O DNA não compreende os vínculos entre mães, pais e filhos adotivos, porque a vontade de amar vai além de laços sanguíneos. Há quem não entenda a beleza dessa escolha em que os preconceitos raciais, de orientação sexual e em relação às pessoas com deficiências se sobressaem.
Famílias cearenses, no entanto, resistem contra essas adversidades em celebração ao desejo de ampliar o afeto. No Dia Nacional da Adoção, marcado nesta quarta-feira (25), o Diário do Nordeste traz histórias de quem escolhe como formar os elos familiares.
Um desses casos começou no dia 9 de maio de 1993, que carrega muitos significados para Alpha Pompeu. Naquele domingo, Dia das Mães, ela nasceu, foi acolhida nos braços da mãe adotiva, Margarida, e recebida em casa três dias depois.
“Minha mãe é médica, já tinha perdido dois bebês, e teve um processo de adoção interrompido, mas continuou”, conta sobre a chegada na família. O crescimento da menina acompanhou o diálogo sobre essa história e a consciência sobre a adoção.
“Quando eu era menor, me contaram de forma lúdica e sempre me diziam que eu era uma filha do coração”, lembra. Aos 8 anos, “a ficha caiu” em um momento de revolta, mas que não demorou muito, como conta.
Isso porque o afeto e a conexão entre os pais sempre predominou sobre qualquer tipo de diferença. Uma delas sendo a racial. “Eu sou filha de pais brancos, mas eu sou negra e de cabelos cacheados, totalmente fora do padrão da minha família”, frisa.
Quando minha mãe falou que ia adotar uma criança, primeiro veio o processo da minha avó de questionar uma neta que não era de sangue. Ao saber que era uma menina negra, ela surtou. Mas essa menina negra e adotada é a única neta que tem o coração da avó até hoje
Filha e avó se aninharam numa relação de intimidade e logo Alpha se tornou a preferida entre os 10 netos, como dona Gaida diz livremente. Mesmo com Alzheimer, o sentimento pela neta mantém o vínculo forte.
“O amor não tem cor, ultrapassa qualquer preconceito, quando realmente existe. Minha avó tinha preconceitos culturais, mas acabou rompendo isso e diz ‘o amor da minha vida é minha neta’”, frisa.
Aos 29 anos, Alpha esquece por alguns momentos ser uma filha adotada. “Eu e minha mãe somos parecidas nos cachos e no sorriso. Eu e meu pai somos muito geniosos”, relaciona sobre ter opiniões fortes, traço que compartilha com o pai Francisco Pinheiro.
“O maior aprendizado é que sangue não define conexões, eu posso não ter a mesma linhagem da minha mãe, mas ela já me falou que se tivesse outro filho a conexão não seria tão forte quanto a nossa”, reflete.
Quando a Bia ganhou duas mães
Em busca dessa conexão forte, Natália e Cynthia decidiram ampliar os vínculos do relacionamento, quando a convivência se tornou mais próxima, com a maternidade de uma adolescente.
“Era o comecinho da pandemia e a Cynthia me disse que tinha esse desejo (de adotar) há um tempo, a gente conversou e trancadas em casa tivemos muito mais tempo para pensar. Vimos que era viável e fomos para a fila”, lembra a médica Natália Braga, de 35 anos.
Pouco tempo depois, a casa que ostenta livros na sala, a empolgação do trio de cães Charlotte, Pivas e Dart e o espaço para compartilhar amor, recebeu a filha carinhosamente chamada de Bia, com 13 anos.
“Ela estava bem ansiosa, porque ela não via a adoção como uma possibilidade, estava no acolhimento e pensava que ia voltar para a família biológica”, explica Natália.
Mas, na verdade, Bia ganhou duas mães. Fontes de amor e de suporte para um desenvolvimento pleno. Ainda assim, essa configuração familiar incomoda ao olhar de quem mantém a discriminação acima do afeto.
“A Cynthia percebeu algumas situações (de preconceito) quando foi resolver a documentação, de ouvir ‘meu Deus, que coisa absurda’”, comenta Natália. Como defesa, ela busca ignorar qualquer forma de desrespeito.
“Quem vier fazer essa pressão ou julgamento, me afasto independentemente de quem seja. A gente tem um núcleo familiar que está funcionando e o resto não ajuda em nada. A Cynthia fica um pouco sentida, mas depois se acalma”, pondera.
Um casal formado por duas mães ou por dois pais é para ser celebrado. Ou, como refutou Natália a essa afirmação durante a entrevista, “é para ser normal”, com mais casos de famílias geridas por pessoas LGBT+.
“Ser responsável por um ser humano é muito complicado, pelo que vai acontecer no futuro da Bia, a gente conversa muito sobre isso. Acredito que estamos no caminho certo, a gente se ajuda muito”, conclui.
Encontro de mãe, pai e filha
Eliane Carlos de Oliveira e o marido visitavam uma unidade de acolhimento há 10 anos durante uma campanha de doação quando encontraram a filha. Até então, a adoção não era uma escolha do casal. Eliane, por exemplo, já tinha uma filha biológica. Mas naquele dia a situação mudou.
“Eu estive aberta à adoção desde sempre e meu marido achava uma história sem pé e nem cabeça, mas quando ele bateu os olhos na Raíssa simplesmente se encantou com ela”, resgata da memória.
A menina tinha 3 anos na época, mas não andava ou falava devido a uma lesão no cérebro. No caso da adoção de uma criança com deficiência, o casal precisou buscar apoio jurídico em outro estado. Como uma gestação, depois disso, foram necessários 9 meses até a chegada da filha.
“Primeiro a gente teve que se adaptar como casal de ter uma criança em casa e a gente começou a entender a situação de saúde dela para buscar profissionais e uma escola acolhedora”, conta a mãe.
O esforço de Eliane desde então acontece para permitir o crescimento saudável da menina e os preconceitos ficam de lado.
“A forma como a gente encara a situação nunca houve abertura para isso, mas pessoas mais velhas e com menos esclarecimento fazem comentários indevidos. Nunca aconteceu nenhuma situação que causou uma crise para a gente”, frisa.
A gente procurou um esporte, ela participa de uma ONG e além de conviver com outras crianças e jovens adotados, para ela não se sentir diferente, a gente também levou para uma convivência com pessoas com deficiência