Homem trans ganha na Justiça direito a mastectomia após plano de saúde negar procedimento

Operadora havia negado cirurgia argumentando tratar-se de uma intervenção estética

Um homem trans ganhou na Justiça o direito de realizar uma mastectomia (retirada total das mamas) após ter diversos pedidos negados pelo plano de saúde. Assistido pela Defensoria Pública do Ceará (DPCE) desde 2022, o músico Tarcísio Brito, de 27 anos, reivindicava o procedimento por considerá-lo fundamental à formação da própria identidade.

Segundo a DPCE, o plano havia negado a realização da cirurgia argumentando tratar-se de uma intervenção estética, contrariando diretrizes de organismos nacionais e internacionais de saúde, além de laudos de médicos do próprio plano, cujos pareceres todos indicavam a necessidade da realização da cirurgia.

Após a decisão judicial, o procedimento foi realizado no dia 23 de maio, em um hospital de Fortaleza. "Sem a Defensoria Pública e a minha vontade de vencer, nada disso teria acontecido. É uma vitória que não é só minha e sim de toda a comunidade trans. Fiquei receoso quando a Unimed finalmente autorizou, porque eu vinha de sucessivos traumas dos pedidos negados", revelou o músico. 

Conforme esclarece a Defensoria, procedimentos como o de Tarcísio são considerados "cirurgias de redesignação sexual" e, por entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também devem ser feitos por planos particulares. Essas intervenções são realizadas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2010.

"Mesmo com laudos comprovando a necessidade da cirurgia, os planos negavam a realização sob o argumento de que se tratava de procedimento estético. Isso é um flagrante caso de violação de um direito humano fundamental: o direito à identidade. Não se trata de estética e sim de algo essencial à formação de um aspecto físico para a pessoa se enxergar naquele gênero", explicou a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), Mariana Lobo, que atuou no caso de Tarcísio.

Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a Unimed Fortaleza disse não poder confirmar dados de processos judiciais e administrativos em respeito à privacidade e ao direito dos seus clientes, mas afirmou sempre agir em conformidade com as normas vigentes e respeitar as decisões da Justiça. "Além disso, reitera seu compromisso com a saúde e o bem-estar dos beneficiários, assegurando a qualidade dos serviços prestados", diz o comunicado. 

Custos do Pós-operatório 

Tarcísio ainda teve direito a indenização por danos morais e psicológicos causados pelas negativas recebidas do plano de saúde até conseguir fazer a mastectomia, e aguarda autorização da Justiça para acessar o valor, já pago pela Unimed. Enquanto isso, ele enfrenta os desafios do pós-operatório, que envolve os custos necessários para dois meses de cuidados em casa. 

Enquanto a indenização não é liberada pela Justiça, o paciente promove rifas para tentar angariar os recursos.

"Eu estou com um dreno na região da cirurgia e, quando tirar, vou precisar usar coletes especiais até o fim de julho para proteger os pontos e a área da cirurgia em si. Estou tomando antibióticos e analgésicos, mas a alimentação também muda e, em breve, vou ter gastos com fisioterapia, que tudo indica que não vai ser pelo plano. É todo um processo até ter vida normal. E tudo gera custos. A indenização seria para isso", afirmou Tarcísio. 

Procurado pela reportagem para informar sobre o alvará para a liberação da indenização, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) informou que o pagamento não foi efetuado "em decorrência das informações equivocadas prestadas pelo interessado". Segundo o TJCE, a 22ª Vara Cível "intimou a parte interessada, bem como a Defensoria Pública, para que informem os dados corretos para expedição do Alvará". 

Requisitos para o procedimento

A DPCE explica que para passar por um processo transexualizador, é preciso ser maior de 21 anos e ter tido acompanhamento clínico e hormonal por, pelo menos, 24 meses.

No caso de mulheres trans, a cirurgia de transgenitalização não é ofertada pelo SUS em todos os estados. Atualmente, só oito Unidades da Federação dispõem do serviço: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Rio Grande do Sul, Pará e Bahia.

No Ceará e em outros 21 estados brasileiros e Distrito Federal, isso reduz o acesso ao procedimento aos planos de saúde particulares. "Daí a importância da decisão do STJ", destaca a Defensoria.