O que existe nas terras reivindicadas por empresária na Vila de Jericoacoara? Veja imagens

Desde 2023, um acordo extrajudicial entre uma empresária e o Governo do Estado do Ceará tenta resolver um impasse: mesmo após a regularização fundiária da Vila de Jericoacoara, há quase 30 anos, ela tenta provar ser dona de 80% do local. No entanto, decidiu abrir mão da maior parte em nome de 19 lotes de terra que representam, agora, menos de 5% da área original.

Mas, afinal, o que existe nesses terrenos? Onde ficam e que impactos podem trazer? Na última semana, o Diário do Nordeste percorreu as ruas da Vila para entender esses pontos.

Segundo a defesa de Iracema Correia São Tiago, de 78 anos, ela não quer mexer com o que já está ocupado, seja por moradias, hotéis, pousadas, restaurantes ou empreendimentos comerciais. Assim, “sobraram” terrenos às margens da Vila, totalizando cerca de 4 hectares.

O acordo estava praticamente fechado para essa transferência quando moradores e comerciantes da Vila tomaram conhecimento dele e pediram mais tempo para se manifestarem na discussão. Atualmente, o processo está suspenso por tempo indeterminado pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE-CE).

Durante essa suspensão, o órgão também solicitou uma perícia cartorária no registro do imóvel ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com apoio do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace).

Enquanto o acordo não avança, os terrenos reivindicados permanecem sem uso direto. Um deles fica logo na entrada da Vila, ao lado do posto de coleta da taxa de turismo. Com chão de areia, tem alguns arbustos e árvores e serve como parada de espera para trabalhadores da área que precisam pegar algum tipo de condução.

Outro, triangular, fica ao lado do Cemitério Santo Antônio, próximo ao serrote. Mesmo requerido, a Prefeitura Municipal de Jijoca de Jericoacoara - responsável pela administração da Vila - iniciou a construção de uma praça no terreno. A obra, ainda na fase inicial, está orçada em R$356 mil, conforme uma placa afixada nos tapumes metálicos. Não há informação sobre prazo de conclusão.

A reportagem buscou a Prefeitura de Jijoca para entender por que essa obra ocorre na área reivindicada, mas não obteve retorno até esta publicação.

“O diálogo institucional do município permanece aberto e contínuo, de forma que eventuais dúvidas ou adequações jurídicas possam ser mediadas para tratar do bem comum do povo”.
Lindbergh Martins, em em nota divulgada em outubro
Prefeito de Jijoca

Na área sudoeste, que faz limite direto com o Parque Nacional de Jericoacoara, de gestão federal, há uma espécie de duas minipraças. Uma tem coqueiros e alguns bancos rústicos de madeira; a outra é denominada “Vila do Abraço” e contém elementos de paisagismo. Porém, não há identificação sobre quem realiza sua manutenção.

Por último, na margem sul, próximo à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), está mais um grande terreno sem uso definido. 

A reportagem contou mais três grandes terrenos vazios, cobertos por areia ou vegetação rala. Em nenhum dos espaços visitados havia placa indicando que o terreno pertença a qualquer proprietário.

O Conselho Comunitário de Jericoacoara defende que os terrenos reivindicados por Iracema são “áreas verdes” para usufruto de moradores e visitantes. Porém, a reportagem não verificou esse tipo de utilização.

Confusão em registros

Em uma manifestação entregue à PGE na última quarta-feira (13), o Conselho anexou um documento do próprio Governo do Ceará comprovando que, em 1995, a região da Vila estava livre para ser incorporada ao patrimônio do Estado.

A Portaria 102/2000 do Idace, publicada em 21 de março de 2000, mostra que a entidade solicitou ao cartório de Acaraú uma certificação de que não havia propriedades registradas na área que foi alvo do processo de regularização fundiária, há quase 30 anos.

No documento, comprova-se a emissão da Certidão Negativa da Inexistência de Matrícula e/ou Registro ou Transcrição da Transmissão Imobiliária, expedida pelo Titular do 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Acaraú.

Ainda segundo o texto, “sobre o referido imóvel não há reclamação administrativa ou qualquer contestação promovida por terceiros quanto ao domínio e posse, consoante Certidão expedida pela Delegacia do Patrimônio da União no Ceará (DPU-CE)".

Diante dessas negativas, o Governo resolveu arrecadar as terras e incorporá-las ao Patrimônio do Estado do Ceará. A portaria ainda detalhou que, ao sul do terreno incorporado, estavam as terras da empresa M. Machado, uma propriedade da família Machado mais conhecida na região como “Firma Machado”.

Assim, para o Conselho, as terras da empresária Iracema Correia São Tiago “sempre estiveram ao sul do Parque Nacional de Jericoacoara e não havia propriedade privada dentro da área destinada à regularização fundiária conduzida pelo Governo Estadual".

O que diz a defesa de Iracema

No entanto, segundo a defesa da empresária, houve uma retificação administrativa do tamanho da terra em 2007, pelo uso obrigatório do georreferenciamento para aferir a medida da propriedade quando da mudança do Cartório de Acaraú para Jijoca. 

Até então, alegam os advogados, os imóveis eram medidos em braças ou léguas, medidas inexatas que podem variar entre regiões do Brasil. Assim, o processo de correção realizado há 17 anos “apurou a correção da área, sem que houvesse nenhuma invasão ou manifestação contrária desde a data de sua aquisição em 1983”.

A defesa ainda destacou que a retificação respeitou “todas as diretrizes e normas legais”. Após esse processo, as medidas do imóvel teriam passado de 714,20 hectares para 924,90 hectares - um aumento de 210,70 hectares. O Conselho já contestou publicamente esse crescimento.

Sobre a portaria, a defesa rebate afirmando tratar-se de uma arrecadação diferente, destinada na verdade à Área de Proteção Ambiental (APA) de Jericoacoara. Ainda assim, ressalta que o documento menciona serem “ressalvados” os imóveis de domínio particular que porventura se encontrarem na região, “o que demonstra a própria incerteza quanto à inexistência de propriedades particulares no perímetro”.

“A Portaria da Arrecadação da APA cita a M. Machado Florestal, que é a Fazenda Caiçara, como limite Sul. Essa fazenda está a quilômetros de distância da Fazenda Junco I, que se sobrepõe à Vila de Jeri. A referida Portaria, ao citar o Limite Sul da APA, ignora a existência de outras propriedades como o assentamento Guriú, do Incra e das Fazendas Junco I e II. Ou seja, não se pode tomar a Portaria como definidora dos limites nem da Vila e nem do Parque”, declara.