O Brasil registrou mais de 5,6 mil mortes confirmadas de dengue em 2024, até o último sábado (19), segundo dados do Portal de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde. Com esse número recorde, é preciso entender as estratégias mais eficazes para unir o poder público e a população na redução de focos do Aedes Aegypti. Contudo, a recomendação de evitar água parada, por exemplo, não tem se mostrado suficiente para mobilizar uma mudança de comportamento, apesar de amplamente conhecida e lembrada pelas pessoas.
Essa é uma das conclusões da pesquisa “Combate à dengue, zika e chikungunya — Estudo comportamental sobre a adesão a práticas de prevenção”, realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com apoio da biofarmacêutica Takeda, e divulgada nesta quinta-feira (24).
O estudo, que inclui revisão de literatura, pesquisa de campo e entrevistas, buscou identificar barreiras e facilitadores para a adoção de práticas de prevenção às arboviroses.
A pesquisa selecionou oito municípios do Semiárido e Amazônia brasileira pertencentes a dois grupos: cidades com elevada incidência de dengue e outras com baixa incidência, mas com condições ambientais favoráveis para a reprodução do mosquito.
Montes Claros (MG) e Sinop (MT) foram escolhidos para pesquisa de campo, enquanto as demais cidades, incluindo duas cearenses — Caucaia e Iguatu — tiveram gestores entrevistados.
Os municípios selecionados também participam do atual ciclo do programa Selo Unicef (2021–2024), iniciativa que estimula e reconhece avanços reais e positivos na promoção, realização e garantia dos direitos de crianças e adolescentes. Entre os principais achados do levantamento em campo, estão:
- Os entrevistados sabem que o mosquito que transmite dengue, zika e chikungunya é diferente de pernilongos, mas a maioria afirmou que não consegue identificar o Aedes aegypti no dia a dia;
- Há conhecimento dos sintomas dessas arboviroses, por experiência com a doença; e dengue, zika e chikungunya são consideradas graves;
- A população replica a comunicação oficial de medidas de prevenção, mas isso não se reflete em mudança de hábitos práticos nas residências;
- Foi detectada alguma desconfiança relativa às informações sobre as arboviroses, como exagero de números e ineficácia de vacinas;
- Quando os agentes de endemias já são conhecidos, por atuarem há mais tempo ou morarem no bairro, a receptividade às visitas é maior.
Segundo Luciano Phebo, chefe de saúde do Unicef no Brasil, também existe uma tensão entre quem é o responsável pelo combate à dengue: indivíduos ou Governos. Em muitos casos, há uma responsabilização implícita do Estado, seja por falta de educação, de políticas de combate ao mosquito ou de autoridade (por meio de multas, por exemplo). Na leitura da pesquisa, isso atrapalha o trabalho de prevenção coletiva.
“Muitas vezes, as pessoas não conhecem o próprio vizinho. Elas não se veem parte de um grupo maior e não têm por que cuidar do bairro. É muito mais fácil culpar o outro: ‘eu cuido da minha casa, mas o outro não faz a parte dele’. Ou seja, soluções comunitárias não fazem parte do meu universo”, observa.
Já entre os gestores de saúde entrevistados, os principais desafios apontados foram:
- Número de agentes de saúde e de endemias limitado para a demanda da população.
- Subnotificações e atraso de notificações, com impacto para o planejamento e as ações de controle. A razão mais citada foi o fato de a população evitar ir ao sistema de saúde quando não considera os sintomas graves.
- Percepção de que as secretarias agem de modo fragmentado, sem ações coordenadas entre diferentes pastas.
- Falta de repasses específicos para políticas de prevenção a arboviroses, incluindo casos de desconhecimento sobre acesso a esses fundos
Todo esse cenário precisa ser revisto diante das mudanças climáticas emergentes, capazes de agravar infecções por arboviroses devido às chuvas extremas e ao aumento da temperatura. “A situação vai se agravar. Precisamos aumentar a resiliência comunitária e de serviços”, alerta Luciana.
Eduardo Almeida, diretor executivo de acesso estratégico da Takeda Brasil, lembra que o Brasil é o país com maior casos de dengue no mundo, em 2024. Assim, o estudo traz apontamentos para o poder público e a sociedade pensarem de forma mais profunda. “Precisamos trabalhar de forma coletiva para melhorar a prevenção, que é a coisa mais importante a ser feita”, ressalta.
Prevenção contra a dengue
A publicação fornece uma série de recomendações para enfrentar os obstáculos para colocar a prevenção em prática. Uma das sugestões é aumentar a percepção de risco da população, especialmente em relação às crianças.
As famílias tendem a estar mais atentas quando a criança pequena pode ser afetada. Nós precisamos garantir para a criança um ambiente livre de doenças e de condições que afetem sua saúde física porque ela está num momento de desenvolvimento físico, cognitivo e social. Uma doença incapacitante como a dengue pode fazer com que ela perca o ano escolar ou repita o ano, afetando sua frequência e rotina.
Outra medida sugerida pela médica para o Ceará, que já vivenciou 7 epidemias da doença em quase 40 anos, é incluir nas campanhas de educação e comunicação os relatos de pacientes que já tiveram dengue. “Chamar as pessoas para falar como foi a doença é muito impactante em campanhas de prevenção”, diz.
Além disso, a publicação do Unicef aponta que reduzir o esforço e os custos associados pode estimular a adoção de meninas preventivas. “As barreiras de acesso mais mencionadas estavam associadas ao preço dos repelentes, à contratação de serviços de descarte de entulho, limpeza de locais de difícil acesso (como calhas) e à realização de obras na casa para evitar água parada”.
Dessa forma, realizar políticas para reduzir essas barreiras pode ter efeito positivo. Um exemplo citado é o “Dia-D”, realizado em Montes Claros, quando um caminhão recolhe gratuitamente móveis e entulho dos domicílios. Outra possibilidade é a distribuição gratuita de repelentes em postos de saúde.
Investir em melhorias na infraestrutura e na limpeza urbana, assim como engajar a comunidade e realizar ações comunitárias, também podem ser estratégias para fortalecer a adesão contra o problema.