Se ocorresse um terremoto em Fortaleza, vários edifícios de todos os bairros da capital cearense estariam vulneráveis a sofrer algum tipo de dano devido ao abalo sísmico, principalmente aqueles mais baixos. Esse foi um dos resultados encontrados no estudo “A influência das ações sísmicas nas edificações brasileiras em concreto armado”, tese de Paulo Miranda, doutor em Engenharia Estrutural.
“Esse dano pode ser (desde) algo leve a algo mais severo. Somente um estudo aprofundado das diferentes tipologias poderá prever que nível de dano será, e é nisso que eu venho trabalhando atualmente”, explica o engenheiro, que é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), no campus de Juazeiro do Norte. A pesquisa, de fevereiro de 2021, é fruto do doutorado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
O engenheiro civil e doutor em Estruturas Joaquim Mota, professor do Departamento de Engenharia Estrutural e Construção Civil da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que a ação sísmica de um terremoto equivale à aplicação de forças horizontais ao longo de toda a altura do edifício.
“É como se você fosse colocado em cima de uma plataforma com rodinhas e alguém ficasse empurrando para frente e para trás em várias direções”, ilustra. Apesar de baixa, a sismicidade no Nordeste já exige que o projetista considere essa ação no projeto.
Na tese, Miranda realiza análises em estruturas modelo que representam o parque edificado de Fortaleza para avaliar a influência de tremores de terra nos edifícios. Para isso, ele utiliza um índice chamado “parâmetro S/V”, que se refere à relação entre possíveis ações sísmicas (S) e ações horizontais de vento (V) sobre as construções.
Caso o valor encontrado para esse parâmetro seja maior que um, as ações de sismo superam as de vento, gerando uma dúvida em relação ao comportamento da estrutura. Se for menor que um, ocorre o contrário e o cenário é mais “tranquilo”, explica Miranda.
Os resultados obtidos mostram que o parâmetro S/V é menor em edifícios mais altos e maior em prédios mais baixos, o que torna essas edificações mais vulneráveis a danos.
Erroneamente, as pessoas muitas vezes se preocupam com os prédios mais altos, mas como eles estão submetidos a maiores ações de vento, pelo menos parcela de forças e de carregamentos horizontais já foram considerados [no projeto], inclusive que têm valor superior ao de um provável sismo. Nas edificações mais baixas, não.
Em prédios de até quatro pavimentos, ele destaca que há situações que a ação sísmica é cinco vezes maior que a de vento, considerando Fortaleza como um todo.
“De forma geral, as estruturas mais baixas, de até quatro pavimentos, executadas com materiais mais frágeis, tipo alvenarias, são mais vulneráveis à ação sísmica, o que é uma verdade preocupante, já que este tipo de estrutura ainda é predominante nas nossas cidades”, complementa Mota.
O professor explica que essas estruturas normalmente são projetadas para resistir a forças verticais da gravidade (peso), mas não à força horizontal da ação sísmica.
A pesquisa considerou os edifícios residenciais com pelo menos dois andares construídos entre 1940 e 2017. As ações sísmicas aplicadas tiveram como base a NBR 15.421, de 2006, documento da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que estabelece os procedimentos e requisitos para verificar a segurança das estruturas, enquanto para as ações de vento a norma observada foi a NBR 6123.
Além da magnitude do tremor e da distância entre o edifício e o epicentro do sismo, o terreno sobre o qual a estrutura está construída também tem impacto nos danos. Segundo a metodologia utilizada no trabalho, Miranda explica que os dois tipos de solo identificados em Fortaleza amplificam as ações sísmicas.
VULNERABILIDADE POR BAIRRO DE FORTALEZA
O trabalho também traz o parâmetro S/V para os prédios de cada bairro da Capital — neste caso, sem diferenciar a quantidade de andares. Em todos eles, o índice é maior que um, mas a vulnerabilidade das regiões varia.
O maior valor (8,19) foi encontrado no Autran Nunes, indicando que a provável ação sísmica pode superar a de vento em oito vezes. Em seguida vêm Parque Manibura (7,51) e Olavo Oliveira (7,38). No outro extremo estão o Cais do Porto, com o patamar mais baixo (1,46), Patriolino Ribeiro (2,11) e De Lourdes (2,33).
“No Meireles, [o parâmetro é] 2,45. Mas não tem só edifícios altos? Não. Tem uma composição de edifícios mais altos e mais baixos. Os mais altos têm S/V abaixo de um. Os mais baixos, acima de um. Essa composição leva ao número do S/V do bairro”, explica Miranda.
Considerando apenas os prédios mais baixos de cada bairro, de 2 a 4 andares, os 10 bairros com maior vulnerabilidade são:
- Autran Nunes: 8,19
- Parque Manibura: 7,81
- Parque Iracema: 7,79
- Cajazeiras: 7,62
- Olavo Oliveira: 7,38
- Padre Andrade: 7,28
- Alto da Balança: 7,23
- Antônio Bezerra: 7,21
- Cristo Redentor: 7,11
- Pres. Kennedy: 7,09
Já entre as construções mais altas, com mais de 20 andares, as ações sísmicas superam as de vento apenas nos seguintes bairros:
- Cambeba
- José Bonifácio
- Jacarecanga
- São João do Tauape
- Papicu
- Salinas.
Em outros 12 ocorre o contrário, incluindo Meireles, Cocó, Praia de Iracema e Varjota.
PROJETISTAS NÃO CONSIDERAM O RISCO SÍSMICO
Nos últimos anos, Fortaleza viu a altura dos prédios aumentar com a construção dos ‘superprédios’, principalmente na orla. Com o mecanismo da Outorga Onerosa, foi possível construir um edifício de 160 metros em um bairro como o Mucuripe, cujo limite de construção era de 72 metros.
Nesses casos, o engenheiro explica que a ação de vento é maior que uma provável ação sísmica, mas há outros aspectos técnicos que devem ser considerados. Um deles é a forma de dispor as armaduras dentro da peça de concreto para resistir a determinados esforços.
“Alguns cuidados são necessários e eles não são tomados, a não ser que o projetista tenha, de alguma forma, levado em conta uma provável ação sísmica”, afirma.
Na tese, Miranda entrevistou engenheiros de todos os estados brasileiros para investigar a adoção da NBR 15.421. Devido à baixa sismicidade do País, muitos projetistas desconhecem a norma e relutam em adotar os procedimentos estabelecidos no documento.
Joaquim Mota explicou que a maioria das estruturas no Ceará não foi concebida para resistir a tremores de terra.
De acordo com ele, o conhecimento da existência de um risco sísmico não desprezível do ponto de vista estrutural, tanto no Ceará quanto no Rio Grande do Norte, ainda é “relativamente recente” na comunidade técnica da construção civil. Com isso, ainda não houve a “incorporação plena” da consciência de considerar esses aspectos nos projetos e na avaliação de risco de edificações históricas.
Na verdade, a causa principal e mais frequente para uma estrutura ruir sob uma ação sísmica é ela não ter sido concebida nem dimensionada para resistir a esta ação. Ou seja, o projetista e o construtor não levaram em conta no projeto e na execução a possibilidade da ação sísmica.
O docente aponta que o terremoto que ocorreu em Pacajus em 1980, de magnitude 5 na escala Richter, apesar de “bem perceptível” na Capital, “não ocasionou danos significativos em estruturas na cidade, o que, de certa forma, foi tranquilizador”.
O RISCO SÍSMICO FORTALEZA
Considerando o mapa de sismicidade do Brasil, a maior parte do País está localizado na Zona 0, onde os projetistas não precisam considerar a ação dos tremores de terra. Em outras áreas, porém, há maior ameaça. O Acre, por exemplo, está na Zona 4, que tem maior aceleração sísmica horizontal, por estar próximo ao limite de duas placas tectônicas.
O Ceará, por sua vez, está na Zona 2. O Estado é cortado por cinco falhas sísmicas, que somam 996 km. Com isso, é o 5º do Brasil em extensão absoluta — atrás de Amazonas, Minas Gerais, Pará e São Paulo.
“Quando você combina a exposição de pessoas [a certa ameaça sísmica] em edificações não preparadas para essas condições, isso compõe o elevado risco sísmico da Cidade”, explica Miranda.
O QUE DEVE SER FEITO
Para amenizar riscos, Paulo Miranda destaca a necessidade de conscientização dos profissionais sobre a aplicação da NBR 15.421, que foi revisada em 2023. “A norma existe e precisa ser obedecida. Todos os novos projetos precisam considerar o que está previsto”, destaca.
Joaquim Mota afirma que as instituições de formação têm “um papel fundamental” na implantação dessa cultura ao preparar profissionais habilitados para desenvolver projetos que considerem as ações sísmicas. Para o nível de sismicidade do Nordeste, segundo o professor, essas adaptações não inviabilizam os projetos, do ponto de vista comercial. “Pode ser um temor do mercado, mas não tem fundamento”, afirma.
Nas estruturas de concreto armado, às vezes, basta a observância de algumas regras de detalhamento das armaduras [ferragens] para conferir à estrutura um grau de ductilidade e segurança [contra] a ação sísmica prevista. Espera-se que num futuro próximo essas boas práticas de projeto venham a ser implantadas no meio técnico da nossa região e exigidas pelo poder público.
No caso de edificações já existentes, Miranda destaca que trabalhos como a tese desenvolvida por ele apontam as situações mais críticas. Onde houver dúvida quanto ao comportamento da estrutura, é necessário fazer uma análise localizada.
“Teria que pegar um bairro, fazer um levantamento das condições dos edifícios e, onde necessário, aplicar algumas técnicas de reforço ou de melhorias, que não são técnicas muito complicadas de aplicar. Porque nossa sismicidade, embora exista e possa gerar problemas, está longe de ser a mesma de outras regiões do mundo, como Japão e Chile”, afirma.
Mota acrescenta que é necessário avaliar o grau de vulnerabilidade e estabelecer um limite de aceitabilidade de risco, pesando a importância e o tipo de uso do imóvel. “Estruturas públicas, como hospitais, que devem continuar operacionais após o sismo, não devem ficar numa situação de risco estrutural elevado”, exemplifica.
Para os prédios com “risco inaceitável”, deve-se avaliar o custo da intervenção para levá-lo a uma condição aceitável e comparar com o custo de uma obra nova. “Este roteiro, aparentemente simples, exige um corpo técnico muito preparado e experiente com conhecimento das técnicas construtivas e de projeto utilizadas na época da obra analisada”, destaca.
AÇÕES NA CAPITAL
O Diário do Nordeste questionou à Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) se a adequação à NBR 15421, da ABNT, é levada em consideração na fiscalização documental de edifícios e se há algum tipo de estudo ou de ação em relação à preparação de edificações em relação ao risco sísmico.
Em nota, a Agência afirmou apenas que conduz inspeções em toda a cidade, atendendo às demandas da Defesa Civil de Fortaleza, do Ministério Público do Ceará (MPCE) e da população em geral. A solicitação pode ser feita pelo aplicativo Fiscalize Fortaleza, pelo telefone 156 e pelo site denuncia.agefis.fortaleza.ce.gov.br.
“Constatada a ausência de Certificado de Inspeção Predial, de acordo com a Lei Municipal nº 9.913, é lavrado um auto de infração, e aplicada a penalidade de multa no valor de R$ 6.233,21, com um prazo de cinco dias úteis para apresentação de defesa”, finalizou a Pasta.
À reportagem, a chefe do Núcleo de Ações Preventivas (Nuprev) da Defesa Civil de Fortaleza, Margareth de Paula, pontua que ainda não se tem uma preocupação grande com terremotos no Brasil.
“A Defesa Civil é uma coordenada de articuladora, que consegue mobilizar todos os órgãos a nível municipal, estadual, federal em qualquer situação adversa. [...] Nós não visitamos obras, porque não é de nossa competência, mas o que visualizamos nas nossas vistorias é que ainda não existem padrões construtivos resistentes a grandes abalos sísmicos”, afirma.
Na Capital, ela destaca a existência de um plano de contingência voltado para as ocorrências recorrentes, que são desastres relacionados a chuvas intensas. “Mas, no caso de outra tipologia adversa, a Defesa Civil, que é um órgão articulador em todas as esferas de governo, com certeza se prepara [para agir]”, complementa.
Ela acrescenta que o órgão trabalha “de janeiro a dezembro” para a amenização dos riscos de desastres recorrentes, com ações de limpeza dos recursos hídricos. Na prevenção, a gestora atua com vistorias voltadas para a conscientização dos condôminos sobre a manutenção preventiva e corretiva nos edifícios. A Pasta atua em regime de plantão e pode ser acionada pelo telefone 190.