Palavras indígenas podem ser lidas em diversas ruas e avenidas de Fortaleza, resultado da influência de povos originários que habitavam o Ceará antes mesmo da colonização portuguesa. Em maior nível, pelo menos 30 bairros da Capital fazem referência a termos indígenas.
Para a pesquisa, o Diário do Nordeste consultou principalmente livros e artigos dos historiadores cearenses Paulino Nogueira e Thomaz Pompeu Sobrinho, disponibilizados pelo Instituto do Ceará; e o Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena, de Clóvis Chiaradia.
Além disso, pesquisou artigos e trabalhos científicos. No entanto, apesar da diversidade de fontes, não foram encontradas correspondências para dois bairros: Aracapé e Parque Manibura. Moradores desses locais foram contatados, mas também não souberam explicar a origem dos vocábulos.
Apesar da quantidade expressiva de referências, a população indígena de Fortaleza, atualmente, fica restrita a uma comunidade de potiguaras no bairro Paupina, segundo o advogado Weibe Tapeba, coordenador da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince).
Para ele, a nomenclatura de vias, bairros e cidades representa a “essência” indígena do Ceará, mesmo com um processo de apagamento histórico dessas raízes.
“A província do Ceará, em 1863, aprovou um relatório dando como extinta a população indígena em seu território, o que foi fundamental para que houvesse esse silenciamento étnico dos indígenas. Houve um massacre e a história oficial não conta isso”, lamenta.
Weibe considera que apenas homenagens toponímicas não são suficientes para corrigir problemas históricos. “O patrimônio cultural dos povos indígenas é do povo brasileiro, mas isso não se traduz em políticas públicas e no reconhecimento de demarcações”, observa.
indígenas habitam o Ceará, conforme a Fepoince, distribuídos em 15 povos e 20 municípios.
História indígena na Capital
Conforme remontam trabalhos de Carmen Lúcia Lima, antropóloga e professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI), os potiguaras habitavam o Rio Grande do Norte e trechos da Paraíba, mas vários confrontos com os portugueses nessas capitanias dispersaram esse povo para outras regiões. No Ceará, a ocupação portuguesa da orla teve início em 1603.
Em 1611, ao se estabelecer no Ceará, Martim Soares Moreno criou uma relação mais pacífica entre potiguaras e lusitanos por causa de sua amizade com o chefe Jacaúna, principal elo entre os brancos e os indígenas.
O clima amistoso continuou por 20 anos, até Martim seguir em missão para Pernambuco e antigas divergências voltarem à tona no Ceará. Assim, os potiguaras se aproximaram dos holandeses, com os quais dominaram o Forte de São Sebastião, em 1937.
Contudo, a relação com os holandeses também não durou: a inadimplência dos trabalhadores indígenas gerou revolta e, em 1644, estes ocuparam o Forte e dizimaram quem lá estava. As trocas de aliados duraram até 1654, quando os portugueses tomaram de volta o comando da Capital, e os potiguaras começaram sua dispersão. Muitos seguiram rumo à Serra da Ibiapaba.
Os grupos que permaneceram no litoral passaram a habitar quatro aldeamentos: o primeiro foi o “Bom Jesus da Aldeia de Parangaba”, de 1665, seguidos pelos de “São Sebastião de Paupina”, “Caucaia” e a “Aldeia Nova de Pitaguari”.
Confira abaixo, em ordem alfabética, o significado dos nomes dos bairros indígenas de Fortaleza:
Ancuri
Vem de “aricori”, uma espécie de palmeira adaptada à caatinga. Porém, na versão de Thomaz Pompeu Sobrinho, é uma provável referência a superstições locais, pois forma-se da contração de “anga”, sombra/alma, e “cori”, apressado.
Cambeba
Significa “cabeça chata”, segundo Paulino Nogueira, pois é corruptela de “acanga”, cabeça, e “peba”, chata”. Também designa um peixe de cabeça chata, além de ter sido um apelido dado pelos portugueses à tribo de indígenas omaguás, no Amazonas, porque possuíam a prática de achatar o crânio com o uso de tábuas.
Canindezinho
Canindé é uma palavra tupi que designa tanto uma espécie de arara de penas azuis e amarelas quanto uma tribo indígena cearense.
Coaçu
“Folha grande ou larga”, é uma contração de “caá”, mato, e “açu”, grande. Refere-se a uma planta conhecida popularmente como cauaçu, pau de vassoura ou cabeça de macaco.
Cocó
“Coco”, sem acento, quer dizer "tio". Porém, Paulino Nogueira tem dúvidas: “pode ser o nome de algum cacique que o deu ao rio", supõe. Outra versão, de Thomaz Pompeu Sobrinho, fala de “co”, interjeição de "aqui está", e “có”, roça, quintal: “eis aqui a roça”.
Curió
No tupi, significa "amigo do homem". Designa uma ave de pequeno porte que gostava de viver perto de aldeias.
Genibaú
“Baú de jenipapo”, formado por “geni”, jenipapo (do tupi “iandypáwa”, fruta que dá tinta), e “baú”, depósito de coisas velhas.
Guajeru
É um arbusto frutífero e rasteiro que nasce em lugares arenosos. Vem de “gua”, pintado, e “juru”, boca, porque o fruto tinge os lábios de quem o come.
Guararapes
O “estrondo de tambores” vem do tupi “uarará”, um tipo de tambor, e “pe”, local.
Itaoca
Taóca, “a que tira folhas”, denomina uma formiga de correição, que vive em grandes grupos e leva um estilo de vida nômade.
Itaperi
“Água da tapera”, resultado de “tapera” - contração de “taba”, aldeia, e “puera”, passado -, local velho e abandonado, e “hy”, água
Jacarecanga
Formado por “jacaré”, do tupi-guarani “jaeça-caré”, aquele que olha de lado; com “acanga”, cabeça. Deu nome a um morro e a um riacho na Capital.
Jangurussu
Significa “onça grande'', vindo da corruptela de “ya’wara”, jaguar/onça, e “uçu”, grande.
Maraponga
“Mar agitado”. Deriva de “mbará”, mar, e “apong/pong”, soar, emitir som, bater, segundo a professora Fernanda Coutinho no livro “Maraponga”.
Mondubim e Novo Mondubim
Variação de “mudubim”, refere-se ao amendoim. Significa "estar em montão", pois é uma corruptela de “ma”, montão, e “ubi”, estar.
Mucuripe
"Fazer alguém alegre", formado por “corib”, alegrar, e “mo”, abreviatura do verbo “monhang”.
Papicu
Do tupi-guarani, significa "lagoa comprida".
Parangaba
No tupi-guarani, significa beleza ou formosura. No entanto, Paulino Nogueira acredita que Porangaba era o nome de uma moça bonita que teria sido homenageada no nome da lagoa.
Parque Araxá
“Terreno elevado”. Tem origem tupi-guarani a partir de “ara” e “cha”, que significam, respectivamente, lugar e alto/elevado.
Praia de Iracema e Parque Iracema
Significa “lábios de mel” pela junção de “ira”, mel, e “tembe” (que altera-se para “ceme”), lábios. Foi o nome do romance e da heroína criados pelo escritor José de Alencar.
Passaré
“Lagoa do atalho”, dá nome a uma região que era o caminho mais curto entre as vilas de Messejana e Parangaba.
Paupina
A origem é incerta e conflituosa, com vários documentos apontando outras direções. Paulino Nogueira percebe como mais aceitável uma abreviação de “paracau” (que com a colonização portuguesa se tornou “parapau”), papagaio, e “pina”, listrado ou pintado.
Pirambu
Em tupi-guarani, “pirá” quer dizer peixe, e “ambu”, roncar. O “peixe barulhento” nomeia a espécie sargo-de-beiço.
Sabiaguaba
Thomaz Pompeu Sobrinho explica que sabiá vem de “coobiá”, animal aprazível. Junto com “guaba”, comida, torna-se “comida de sabiá”.
São João do Tauape
Tauape era um povoado no caminho de Maranguape. Significa "lugar de barro amarelo", pois “tauá”, barro amarelo, e “pe”, lugar.
Sapiranga
Vem de “eçá”, olhos, e “piranga”, vermelhos. Era o nome de uma doença ocular. Também se assemelha ao termo “sapiton”, choro de três dias que marcava o luto indígena e também afetava os olhos.
Parece, mas não é
Há bairros de Fortaleza com nomes aparentemente indígenas por sua sonoridade, mas que, na verdade, têm outras origens:
Aldeota
Faz referência a um aldeamento de indígenas que saíram das margens no Rio Ceará para a região da nascente do Riacho Pajeú. Porém, o termo é diminutivo de aldeia, que vem do árabe “ad-dayha”, representando uma pequena aglomeração de casas.
Dendê
Do quimbundo “ndénde”, refere-se ao óleo de palmeira utilizado popularmente nas culinárias africana e brasileira, como na feitura do vatapá.
Messejana
Embora José de Alencar a tenha descrito como palavra tupi que significa "o que fez abandonar", Paulino Nogueira percebe que o nome tem origem portuguesa. Segundo o escritor do livro "Messejana", Edmar Freitas, o mais provável é uma derivação do termo “mosjona”, de ascendência árabe, cujo significado é “cárcere” ou “prisão”.
Varjota
É o diminutivo regional de várzea, que por sua vez vem de “varja”, cuja origem remonta ao céltico “barga”, encosta de montanha ou terreno amplo.