Como 5 municípios em pior situação de vacinação de bebês conseguiram atingir a meta no Ceará

Gestores estabeleceram estratégias para mobilizar e facilitar o acesso da população às vacinas

Já ao nascer, começa uma maratona com datas marcadas para garantir a proteção de toda a vida: a caderneta de vacinação. Porém, em 58 municípios cearenses os bebês estavam atrasados nessa corrida, com coberturas vacinais abaixo de 80% em 2022, e por isso as localidades foram monitoradas ao longo de 2023.

Essa iniciativa foi denominada "Imuniza+: Um projeto para melhoria da cobertura vacinal infantil no Ceará", realizada pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), e levou 5 cidades do grupo em situação mais preocupante a atingirem a meta de 95% de vacinação, como estabelece o Ministério da Saúde, com certificação feita na última semana.

As atividades aconteceram por meio do Centro de Apoio Operacional da Saúde (CaoSaúde) e do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), com apoio da Escola Superior do Ministério Público (ESMP), em parceria com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). 

Municípios que atingiram a meta:

  • Acopiara 
  • Ibaretama 
  • Icapuí
  • Iracema
  • São Luís Do Curu

Ana Karine Serra Leopércio, promotora de Justiça e coordenadora do CaoSaúde, explica que os 58 municípios foram acompanhados de forma individualizada para a definição de estratégias adequadas conforme a realidade do local.

"Houve um incremento das taxas vacinais em todos os municípios, mas apenas 5 conseguiram saltar de 80% para 95%, que é a meta preconizada. São lugares onde houve uma mobilização maior, uma organização e uma busca ativa das crianças”, detalha.

Por isso, os promotores faziam reuniões a cada 2 meses com a Secretaria da Saúde do Município para definir e acompanhar o plano de ação. No intervalo de 4 meses também eram feitos encontros com a coordenação da Área Descentralizada da Saúde (ADS) com cerca de 12 municípios em cada.

Vacinas monitoradas no Imuniza+

  • BCG
  • Febre Amarela
  • Hepatite A
  • Meningocócica/Reforço
  • Pentavalente
  • Pneumocócica
  • Poliomielite
  • Rotavírus
  • Tríplice Viral/Reforço
  • Varicela

A cada problema que surgia a gente buscava uma solução e não só apontando ou cobrando responsabilidade, mas construindo caminhos para que as coberturas vacinais aumentassem
Ana Karine Serra Leopércio
Promotora de Justiça e coordenadora do CaoSaúde

Além disso, foram criadas algumas ações de incentivo à vacinação voltadas para mulheres grávidas. "Fizemos uma campanha para que tivessem conhecimento de qual vacina precisavam tomar e qual doença seria evitada", completa Ana Karine.

Antônio Lima Neto, secretário executivo de Vigilância em Saúde na Sesa, acrescenta que estamos “em um cenário de retomada das coberturas vacinais”. Para o secretário, a queda anterior está ligada à desinformação relacionada aos imunizantes.

“Conseguimos, com o esforço de muitos profissionais da saúde, recuperar em parte – porque ainda não alcançamos as metas de todas as vacinas – um percurso promissor. Foi estimulada uma desconfiança da sociedade como o que aconteceu com a Covid e depois das vacinas como um todo”.

Essa parceria do Ministério Público, por meio do CaoSaúde, e todos os entes envolvidos, foi muito bem sucedida e isso nos impulsa a tentar construir iniciativas intersetoriais, quando estamos diante de um problema que tem uma complexidade como é a imunização
Antônio Lima Neto
Secretário executivo de Vigilância em Saúde na Sesa

O Diário do Nordeste consultou os 5 municípios certificados pelo MPCE para entender qual a realidade do local, quais estratégias foram usadas para ampliar a cobertura vacinal e como se planejam para manter os bons índices.

Acopiara 

Acopiara, no Centro-Sul do Estado, possui 44,9 mil habitantes e estava com 4 imunizantes abaixo de 80% de cobertura em 2022, mas atingiu as metas de imunização no ano seguinte por meio do Imuniza+.

A enfermeira e coordenadora de Imunização, Raíssa de Queiroz, explica que foi criada uma metodologia para identificar nominalmente todas as crianças menores de 2 anos em cada área da estratégia de saúde da família.

“A partir desse monitoramento frequente, identificamos que muitas equipes não localizavam todas as crianças por existirem áreas descobertas por agentes comunitários de saúde. Ao analisar o calendário vacinal de cada criança informada, também surgiram problemas como cadastros duplicados e registros errados”, detalha.

Por isso, foi feita uma qualificação das equipes para o cadastro dos pacientes e registro das aplicações de vacinas. Foram identificadas as localidades com as menores coberturas para intensificação das ações como “Dia D” quinzenalmente.

Também foi criado o “Carro da Vacina” com equipe volante, priorizando as áreas com populações maiores e descobertas. Além disso, também é feito um monitoramento dos nascidos vivos e acompanhamento mensal por meio de planilhas.

“Continuamos intensificando as estratégias, o trabalho de monitoramento e busca ativa a fim de manter os indicadores dentro dos parâmetros preconizados pelas esferas federais e estaduais e uma população segura diante das ameaças das doenças imunopreveníveis”, conclui.

Ibaretama

Ibaretama fica no Sertão Central, com 11,9 mil moradores, e teve como um dos principais desafios para melhorar as taxas o aperfeiçoamento da equipe de agentes de saúde, técnicos vacinadores e enfermeiros com relação ao registro dos dados no sistema.

“Monitorar cadastro ativos de áreas descobertas por ACS, ofertar à criança as vacinas com qualidade em tempo hábil do calendário básico de vacinação e desmistificar para as mães sobre possíveis efeitos adversos pós vacinação”, acrescenta o secretário da saúde João de Castro.

O Município tinha 4 das 10 vacinas monitoradas com cobertura abaixo de 80%. Para ter uma dimensão da melhora, a taxa de proteção contra a Hepatite A passou de 73% para 128%, superando a estimativa.

Para isso, foram feitas campanhas e abertura dos pontos de vacinação aos sábados, imunização em escolas, creches, igrejas e associações, além do controle semanal dos faltosos a imunização por meio de busca ativa.

“O município aderiu a um fluxo desde a chegada do imunobiológico na sala de vacina até a confirmação da informação através de relatórios, retirado do nosso sistema local, possibilitando um ajuste de informação errada”, complementa João.

Continuamos com reuniões de alinhamento mensal com nossos profissionais a fim de discutirmos o aperfeiçoamento no contexto da nossa informação sobre a vacinação ativa e segura
João de Castro
Secretário da Saúde

Icapuí

A cidade de Icapuí fica no Litoral Leste, possui 21,4 mil moradores e estava com 7 imunizantes com índices menores do 80% em 2022. O cenário é ligado à resistência da população por causa de notícias falsas, como observa a coordenadora de Imunização Maria de Lourdes Barbosa.

“Outro fator era a falta de conscientização sobre a importância da vacinação, especialmente entre pais e responsáveis, um desafio significativo que contribuía para a resistência à vacinação”, pontua Maria de Lourdes.

As estratégias adotadas para aumentar a cobertura envolveram campanhas educativas com materiais impressos, conteúdos nas redes sociais e palestras sobre o assunto. Também foram adotadas vacinação em creches e eventos comunitários, além da ampliação dos horários nos postos de saúde.

Foi criada uma planilha de "Monitoramento Vacinal em Tempo Real" para registrar e analisar os dados de vacinação fornecidos pelas unidades de saúde e para verificar quais áreas estão com as menores coberturas.

Para manter os índices altos, o Município atua para o fortalecimento entre a Atenção Primária e a Vigilância em Saúde, envolvendo líderes comunitários e educadores para a mobilização popular.

“Garantir que as vacinas de rotina estejam disponíveis e acessíveis em locais convenientes pode incentivar a vacinação. Isso pode incluir a oferta de vacinação em escolas, creches e outras instalações comunitárias, além de horários flexíveis de atendimento nas unidades de saúde”, conclui.

Iracema

Em Iracema, no Vale do Jaguaribe, moram 14 mil pessoas e a cobertura vacinal não chegava a 80% para 4 dos 10 imunizantes avaliados. Conforme a Secretaria da Saúde, a barreira estava no processo de cadastro dos dados.

“O principal fator foram erros de registros em alguns imunobiológicos, contribuindo para a não migração das doses aplicadas para o sistema oficial do Ministério da Saúde. A partir dessa constatação, viu-se a necessidade de treinamentos periódicos, assim como monitoramento dos registros de forma mais frequente”, informou a Pasta.

Para melhorar o indicador e buscar atingir as metas vacinais, foram estabelecidas as seguintes estratégias:

  • Monitoramento mensal das coberturas vacinais;
  • Capacitação presencial com os técnicos das salas de vacina;
  • Supervisão nas salas de vacina;
  • Busca ativa de crianças faltosas;
  • Vacinação extramuros;
  • Atualização da caderneta dos alunos em idade escolar;
  • Mobilização social em programas de rádio e divulgação nas mídias sociais;
  • Treinamento das Equipes para a Campanha Nacional de Multivacinação.

São Luís do Curu

O município de São Luís do Curu, na Grande Fortaleza, possui uma população de 10 mil pessoas e estava com 7 das 10 vacinas monitoradas abaixo de 80% de cobertura.

"Fizemos um trabalho bem específico, que talvez não tenha sido feito antes. Tivemos uma reunião com os profissionais de saúde que estão dia a dia com a população para comentar sobre as ações e os cuidados que temos de ter", explica o secretário da saúde Márcio Machado.

Os profissionais começaram a rever os processos de análise do estoque de imunizantes, análise da estrutura para atender a população e de informação das unidades de saúde, além do monitoramento da caderneta de vacinação.

"Isso é mapeado para que a gente consiga levar o paciente ao posto ou ir até ao encontro da família. Podemos deslocar equipe de vacinação", exemplifica. "A gente pretende fazer em junho o "Arraial da Vacina" e outros movimentos isolados. Comunicamos para a comunidade e vem gente até de outros locais para serem vacinados", completa sobre as ações.

Futuro do Imuniza+

A iniciativa do MPCE deve atender outras faixas etárias numa próxima edição. "O projeto vai mudar de metodologia, até para abranger outras vacinas e outro público. Vamos continuar na articulação com os municípios e fazendo o monitoramento", completa.

Uma das demandas do Ceará, na análise do CaoSaúde, é aumentar a cobertura vacinal contra o HPV, que pode prevenir diversos tipos de câncer.

"O Brasil tem uma política exemplar para o mundo todo porque abrange desde o nascimento até a fase do idoso. É preciso ter esse olhar ampliado e não ficar restrito apenas às crianças de 2 anos", conclui.