Alguns têm médicos à disposição e condições financeiras para manter uma boa qualidade de vida. Outros, convivem com a falta do básico onde moram, baixa renda e longas distâncias até hospitais, por exemplo, que ampliam a desigualdade social em saúde. Realidade vivida, no nível mais alto, em 73,9% das cidades do Ceará.
O retrato de 136 municípios cearenses na classificação mais grave de desigualdade de saúde, com base em dados de janeiro de 2022, foi elaborado no Índice de Desigualdades Sociais para Covid-19 (IDS-Covid-19). A análise faz parte de pesquisa do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia.
São 43 cidades na classificação de desigualdade social em saúde alta, 4 no nível médio e apenas 1 (Fortaleza) com índice baixo. A ideia do grupo foi avaliar como a pandemia impactou o acesso da população aos serviços de saúde e dispor de uma base de dados para nortear políticas públicas.
Dados avaliados para a elaboração do Índice de Desigualdades Sociais:
- Socioeconômicos: Índice Brasileiro de Privação (IBP) - com indicadores de renda, educação e condições de domicílio.
- Acesso à saúde: Cadastro Nacional dos Equipamentos de Saúde (CNES) - números de leitos de Unidades de Terapia Intensiva e respiradores.
- Sociodemográfico: Percentual de população residente em domicílios com densidade domiciliar maior que 2, percentual de idosos em situação de pobreza, além do percentual de pretos, pardos e indígenas.
Cidades pequenas, como Antonina do Norte, e mesmo municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), como Caucaia, Maranguape e Eusébio, aparecem na lista mais alarmante.
Em desigualdade social em saúde alta estão, por exemplo, Quixeramobim, Iguatu e Tianguá. Depois, Crato, Juazeiro do Norte, Limoeiro do Norte e Sobral são catalogadas no nível médio de desigualdade.
Para estabelecer comparativos, a análise foi feita em 4 momentos diferentes: fevereiro e julho de 2020, março de 2021 e janeiro de 2022.
No registro anterior à pandemia, 156 municípios estavam no nível mais alto de desigualdade social em saúde. No segundo momento, eram 141. A 3ª e a 4ª rodadas apresentaram o mesmo número de cidades no nível “muito alto” (136).
“Houve uma pequena mobilidade dos municípios da situação de muito alta desigualdade social para alta e de alta para média”, analisa Maria Yury Ichihara, vice-coordenadora do Cidacs/Fiocruz Bahia.
Ao compararmos a evolução da situação de desigualdade social em saúde entre os municípios do Ceará, observamos que a desigualdade social em saúde permanece como um grave problema no Estado
Os resultados, então, são como folhas de Raio-X. Cada uma mostra a situação dos municípios e deixa mais evidente o que precisa ser feito para diminuir essas disparidades.
“É possível avaliar os diferentes indicadores dos domínios que compõem o IDS-Covid-19 permitindo focalizar a adoção das intervenções e de políticas públicas. Devemos tratar os desiguais com outro olhar”, reflete Maria Yury.
Os municípios com evolução nos indicadores de saúde, durante a pandemia, são resultado da regionalização da saúde, como entende a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) em resposta à reportagem.
“Temos a consciência de que ainda há muito a evoluir nesses indicadores, que avaliam a realidade da saúde pública no País, que é construída de forma tripartite, entre municípios, estados e União. Mas entendemos que estamos evoluindo, melhorando os indicadores de 25 municípios em um curto espaço de tempo. Essa melhoria é reflexo de todo um trabalho que proporciona mais acesso do cidadão à saúde e maior qualidade dos serviços oferecidos em todas as regiões", avaliou o secretário da Saúde do Ceará, Marcos Gadelha, à Comunicação da Pasta.
"No pico da segunda onda, entre março e maio de 2021, o Governo promoveu abertura recorde de leitos na Rede Estadual, com 5.205 leitos exclusivos para Covid-19, sendo 3.858 de leitos de Enfermaria e mais 1.347 de UTIs. Ampliação de 50% no total de leitos em relação à primeira onda", informou a Sesa
Pandemia agravou outras doenças
O coronavírus também prejudica, de forma indireta, doenças crônicas não-transmissíveis devido à falta de disponibilidade de atendimento por causa da mobilização de pacientes com Covid, como contextualiza Magda Almeida, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC).
"Se tem um aumento da pressão assistencial, os serviços acabam sendo interrompidos para dar vazão ao atendimento da Covid e aí se deixam outras doenças mais relegadas e isso faz com que as pessoas acabem piorando", completa.
Entre essas doenças, hipertensão, diabetes e problemas relacionados à colesterol, por exemplo, foram comorbidades agravadas para quem não teve acesso à assistência de saúde. Além disso, pessoas com menor poder aquisitivo, também estiveram mais expostas aos vírus
Os serviços se organizaram para a realização de atividades à distância e isso privilegia, principalmente, as pessoas que têm um nível econômico melhor. Porém, a população com ocupações mais manuais e mecânicas continuou sendo exposta a vírus, além de ter a redução de empregos
Por isso, há um maior agravamento dessas condições que levam à morte. "Se a gente avaliar esse mesmo período com anos anteriores, a gente pode ver que existe um excesso de mortalidade. Mesmo que não seja por Covid, pessoas morreram ou porque não deixaram de ser atendidas nas consultas ambulatoriais ou porque a covid piora (o quadro de saúde)", finaliza.
Como reduzir as carências?
Maria Yury Ichihara ressalta o princípio da regionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) e a relevância de estabelecer prioridades para o atendimento da população. Percepção compartilhada por Magda Almeida.
"Uma maneira de reduzir isso (desigualdade social em saúde) é por meio de uma coisa que a gente já faz aqui no Ceará, mas que precisa ser mais sedimentada: a regionalização da saúde", frisa.
A logística atual funciona assim: o Estado é dividido em 5 regiões de saúde com hospitais de referência, policlínicas e centros odontológicos para evitar que os pacientes precisem vir para Fortaleza. São estruturas para assistência de média e alta complexidade. Mas os serviços básicos também precisam ser fortalecidos.
"Uma das grandes falhas dessa pandemia foi que a atenção primária, os postos de saúde, não se mobilizaram para manter o cuidado da população. O acesso mais rápido é por essa atenção, que precisa ter investimento nesse serviço", avalia.
Como a saúde não caminha sozinha, o ideal é que as políticas públicas perpassem as necessidades sociais e econômicas, como avalia a professora. Uma possibilidade, então, é a criação de um comitê para a redução de riscos em caso de novas pandemias.
Estamos vendo doenças de pobreza mesmo: crianças internadas por desnutrição. Quando ela é mal nutrida, corre o risco de pegar mais infecções respiratórias. Temos visto muito, crianças com doenças que poderiam ser preveníveis por vacinação
Maria Yury também frisa essa conjunção de áreas diferentes para reduzir as disparidades. "Estratégias de transferência de renda, ações de estímulo à geração de emprego, melhoria nas condições de habitação e pavimentação de estradas são exemplos de políticas sociais que podem gerar mudanças nas possibilidades da população de acesso à saúde", completa.
Regionalização da saúde
A Secretaria da Saúde informou por meio de nota que o processo de regionalização da saúde ganha novos investimentos. Em janeiro desse ano, por exemplo, foi iniciada a nova Política Estadual de Incentivo Hospitalar do Ceará.
"Com o objetivo de facilitar o acesso da população aos serviços hospitalares por meio do aumento no repasse de verba estadual na área da Saúde", explicou.
"A ampliação de recursos está contribuindo para o equilíbrio financeiro de unidades de saúde complementares à rede estadual. A medida beneficia diretamente hospitais polo e estratégicos em 53 municípios. Os recursos são oriundos do Tesouro do Estado e alinhados com o Planejamento Estadual e a Lei Orçamentária, num total de R$ 41,78 milhões mensais. Isso significa mais de R$ 500 milhões por ano, representando aumento de 71,9% do valor total, informou a Sesa"
Outro aspecto elecado pela Pasta é o processo de transparência nos critérios de distribuição de incentivos aos equipamentos de saúde vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS).
"A oferta da assistência médico-hospitalar fica mais descentralizada e regionalizada, contribuindo para ampliação do acesso da população aos serviços, com aumento no valor do repasse por clínica, inclusão de novas clínicas e ampliação do número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI)", completou.