O primeiro cemitério de Fortaleza foi o São Casimiro, datado de 1848. Pouco tempo depois, foi construída outra unidade que, devido a condições adversas, registrou apenas um sepultamento. Em seguida, o caixão foi vedado e, o equipamento, inutilizado.
As informações são do livro “Vida e Morte na Fortaleza Antiga”, de Clélia Lustosa, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará.
O “cemitério de um enterro” foi edificado anexo à Capela do Seminário da Prainha, na Praia de Iracema. Porém, a localização não foi favorável: as correntes de ar poderiam levar os gases tóxicos provenientes da decomposição dos cadáveres para o Centro da cidade.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, Clélia diz não ter informações sobre quem foi enterrado no local, nem quanto tempo, efetivamente, o corpo ficou por lá. O certo é que a proibição se alinhou ao discurso médico da época, que iniciava os estudos de saúde pública e doenças relacionadas ao meio.
Até pouco tempo antes, a tradição era que os falecidos fossem sepultados no piso da Igreja do Rosário, a mais antiga da Capital, cobertos com pequenas camadas de terra ou madeira. Os relatos contam que as celebrações se tornavam desafiadoras pelo odor fétido dos corpos em putrefação.
Naquele período, a religião era fundamental, então se as pessoas tinham que ficar mais próximas de Deus, deveriam ser enterradas na própria igreja. Mas a constatação de que o meio é doente exigia planejamento urbano.
O estopim para a construção do cemitério de São Casimiro teria sido motivado pelo desmaio da esposa do presidente da província, Casimiro José de Moraes Sarmento, durante uma cerimônia religiosa na Igreja do Rosário, por causa das exalações. É o que conta o jornalista João Brígido no livro “Ceará, homens e fatos”.
Por ordem de Casimiro, a partir de 1º de maio de 1848, todos os cadáveres deveriam ser sepultados no novo cemitério. O campo ficava no morro do Croatá, próximo a onde hoje fica a Praça da Estação, no Centro.
Construção de um novo cemitério
A operação do São Casimiro durou pouco mais de uma década, período em que ele precisou ser ampliado. Contudo, a instalação de um novo cemitério precisou ser pensada devido a três fatores:
- a mortalidade acima da projetada inicialmente, exigindo sua ampliação;
- o grande número de sepultamentos de vítimas da epidemia de cólera;
- a invasão do São Casimiro por areias do morro do Gravatá.
O Cemitério passou a ser mencionado, inclusive, como causa de uma série de doenças que assolavam a população fortalezense da época. “Os médicos consideravam que o homem, morto ou vivo, ainda transmite doenças. Assim, o São Casimiro durou até ficar muito dentro da cidade”, descreve Clélia.
Por isso, foram iniciadas as tratativas e construção do Cemitério São João Batista, hoje o mais antigo em funcionamento na Capital, datado de 1862. Os restos mortais de quem estava sepultado no São Casimiro foram transferidos para lá em 1880.
Mudanças em relação à morte
A professora percebe que, com o passar das décadas, a sociedade vivenciou uma mudança da relação com a morte. Prova disso é que, em contraste com os antigos cemitérios de mausoléus e estátuas, os mais recentes são horizontalizados e sem tanta pompa.
“Nos cemitérios modernos, não existe mais essa diferenciação após a morte. Nos antigos, havia preocupação em mostrar prestígio, cada túmulo tinha seu significado. Hoje, até as convicções religiosas mudaram: alguns não acreditam na vida após a morte”, reflete.
Para ela, esse se torna mais um obstáculo para o futuro dos cemitérios, ao lado da popularização das cremações e da dificuldade de criação de novos campos, que devem seguir legislações e normas específicas contra poluição. “Será que os cemitérios vão desaparecer com o tempo?”, questiona.