O período chuvoso do Ceará, marcado entre fevereiro e maio, encerrou neste ano com 764,8 milímetros de acumulado, sendo 25,6% superior à média de 609,2 mm, conforme os dados analisados pela reportagem a partir das informações no site da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). O resultado é o melhor desde 2009, quando o Estado teve 966,7 mm de chuva no período, e foi diferente do prognóstico inicial que indicava chance de seca em 2024.
Ao analisar mês a mês da quadra chuvosa, maio que tem normalmente 90,7 mm de precipitações, encerrou com apenas 74,6 mm e dentro da categoria "em torno da média". Já abril ficou perto da marca "acima da média", com 226,1 mm, quando a normal é 190,7 mm. O cenário foi parecido em março, quando o Ceará foi banhado por 233,3 mm de água, sendo a normal 206,5 mm.
Mas o destaque da quadra chuvosa foi já em fevereiro, quando o observado foi 230,7 mm, sendo o comum de 121,3 mm, atingindo praticamente o dobro da média.
As chuvas foram mais intensas na macrorregião do Litoral de Fortaleza, onde a normal é de 827 mm e o observado foi 1.248,5 – valor 51% maior do que a média. Na sequência, o Litoral do Pecém teve 999,6 mm, bem acima dos 676,5 mm da normal.
Morgana Almeida, meteorologista no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), explica que apesar da atuação do El Niño, outros fatores contribuíram para uma boa qualidade da estação chuvosa no Estado. "Um desses fatores foi a atuação da ZCIT (Zona de Convergência Intertropical). A ZCIT esteve mais ativa e favoreceu a ocorrência de chuva por conta das águas do oceano Atlântico estarem mais aquecidas", contextualiza sobre o resultado.
"A mudança ocorreu justamente por conta das anomalias positivas de temperatura do oceano Atlântico. Houve uma maior influência do Atlântico em relação ao Pacífico", completa. Para os próximos meses há maior probabilidade de configurar a La Niña, mas coincide com a entrada no período mais seco.
Impacto para os reservatórios
A quadra chuvosa positiva levou ao aporte de 9,45 bilhões de metros cúbicos para os açudes monitorados – também o melhor resultado em 15 anos. Apesar disso, 20 reservatórios estão abaixo de 30% de armazenamento.
Os dados são da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), que faz o monitoramento de 157 açudes no Ceará. A análise do aporte não considera os açudes que transferem água para Fortaleza e Região Metropolitana, como o Açude Gavião.
A maioria dos reservatórios com baixo armazenamento estão nas bacias do Alto Jaguaribe e Sertões de Crateús. Os menores volumes armazenados, inclusive, estão no Sertão de Crateús com 23,8% e o Médio Jaguaribe com 37,2% de água.
Por outro lado, os açudes cearenses estão com 56,9% do volume com água armazenada. Nesse sentido, 50 reservatórios estão sangrando e outros 32 estão com mais de 90% do volume acumulado. O Açude Castanhão, principal reservatório do Estado, está com 36,3% da capacidade.
A reportagem buscou a Funceme para uma análise sobre o resultado do período chuvoso, a distribuição entre os municípios e os fenômenos observados neste ano, mas ainda não obteve resposta até o momento.
Fenômenos envolvidos
Em dezembro do último ano, os meteorologistas apontavam a chance dos municípios cearenses vivenciarem uma seca diante do efeito do El Niño – fenômeno causado com o aquecimento do Oceano Pacífico e que prejudica a formação de chuvas no Nordeste.
Em seguida, em janeiro deste ano, a Funceme publicou o prognóstico apontando que o Ceará tinha 45% de probabilidade de chuvas abaixo da média histórica em fevereiro, março e abril.
A análise também indicava 15% de probabilidade de chuvas acima da média e 40% de chance de os três primeiros meses da quadra chuvosa terminarem com acumulado em torno da média.
Uma nova leitura do cenário, em abril deste ano, observou o enfraquecimento do El Niño e a previsão indicava que abril e maio ficariam dentro da normalidade.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, em abril deste ano, Francisco Vasconcelos Júnior, doutor em Meteorologia e pesquisador da Funceme, explicou que “todos os grandes centros de pesquisa do País estavam indicando um alto risco de termos uma seca, mas as coisas mudaram muito rápido”.
O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), projetou que o trimestre março/abril/maio seria de chuvas abaixo da média histórica na maior parte do território cearense.
O pesquisador da Funceme explica que o El Niño, quarto maior do Ceará desde 1957, teve pico entre dezembro e o início de janeiro, e “tinha um risco muito alto de impacto sobre a estação chuvosa”. Mas o fenômeno tende a acabar neste mês, e teve os efeitos atenuados por outra condição: a temperatura do oceano.
O Atlântico Tropical está quente, muito quente. Esse foi o principal motivo para que, mesmo dentro do El Niño, tenha havido essas chuvas mais expressivas, com fevereiro acima da normalidade e março dentro da normalidade no Ceará, principalmente na região mais ao centro-norte.
Francisco observou que “esse evento do Atlântico aquecido nunca foi visto na história recente”, e gera “muita convergência de umidade, adentrando a região nordestina”. Em resumo: com águas mais aquecidas, há maior evaporação, formação de nuvens e chuvas.
Na porção mais costeira do Ceará, destaca Francisco, houve ainda a forte atividade da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principal sistema indutor de chuvas no Ceará. Apesar disso, “na Região de Crateús e descendo pro Sertão dos Inhamuns, houve uma grande faixa com chuvas abaixo da média em março, bem diferente de fevereiro”.