Colégios, hotéis, casas, vilas, prédios, igrejas e até o mais antigo cemitério de Fortaleza. Ao todo, a capital cearense tem 44 bens tombados provisoriamente pela Prefeitura. Essa quantidade corresponde a aproximadamente 59% dos 74 imóveis e bens naturais tombados no nível municipal na Cidade. Os outros 30 — ou cerca de 41% — correspondem aos que estão tombados definitivamente. Os dados são do Portal de Dados Abertos da Prefeitura de Fortaleza e foram disponibilizados ao fim da matéria. Em agosto de 2021, o Edifício São Pedro saiu da lista de bens tombados provisoriamente após o tombamento definitivo ser indeferido pela Prefeitura. Em ambos os casos, seja no tombamento provisório ou no definitivo, os bens estão protegidos. Afinal, como explica o doutor em Arquitetura e Urbanismo Mario Fundaro, professor adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (DAUD/UFC), o tombamento provisório pode ser considerado uma fase de um mesmo processo administrativo que se conclui com o tombamento definitivo. [render name="Gráfico 1" contentId="7.4844152"] O professor esclarece que nessa fase de tombamento provisório as limitações sobre o uso do bem protegido são as mesmas: eles não podem ser destruídos, demolidos ou mutilados, segundo o Decreto-Lei nº 25/37. Mas, nessa fase, é assegurado o direito à ampla defesa do proprietário e ao contraditório nos casos em que o processo de tombamento é compulsório, por exemplo. [citacao tipo="aspas" autor="MARIO FUNDARO" descricao="Doutor em Arquitetura e Urbanismo, professor adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (DAUD/UFC)" ]Todos os bens hoje tombados definitivamente e, portanto, registrados no Livro de registros — até os mais importantes — foram antes tombados provisoriamente. A diferença que temos talvez, entre monumentos famosos e os menos famosos, é na duração entre o início e o fim do processo, isso é por quanto tempo um bem permanece com tombamento provisório, e por isso sujeito ao contraditório.[/citacao] Por outro lado, o docente aponta que esses "bens", no sentido mais amplo, possuem valor: "valor econômico, social, cultural, simbólico, estético, histórico, mas também político e ideológico. Atrás de um registro de um bem tombado tem muito mais do que simples o fato de proteger um edifício, mas é expressão concreta de que tipo de sociedade somos", defende. Entre todos os imóveis e demais bens, o professor aponta que se seleciona aqueles em que se percebe valores culturais ou simbólicos e significados artísticos, históricos e documentais. Escolhe-se preservar aquilo que há interesse em transmitir para as próximas gerações. [citacao tipo="aspas" autor="Mario Fundaro" descricao="Doutor em Arquitetura e Urbanismo, professor adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (DAUD/UFC)" ]"O que se transmite, do passado ao futuro, nesta obra de seleção é, portanto, a própria contemporaneidade. No veio da mesma lógica, isso significa, que uma determinada política pública ligada ao patrimônio cultural (ou a falta e ou a deficiência dela), representa inexoravelmente o nível de civilidade e de cultura que uma determinada comunidade possui"[/citacao] Possíveis motivos para a demora do tombamento Mas uma coisa é fato na política pública e, especificamente, neste caso, na preservação do patrimônio: "temos de partir do fato de que a maioria das instituições públicas prepostas à proteção do patrimônio cultural, sejam elas municipais, estaduais ou federais, são sempre dramaticamente subdimensionadas em termo de recursos econômicos, físicos e humanos no que respeita a difícil tarefa que as compete", pondera o professor. Mas esse não é o único ponto que pode levar à demora do processo, segundo o professor. "O processo de tombamento é aberto a amplo contraditório, não só do proprietário, mas em alguns casos são verdadeiros fatos públicos", complementa. Com base nesses argumentos, Mario Fundaro afirma, então, que é necessário o questionamento sobre "que tipo de sociedade somos ou queremos" quando a maioria dos processos de tombamento já têm mais de 10 anos de duração ou quando um edifício tombado provisoriamente dá lugar a um estacionamento "e o máximo que acontece é uma multa". "Temos de admitir que, talvez, não seja só falta de recursos, mas também de prioridades políticas." [render name="Gráfico 2" contentId="7.4844151"] Segundo informações do site da Prefeitura de Fortaleza, pelo menos 37 dos bens tombados provisoriamente esperam o tombamento definitivo há mais de uma década. A página da Secretaria Municipal da Cultura (Secultfor) lista 46 bens e o processo de tombamento de 57% deles teve início há 11 anos. Em 4 casos, o tombamento começou há 17 anos. Imóveis que esperam tombamento definitivo [render name="Caixas Dagua Benfica Atual" contentId="7.4844287"] Símbolo do acesso e da relação com o consumo de água na Capital, as Caixas d'Água do Benfica esperam o tombamento definitivo há 12 anos, desde que foram tombadas provisoriamente em 2011. Antes restrita às cacimbas, a fonte da água na Cidade passaram a ser chafarizes construídos em pontos diferentes e, posteriormente, as caixas d'água, que foram inauguradas oficialmente em 1926. [citacao tipo="aspas" autor="Instrução de tombamento - Conjunto Arquitetônico das Caixas d'Água do Benfica" descricao="Prefeitura de Fortaleza - SecultFor" ]O Conjunto Arquitetônico das Caixas d’Água do Benfica, que vivenciou uma morosidade na finalização de sua construção em detrimento das circunstâncias políticas do período, constitui um marco na relação dos fortalezenses com o abastecimento de água na cidade. Após sua inauguração, houve a alteração na forma de acessar, nas sociabilidades quanto a ida ao poços, nos preços, nos serviços e na própria qualidade da água a ser fornecida.[/citacao] Outro símbolo da cultura fortalezense espera o final do processo de tombamento há ainda mais tempo. Por meio do decreto 11961, de janeiro de 2006, a Escola de Música Luís Assunção recebeu o tombamento provisório. [render name="Escola de Música Luís Assunção" contentId="7.4844242"] O prédio foi construído em 1875 como uma residência, e em 1950 abrigou a Orquestra Sinfônica Henrique Jorge — ou Orquestra Sinfônica de Fortaleza — e a Sociedade Musical Henrique Jorge, uma escola de música e ponto de encontro de artistas. Segundo o documento de instrução de tombamento, o imóvel recebeu o nome atual em 1992, em homenagem ao professor de música Luís Gonzaga Assunção, admitido no início dos anos 1980 e que faleceu em 1987, aos 85 anos. O apoio do ex-governador do Ceará, Paulo Sarasate, foi importante para a ativação da atual Escola, a compra do imóvel e a aquisição dos instrumentos para a Orquestra. Filho do músico Henrique Jorge, ele foi diretor da Sociedade Musical Henrique Jorge nos anos 1950 a 1970. [render name="Leia mais" contentId="1.3393972"] Já o Liceu do Ceará foi criado no dia 15 de junho de 1844 e, ao longo do tempo, diversas personalidades importantes para a história do Estado passaram pela instituição. [render name="Liceu" contentId="7.4844240"] De mudanças de sede a construção de novo prédio, houve mudanças ao longo do tempo. Em quase 170 anos de existência, a história do Liceu do Ceará caminhasse em paralelo a diversos momentos históricos do Brasil e do Mundo: a queda do Império e o nascer da República no Brasil, as duas Guerras Mundiais, os governos de Getúlio Vargas e a “república nova”, entre outros episódios. [citacao tipo="aspas" autor="Instrução de tombamento - Colégio Liceu do Ceará" ]Marco simbólico do desenvolvimento de um bairro histórico e extremamente relevante onde outrora se estabelecia a antiga elite fortalezense, sua interação na dinâmica urbana do bairro, bem como da praça Gustavo Barroso, são demonstrativos da relevância do prédio do Colégio Liceu do Ceará para a cidade de Fortaleza.[/citacao] [render name="Gráfico 3" contentId="7.4844147"] A reportagem entrou em contato com a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor), mas não recebeu retorno até o fechamento desta matéria. Por e-mail, o Diário do Nordeste solicitou esclarecimentos sobre os seguintes aspectos: Motivo(s) para a maioria dos processos de tombamento realizados pela Prefeitura de Fortaleza ainda estarem na etapa de tombamento provisório; O que dificulta para que esses processos avancem para o tombamento definitivo; Quantidade de imóveis centenários ou quase centenários estão aguardando tombamento definitivo e qual o posicionamento da Secultfor em relação à situação deles; Se há alguma priorização entre os bens para a passar de tombamento provisório para definitivo e, em caso afirmativo, qual ou quais são os critérios. Transparência Os dados utilizados para essa matéria foram coletados no Portal de Dados Abertos da Prefeitura de Fortaleza e no site da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor). Eles podem ser visualizados neste link.