte e da Chapada do Araripe, e tivemos um bom material para iniciar os estudos. Sabendo dos constituintes, a gente partiria para as formulações farmacêuticas utilizando a biotecnologia, que busca desenvolver produtos de baixo custo e com menos efeitos colaterais do que medicamentos químicos já existentes no mercado”, explica Igor.
Na fase prática, foram realizados testes em laboratório e em animais. Como o ativo possui substâncias como flavonoides e pectina, o fármaco age como anti-inflamatório e cicatrizante. “Antes de cicatrizar, vem o evento da inflamação. O produto é bastante eficaz em desinflamar a ferida e ainda assim cicatrizar”, descreve.
Com o sucesso dessa fase, Igor Gomes deu entrada no pedido de patente da fórmula, já submetida para registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). No futuro, existe a possibilidade de serem realizados testes em humanos.
“Precisamos avançar para que um dia chegue a nível de aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Para isso, precisamos de parcerias com grandes centros de pesquisa ou da própria indústria farmacêutica”, afirma o pesquisador.
O projeto da palma forrageira foi desenvolvido com a orientação dos professores da Universidade de Fortaleza, Renato Moreira, Angelo Roncalli e Ana Cristina.
O conselheiro pelo Ceará no Conselho Federal de Farmácia (CFF), Egberto Feitosa, elogiou o produto final especialmente pelo potencial no alívio da psoríase, doença crônica na qual as células da pele formam escamas secas que irritam e causam coceira.
“A rica composição bioativa desses cactos pode oferecer benefícios anti-inflamatórios e hidratantes, potencialmente aliviando os sintomas da psoríase. Parabenizo os colegas farmacêuticos por tão importante pesquisa que, certamente, trará ganhos para a sociedade como um todo”, afirma.
Múltiplos usos
De acordo com o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), a palma é uma espécie de cacto utilizada para múltiplos usos, inclusive consumo humano, cercas vivas, controle de erosão, conservação dos solos, paisagismo e produção de corantes, mas o principal é como forragem.
No uso para alimentação de rebanhos, a energia da palma é comparável à do milho, mesmo sendo composta 90% de água. Isso porque seu sistema de raízes pode se desenvolver lateralmente, permitindo a absorção hídrica em níveis superficiais.
Outro ponto importante sobre o plantio da palma é que ela pode ser “armazenada” no campo e colhida somente quando necessário, sem perda da qualidade da forragem.
Potencial escondido
Hoje doutorando em Biotecnologia em Saúde pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Igor Gomes passou a trabalhar numa pesquisa sobre lectinas com ação antitumoral. Essas proteínas são isoladas de produtos naturais e já possuem propriedades comprovadas contra o câncer de mama. Elas serão testadas em peixes-zebra, um novo modelo experimental em laboratório.
Para o pesquisador, a fauna e a flora cearenses são ricas em bioativos, mas ainda pouco explorados.
“Há uma necessidade de investimentos na ciência e no pesquisador para que sejam descobertas novas moléculas. Não temos noção do quanto de princípio ativo existe nas plantas medicinais. Precisamos de estímulos a alunos e pesquisadores na busca de novos medicamentos, para que tenham menos custos para a população”, ressalta.