Fortaleza pode iniciar, a partir deste ano, o processo de criação de duas novas Unidades de Conservação (UC) ambiental, ambas na região da Sabiaguaba. A proposta consta no Plano Diretor Participativo Sustentável (PDPS), que norteia o crescimento e o ordenamento da capital a partir de sugestões enviadas com participação popular.
O documento inclui ideias de diversos entes da sociedade, após analisadas pela Prefeitura de Fortaleza como relevantes e factíveis. A implementação das UCs Refúgio da Vida Silvestre (Revis) das Dunas da Mata do Miriú e Refúgio da Vida Silvestre das Tartarugas, então, é apontada pela gestão como viável.
Vale ressaltar que mesmo que o novo Plano Diretor seja aprovado como está, não há garantia de execução da proposta de criação das novas UCs, já que elas “deverão ser instituídas considerando os procedimentos específicos”, como aponta o PDPS.
Manuela Nogueira, titular da Coordenadoria Especial de Programas Integrados (Copifor) da Prefeitura de Fortaleza, explica que a proposta foi considerada “viável”, mas exige trâmites individuais. A ideia chegou ao PDPS por sugestão de ambientalistas e instituições como o Greenpeace e o Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar).
“As equipes técnicas da Prefeitura e do Consórcio (Quanta/Gênesis, contratado pelo Município para gerir o plano) analisaram que é possível criar essas unidades. Há viabilidade, e por isso elas aparecem no documento, mas é preciso outros estudos, consulta pública e vários trâmites para efetivar”, detalha.
“Mesmo estando no produto 6 (documento que reúne as propostas enviadas), ainda tem um processo de discussão com a sociedade. E, por fim, se o plano for aprovado, é preciso ainda uma legislação específica sobre essas UCs. Qualquer outra demanda que aparece no produto segue o mesmo raciocínio”, acrescenta Manuela.
Proteger duas novas áreas na cidade é ação definida como “indispensável” por Roniele Suira, representante da comunidade da Boca da Barra da Sabiaguaba.
“A Mata do Miriú é de grande importância tanto pra vida silvestre como pra memória do povo. É um lugar de memória ancestral, de lendas. Criar uma unidade de conservação é preservar e garantir que ela permaneça como esse espaço”, cita, destacando a especulação imobiliária como um dos principais riscos.
“O território sendo protegido como UC garante a subsistência, já que a comunidade usa os recursos naturais para sobreviver. Cada vez que a especulação imobiliária avança, a gente vê os animais sumindo, a perda de biodiversidade”, lamenta.
Representantes das comunidades da Sabiaguaba participaram de reuniões relacionadas ao Plano Diretor para propor e argumentar sobre as demandas do território.
Além da Revis da Mata do Miriú, a Revis das Tartarugas, se tiver a criação efetivada na prática, também abrangerá a Sabiaguaba – mas pode se estender até a faixa de areia da Praia do Futuro, conforme a Copifor.
“Há o indicativo de a UC Refúgio da Vida Silvestre das Tartarugas ser na Sabiaguaba, no entanto, se posteriormente, na Lei que instituir a UC, houver o entendimento de que a porção da Praia do Futuro deve ser incluída, será incorporada”, explica o órgão.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, Alice Frota, bióloga e doutoranda em Ciências Marinhas Tropicais, menciona a importância de proteger a fauna marinha da região, com destaque para as tartarugas, ao defender a criação da UC.
“Na Praia do Futuro e Sabiaguaba, temos importantes áreas de desova da Tartaruga-de-pente, a espécie com maior risco de extinção. Por isso, precisamos criar áreas protegidas, como o Refúgio da Vida Silvestre das Tartarugas Marinhas.”
Fortaleza já possui, hoje, 7 Unidades de Conservação de Proteção Integral, tanto de âmbito municipal como estadual, que integram a Zona Ambiental de Preservação 2:
- Parque Natural Dunas da Sabiaguaba;
- Parque Estadual do Cocó;
- ARIE Municipal das Dunas do Cocó;
- ARIE Municipal Prof. Abreu Matos;
- ARIE Estadual do Sítio Curió;
- ARIE Estadual do Cambeba;
- APA Estadual do estuário do Rio Ceará.
Para Marcelo Moro, biólogo e professor de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Ceará (UFC), a criação das duas novas UCs “faz muito sentido dentro do ponto de vista ambiental de Fortaleza”, principalmente porque as chamadas “Revis” são um tipo de unidade com proteção integral por lei.
“O Miriú é uma área muito incrível de vegetação bem conservada, uma floresta de dunas, e que ainda tem uma quantidade de fauna bem interessante. Já o Refúgio das Tartarugas é importante pra proteger a área e impedir atividades de construção civil ou de veículos”, resume.
É preciso olhar com muito cuidado e carinho pras áreas que sobreviveram ao crescimento da cidade, pra permitir que elas se perpetuem como patrimônio ambiental de Fortaleza, sejam protegidas, resguardadas e seja feito o processo de criação de UCs. Várias áreas verdes da cidade ainda não têm nenhuma proteção legal.
O professor e pesquisador destaca que as unidades de conservação cumprem diversos papéis quando inseridas numa cidade grande, desde a regulação de cheias e do fluxo de água da chuva, impedindo alagamentos, até o lazer da população.
“O Parque Estadual do Cocó e o das Dunas da Sabiaguaba, por exemplo, são visitados para contato íntimo com a natureza e prática de esportes. Cumprem essa função dupla: tanto protegem a fauna e a flora nativas como são espaços de lazer importantes pra população”, observa.
Em que fase está o Plano Diretor
A lei que institui o novo Plano Diretor Participativo tinha votação prevista para o segundo semestre de 2023, mas ainda não chegou à Câmara Municipal de Fortaleza. O documento final para elaborar a minuta da lei segue em processo de elaboração.
“Estamos no estágio que chamamos de compilação de todas as propostas colhidas durante as reuniões ou encaminhadas por várias pessoas, movimentos ou entidades. Resumimos isso no Produto 6, dele sairão as diretrizes e contribuições para revisão da lei”, esclarece, estimando que essa revisão deve ser votada em cerca de 3 meses.
Há uma previsão de finalizar esse produto 6 em fevereiro com maturidade suficiente para que possamos ir a uma audiência pública, fazer a minuta de lei e levar para a Conferência da Cidade. Mas os prazos não estão batidos nem definidos.
Manuela explica que “a cada reunião que temos, se houver necessidade ou for solicitado pela população mais tempo para analisar, discutir ou aprofundar algum tema, isso é construído em conjunto”. A próxima reunião está marcada para o dia 13 deste mês.
“Se existirem coisas a mudar, vamos fazer toda a análise técnica, revisar e colocar uma terceira versão no ar. Isso se repetirá quantas vezes forem necessárias”, frisa a titular da Copifor.