Febre, suor frio, lapsos de memória, crise de pânico, vontade de chorar. Os graves sintomas se manifestavam quase diariamente para Maria*, 26, num momento crucial do dia: o de ir ao trabalho. O adoecimento virou, em si, parte da rotina, e resultou no temido diagnóstico: a Síndrome de Burnout.
A chamada “doença do trabalho” ainda não consta nas bases oficiais para afastamentos de empregados das atividades, mas, neste Janeiro Branco, mês de campanha global de conscientização sobre a saúde mental, entra em foco como um dos transtornos que têm afetado os cearenses, junto a outros como depressão e ansiedade.
Em 2023, transtornos depressivos, ansiosos, bipolares e outros ligados à saúde mental afastaram uma média de 547 cearenses do trabalho todos os meses, como mostram dados de auxílios-doença do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) coletados pelo Diário do Nordeste.
Nos 6 meses entre junho e novembro do ano passado, período mais recente disponibilizado pelo INSS, mais de 3.284 cearenses receberam auxílio-doença previdenciário ou por “acidente de trabalho” por questões de saúde mental.
O dado inclui, além de transtornos depressivos, ansiosos e mistos, quadros de “reações ao stress grave”, “esgotamento” e “outras doenças físicas e mentais relacionadas ao trabalho”.
Estas duas últimas definições, aliás, somam 46 benefícios concedidos pelo INSS em 2023, e são reconhecidas na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) sob o código Z73: “problemas relacionados com a organização de seu modo de vida”.
Já a Síndrome de Burnout, com este nome, foi incluída apenas na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022, mas só deve entrar nos sistemas oficiais de notificação brasileiros em janeiro de 2025.
A incidência, porém, se mostra na prática. Maria*, cuja identidade será preservada, ouviu da psicóloga o que o corpo já gritava: o esgotamento físico e mental causado pelas 10 horas diárias de trabalho havia atingido nível de doença.
“A rotina era muito cansativa, sem parar um minuto, em pé. Uma sobrecarga muito grande. Tinha que bater muitas metas inalcançáveis, a gente era cobrado o tempo todo, e nunca tava bom. Aí veio o burnout”, relembra a jovem, que é profissional de saúde.
O excesso de trabalho gerou, além dos sintomas físicos, um processo depressivo. Ainda hoje, já num emprego “onde os gestores têm uma preocupação maior com os colaboradores”, Maria* segue com terapia semanal e uso de medicamentos.
Tô saindo mais com os amigos, melhorando a dieta, fazendo atividade física. Tentando focar em descobrir o que me dá prazer além de trabalhar, procurando outras vias de me distrair e fazer com que o trabalho seja uma parte da minha vida, e não a vida toda.
A carga de demandas aparece como ponto em comum nas falas de trabalhadores mentalmente desgastados. Assim como Maria*, a publicitária Alice* (identidade preservada) também aponta o cansaço extremo como a maior causa do adoecimento.
“Com o tempo, a gente vai entendendo o que é uma rotina adoecedora. Não só no trabalho atual, mas em outros, já tive experiências em ambientes assim. Mas o que me causa mais danos psicológicos é o trabalho que estou hoje: são grandes demandas pra uma só pessoa”, diz.
Em alguns momentos, acabei me afastando de alguns amigos e pessoas da família, nos períodos mais conturbados no trabalho. Com alguns perdi até o contato. Esse adoecimento pelo trabalho causa vários impactos, desde me sentir insuficiente até a vida social.
A jovem destaca que voltar ao acompanhamento psicológico, com sessões de terapia periódicas, tem sido fundamental para cuidar de si.
“O principal é ter acompanhamento profissional, cuidar da saúde mental. E fazer atividades que me deixem mais feliz, como sair com amigos e passar mais tempo com a minha família”, pontua.
“A prevenção tem dois lados”
A relação entre a dinâmica do trabalho e o adoecimento mental não é nova, “mas essa discussão vem ganhando força devido ao maior número de casos de afastamentos por essas demandas”, como avalia a psicóloga Eveline Nogueira, professora universitária e integrante do Núcleo de Psicologia do Trabalho da Universidade Federal de Fortaleza (UFC).
A especialista observa ainda que isso se alastra por diversas áreas, já que “não é exclusiva de uma ou outra atividade laboral, mas da organização do trabalho como um todo”. “Fatores como insegurança, desemprego, baixa remuneração, falta de perspectiva de vida a longo prazo, retirada de direitos ou garantias agravam quadros patológicos relacionados ao trabalho”, cita.
Uma pessoa adoecida não consegue desenvolver suas atividades, e muitas vezes o trabalho acaba agravando esse quadro, quando não é o próprio causador. O trabalho pode ser o fator determinante ou desencadeante do adoecimento.
Sob o mote do Janeiro Branco, Eveline analisa que, antes, a relação entre trabalho e transtornos de saúde mental “era colocada como fragilidade ou falta de força de vontade, e hoje é vista como algo importante de ser cuidado, assim como qualquer outro aspecto de saúde”.
Além de outros transtornos mentais, a Síndrome de Burnout se coloca no centro da discussão. A psicóloga alerta que o estresse, a falta de vontade de ir para o trabalho e o bloqueio de realizar as atividades, quando constantes, podem indicar o início desse quadro.
“Os sintomas surgem de forma leve e tendem a piorar, por isso muitas pessoas acham que é passageiro. É um distúrbio emocional. O diagnóstico adequado é feito por uma equipe de profissionais de saúde, como psiquiatras e psicólogos. Muitas pessoas acabam não buscando essa ajuda”, frisa.
A prevenção, contudo, “tem dois lados”, como a psicóloga faz questão de destacar.
“Não apenas o trabalhador deve lançar mão de estratégias como fugir da rotina, conversar com alguém de confiança, fazer atividades físicas e psicoterapia, mas também a empresa ter medidas para que ele tenha descanso adequado, demanda de trabalho justa e condições de trabalhar mantendo o equilíbrio entre trabalho, lazer, família, vida social e outras atividades”, finaliza.
Sinais e sintomas da Síndrome de Burnout
O estresse e a falta de vontade de sair da cama ou de casa, quando constantes, podem indicar o início da doença, segundo aponta o Ministério da Saúde.
Os principais sinais e sintomas que podem indicar a Síndrome de Burnout são:
- Cansaço excessivo, físico e mental;
- Dor de cabeça frequente;
- Alterações no apetite;
- Insônia;
- Dificuldades de concentração;
- Sentimentos de fracasso e insegurança;
- Negatividade constante;
- Sentimentos de derrota e desesperança;
- Sentimentos de incompetência;
- Alterações repentinas de humor;
- Isolamento;
- Fadiga;
- Pressão alta;
- Dores musculares;
- Problemas gastrointestinais;
- Alteração nos batimentos cardíacos;
Como prevenir a Síndrome de Burnout
Mudanças de comportamentos ou hábitos diários são citadas pelo Ministério da Saúde como algumas das principais formas de prevenir a Síndrome de Burnout:
- Defina pequenos objetivos na vida profissional e pessoal;
- Participe de atividades de lazer com amigos e familiares;
- Faça atividades que "fujam" à rotina diária, como passear, comer em restaurante ou ir ao cinema;
- Converse com alguém de confiança sobre o que se está sentindo;
- Faça atividades físicas regulares, como academia, caminhada, corrida, bicicleta, remo, natação etc.;
- Evite consumo de bebidas alcoólicas, tabaco ou outras drogas;
- Não tome remédios sem prescrição médica.