Do Castelão ao João XXIII: quem foram as figuras históricas que nomeiam 31 bairros em Fortaleza

Políticos, empresários e artistas são maioria nas denominações de territórios da Capital cearense.

Um a cada quatro nomes de bairros de Fortaleza se refere a pessoas reais. São 31 histórias de vida que se relacionam, em maior ou menor grau, com o desenvolvimento da própria Capital cearense.

As homenagens lembram principalmente políticos, médicos, advogados, empresários e artistas, conforme levantamento do Diário do Nordeste baseado na dissertação do Mestrado em Letras Vernáculas de Bruno Sales Dias, pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Além disso, a reportagem consultou artigos do Portal da História do Ceará; memoriais da Assembleia Legislativa do Ceará e da Câmara dos Deputados; e legislações da Prefeitura de Fortaleza.

Natural de Canindé, Bruno Sales desenvolveu sua pesquisa sobre as denominações dos bairros de Fortaleza quando morou na Capital. Para ele, as principais características do processo de nomenclatura na cidade são:

  • ausência de mulheres nas homenagens, que são exclusivamente masculinas;
  • pouca participação popular na decisão;
  • priorização de homens do grupo de políticos ou empresários, reforçando seu poder político e econômico.

Durante as investigações, ele percebeu que poucos desses personagens históricos são realmente conhecidos pela população. Assim, acredita ser necessário um trabalho de recuperação e preservação da história e da cultura da cidade.

“Seria importante colocar essa discussão nas escolas. Quando pesquisamos quem eles eram, a gente não quis fazer um resgate biográfico em si, mas ver o que mais facilmente ia ser encontrado na internet, que é ao que a maioria das pessoas tem acesso”, explica Bruno. 

Além de rechear o currículo escolar, ele acredita que cada bairro poderia reservar um espaço ou monumento que contasse tanto a vida do homenageado como o momento que a cidade atravessava quando eles viveram.

Nesse quebra-cabeça, três casos escapam até mesmo aos conhecimentos do memorialista Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez: os nomes dos bairros Meireles, Barroso e Siqueira, que poderiam remeter a pessoas específicas.

Porém, ele explica que “Meireles” é um termo muito antigo, aparecendo em mapas da Capital já nas primeiras décadas de 1700. Dos outros dois, menos se sabe, embora sejam sobrenomes e localidades reais em Portugal.

No levantamento, também foi descartado o Bairro Ellery, por ele se referir ao sobrenome de uma família, e não a alguém específico. Seus representantes mais conhecidos são Henrique Ellery (1891-1944), comerciante e presidente do Ceará Sporting Club em 1924; e seu filho, Humberto Ellery (1913-1993), militar e vice-governador do Estado entre 1967 e 1971.

Confira, abaixo, uma pequena biografia dos homenageados nos bairros de Fortaleza, por ordem alfabética:

Álvaro Weyne (1881-1963)

O fortalezense Álvaro Nunes Weyne foi eleito prefeito da Capital cearense em 1928 e ficou conhecido como “Prefeito das Flores”, dada sua política urbanística baseada em árvores e jardins. Foi afastado do mandato em 1930, mas voltou a gerir a cidade entre 1935 e 1936. Além de político, foi comerciante, espírita e maçom; presidiu o Rotary Club de Fortaleza; dirigiu a Santa Casa de Misericórdia e o Asilo de Mendicidade; e foi secretário da Fazenda do Ceará, de 1944 a 1945.

Amadeu Furtado (1888-1952)

Ipuense, tornou-se médico formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1913. No ano seguinte, retornou a Fortaleza para clinicar, ganhando destaque por atender a pessoas pobres. Além disso, foi professor, legista, constituinte e governador interino. Em paralelo, escreveu contos, artigos e trabalhos científicos. Seu nome substituiu o do bairro Coqueirinho.

Antônio Bezerra (1841-1921)

Poeta, cronista, jornalista, historiador e abolicionista, Antônio Bezerra de Menezes nasceu em Quixeramobim, mas mudou-se com a família para Fortaleza, onde iniciou os estudos no Liceu. Tentou cursar Ciências Jurídicas em São Paulo, mas desistiu e se dedicou à produção intelectual no Ceará. Escreveu importantes referências para a história do Estado.

Autran Nunes (1916-1969)

Francisco Autran Nunes, nascido em Fortaleza, formou-se em Direito e foi professor do Liceu do Ceará, secretário da Interventoria Federal e juiz e presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7), cargo ao qual foi reconduzido várias vezes até o fim da vida. É patrono do Fórum Trabalhista de Fortaleza.

Carlito Pamplona (1898-1947)

Pai de nove filhos, Carlito Narbal Pamplona foi empresário da indústria de óleo de oiticica, no início dos anos 1930, após formar sociedade com norteamericanos. Também incentivou o plantio e a compra de castanha em centros de produção no litoral, principalmente Caucaia, Aracati e Cascavel. Foi agraciado com a Medalha do Mérito Industrial (Post-Mortem), em 1975.

Castelão (1906-1979)

Plácido Aderaldo Castelo nasceu em Mombaça e formou-se em Direito, em 1930. Dedicado à política, foi prefeito de Fortaleza, suplente de deputado, procurador judicial, secretário estadual da Agricultura e deputado estadual. Em 1966, por indicação do presidente Castelo Branco, foi eleito governador do Ceará pela Assembleia Legislativa. Após o mandato, não ocupou mais cargo público, mas permaneceu como conselheiro de correligionários. Deixando 13 filhos, foi homenageado ao dar nome ao principal estádio cearense, inaugurado em 1973.

Couto Fernandes (1873-1955)

O engenheiro maranhense Henrique Eduardo Couto Fernandes foi inspetor de estradas de ferro e administrador da Rede de Viação Cearense (RVC) entre 1915 e 1922. Também foi o primeiro diretor da Escola de Agronomia do Ceará e do Centro de Ciências Agrárias, entre 1918 e 1920. Seu nome substituiu o do bairro Km 8.

Demócrito Rocha (1888-1943)

Demócrito Rocha nasceu em Caravelas, na Bahia, mas veio para o Ceará após passar em concurso para telegrafista. Em Fortaleza, concluiu o curso de Odontologia e se tornou professor da área. Fundou um jornal e uma revista literária. Na vida política, atuou como deputado federal de 1935 a 1937, quando o Estado Novo dissolveu as câmaras legislativas de todo o país. 

Dias Macêdo (1919-2018)

José Dias de Macêdo é natural de Camocim. Formado em Economia pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Ceará, em 1945, fundou o Grupo J.Macêdo. Foi deputado federal pelo Ceará entre 1959 e 1971. Seu nome substituiu o do bairro Mata-Galinha.

Dionísio Torres (1887-1966)

Descendente de portugueses, Dionísio de Oliveira Torres formou-se em farmácia aos 19 anos. Empresário e empreendedor, foi um dos fundadores do Centro Médico Cearense e proprietário do laboratório Malwil. Foi dele a ideia de explorar e fundar o bairro Estância (nome dado pelo próprio). Também beneficiou famílias carentes com doações de terras, incluindo a Vila Vicentina, na Avenida Antônio Sales.

Dom Lustosa (1886-1974)

Mineiro de São João Del Rei, Dom Antônio de Almeida Lustosa tornou-se padre em 1912. Além de ensinar filosofia e teologia, foi bispo de Uberaba, Corumbá e Belém do Pará. Foi transferido para Fortaleza em 1941, quando nomeado arcebispo. Ficou na Capital até 1963, mas passou os últimos anos de vida num seminário em Carpina (PE). Está sepultado na cripta da Catedral de Fortaleza e teve processo canônico instaurado em 1993.

Edson Queiroz (1925-1982)

Empresário cearense nascido em Cascavel, no decorrer da vida, dedicou-se a diferentes empreendimentos do comércio, da indústria, das comunicações e da educação. Faleceu precocemente em um acidente aéreo na serra de Pacatuba. Seu nome substituiu o do bairro Água Fria.

Farias Brito  (1862-1917) 

Raimundo de Farias Brito, natural de São Benedito, é considerado um dos principais filósofos brasileiros. Formou-se em Direito, em 1884. Foi promotor no Ceará e no Pará, e atuou como secretário no governo cearense em duas ocasiões. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1909 e passou em concurso para professor de lógica do Colégio Pedro II, cargo que exerceu pelo resto da vida, até falecer por tuberculose. 

Henrique Jorge (1872-1928)

Henrique Jorge Ferreira Lopes foi um violinista e maestro fortalezense, pai do governador Paulo Sarasate. Também foi fundador da Escola de Música Alberto Nepomuceno, em 1919, a pioneira da cidade. Seu nome substituiu o do bairro Casa Popular.

João XXIII (1881-1963)

O italiano Angelo Giuseppe Roncalli, posteriormente Papa João XXIII, teve  um pontificado curto (1958-1963), mas promoveu importantes reformas na Igreja Católica a partir do Concílio Vaticano II, como as missas deixarem de ser celebradas em latim. Na I Guerra Mundial, serviu como capelão; na II, ajudou no resgate de judeus da Hungria. Faleceu no Vaticano e foi canonizado em 2014.

Joaquim Távora (1881-1924)

Nascido em Jaguaribe, Joaquim do Nascimento Fernandes Távora era de família tradicional na política cearense. Militar e engenheiro civil, frequentou a Escola Militar de Porto Alegre. Nos anos 1920, esteve envolvido nas rebeliões tenentistas contra o presidente Artur Bernardes. Em 1923, desertou do Exército e se voltou a novos movimentos contra o governo federal. Num levante em São Paulo, foi ferido quando atendia a um cessar-fogo solicitado pelas tropas legalistas. Morreu dias depois.

José Bonifácio (1763-1838)

Paulista, José Bonifácio de Andrada e Silva foi cientista e político cujas ideias contribuíram para a Independência do Brasil. Depois da emancipação, Dom Pedro I o nomeou Ministro de Negócios Estrangeiros para debater o reconhecimento da independência com nações estrangeiras. Permaneceu como tutor de Pedro II até 1833, quando foi demitido pela Regência.

José de Alencar (1829-1877)

José Martiniano de Alencar, nascido no sítio Alagadiço Novo, em Messejana, foi dramaturgo, jornalista, advogado, político e um dos maiores representantes da corrente literária indianista brasileira. Entre seus romances, destacam-se “O Guarani”, “Iracema” e “Senhora”. Seu nome substituiu o do bairro Alagadiço Novo.

Luciano Cavalcante (1929-1968) 

Fortalezense formado em Engenharia e com dois títulos de mestrado na área por universidades norteamericanas, na década de 1950, Cavalcante escolheu desenvolver o então pouco habitado bairro do Cocó, para onde ajudou a levar energia elétrica, pavimentação de ruas e telefone. Faleceu com apenas 38 anos.

Manuel Dias Branco (1904-1995)

Manuel Dias Branco foi um empresário português que imigrou para o Ceará, onde fundou a Padaria Imperial, em 1936. Aquela seria a base para a fundação de uma das maiores empresas do ramo de biscoitos e massas alimentícias do país.

Moura Brasil (1846-1929)

José Cardoso de Moura Brasil foi um médico nascido em Pereiro, mas radicado em Salvador, em 1866. Depois de formado na Bahia, viajou para a Europa e especializou-se em oftalmologia. No retorno, fixou residência e clínica no Rio de Janeiro. Prestou serviços à população pobre, fundou a Policlínica Geral do Rio e foi membro da Academia Imperial de Medicina.

Olavo Oliveira (1893-1966)

Nascido em Granja, estudou em Sobral e em Fortaleza. Formou-se em Direito no Recife, em 1916. Por seu desempenho durante o curso, foi premiado com uma viagem à Europa. Após atuar como promotor de Justiça, entrou na vida política: foi deputado estadual, deputado federal e senador. Além disso, atuou como professor de Direito Penal na Faculdade de Direito do Ceará e como procurador-geral do Estado.

Padre Andrade (1922-1950)

Sobralense, Francisco Juvêncio de Andrade Filho foi ordenado padre em 1947 e cuidava de uma capela que atendia à comunidade Cachoeirinha, em Fortaleza. Faleceu com apenas 28 anos, afogado em um açude no município de Forquilha. Os moradores de Cachoeirinha pediram à Câmara Municipal a mudança do nome do bairro em sua homenagem.

Parque Presidente Vargas (1882-1954)

O gaúcho Getúlio Dornelles Vargas foi advogado e o 14º presidente do Brasil,  sendo o que permaneceu mais tempo no cargo: foram 19 anos, de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. A “Era Vargas” foi marcada tanto por um regime ditatorial como pela criação de diversos direitos trabalhistas, como salário mínimo, carteira de trabalho e férias remuneradas.

Planalto Ayrton Senna (1960-1994)

Ayrton Senna da Silva foi um piloto de Fórmula 1 campeão mundial da categoria três vezes, em 1988, 1990 e 1991.  Paulista, é considerado o maior ídolo brasileiro do automobilismo. Morreu tragicamente após colidir com uma mureta de proteção no GP de San Marino, em Ímola.

Prefeito José Walter (1927-)

O engenheiro civil José Walter Barbosa Cavalcante, natural de Capistrano, foi diretor da Estrada de Ferro Fortaleza-Baturité e prefeito de Fortaleza entre 1967 e 1971.  Em sua gestão, houve a destruição da Coluna da Hora e do Abrigo Central, ambos na Praça do Ferreira. Foi dele a ideia de construir o maior conjunto habitacional da América Latina, cujo terreno foi comprado ao sul da cidade. O Núcleo Habitacional Integrado de Mondubim foi rebatizado como Prefeito José Walter através de um projeto de lei da Câmara Municipal.

Presidente Kennedy (1917-1963)

John Fitzgerald Kennedy, ou JFK, foi o segundo mais jovem presidente eleito dos Estados Unidos. Governou de 1961 a 1963, durante as tensões da Guerra Fria e da corrida espacial. Foi assassinado durante um desfile em carro aberto em Dallas, no Texas.

Quintino Cunha (1875-1943)

José Quintino da Cunha nasceu em Itapajé. Foi advogado criminalista, escritor, poeta e deputado estadual, entre 1913 e 1914. Ficou mais conhecido por seu estilo irreverente e pelas piadas e anedotas que contava com seus amigos boêmios e intelectuais na Praça do Ferreira. Junto com Paula Nei e Leonardo Mota, forma o trio da vanguarda do humor cearense, segundo o Museu do Humor Cearense.

Rodolfo Teófilo (1863-1932)

O baiano Rodolfo Marcos Teófilo foi caixeiro, cientista, industrial, farmacêutico e divulgador científico. Encabeçou o enfrentamento à epidemia de varíola em Fortaleza, na segunda metade do século XIX, através da vacinação. Abolicionista, ajudou a libertar escravos em Pacatuba, onde morou e abriu uma farmácia. A segunda unidade seria aberta em Fortaleza. Seu nome substituiu o do bairro Porangabuçu.

Vicente Pinzón (1462-1514)

Parte de estudiosos credita ao navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón o aporte na Ponta do Mucuripe, em Fortaleza, no dia 26 de janeiro de 1500 - três meses antes do descobrimento oficial do Brasil. Ele teria nomeado o local de Cabo de Santa Maria de la Consolación. Pinzón também ajudou a descobrir a América em 1492, como capitão da caravela La Niña.

Vila Manoel Sátiro (1880-1945)

Nascido em Jaguaruana, foi criado sem a presença paterna. Mudou-se jovem para Fortaleza, onde entrou na vida política. Foi deputado estadual e federal, advogado e jornalista, e responsável por lotear a Vila União. Foi casado com Angelzinda dos Santos, irmã de Alcides Santos, fundador do Fortaleza Esporte Clube.