Num intervalo de dois anos, entre 1996 e 1998, nasceram Anna Carolina e Pedro Régis. Dez anos depois do irmão, em 2008, a caçula Beatriz completou a família. “Meninos maravilhosos, educados, alegres e estudiosos”, como se orgulha o pai, Régis Feitosa Mota – que vivenciou a partida dos três por câncer, em quatro anos.
A sucessão de diagnósticos na família é exaustiva e inacreditável até para quem escuta: foram 11 episódios de câncer entre o pai e os filhos. “A Anna foi a primeira, em 2009. Teve Leucemia Linfoide Aguda (LLA)”, relembra Régis, que concedeu entrevista ao Diário do Nordeste, nesta quarta-feira, 30 de novembro. Datas e nomes dos carcinomas saltam da memória à língua num segundo.
“Mas ela ficou curada, ficou bem. Tratou em São Paulo, com quimio e radioterapia, por quase 3 anos. Foi algo novíssimo, ficamos bastante assustados, com medo de perdê-la”, complementa o pai, com a boca ainda amarga pela perda recente.
Anna Carolina, médica, partiu neste novembro de 2022, a um mês de completar 26 anos, vítima de um glioma (tumor no cérebro) que tratava desde agosto de 2021.
Quando Anna se foi, já carregava consigo a saudade dos irmãos, Bia e Pedro. A mais nova, aliás, é chamada no diminutivo – sinal de carinho ou de uma memória cristalizada, sempre será “Biazinha”. Não teve tempo de crescer. Bia viveu uma década, de março de 2008 a junho de 2018, até ter a vida interrompida pela leucemia. A primeira perda de Régis.
“A Biazinha adoeceu com 9 anos, em maio de 2017, e também foi tratada em São Paulo. Mas ainda em 2016, eu já tinha sido diagnosticado com Leucemia Linfoide Crônica (LLC), e um mês depois o Pedro teve osteossarcoma (câncer ósseo). Começamos a ver que não era coincidência”, relembra o economista.
Naquele ano, 2016, uma investigação de saúde mostrou que Régis e os filhos tinham uma alteração genética – não produziam a proteína p53, gene responsável por suprimir tumores.
Entre 2016 e 2017, então, o cearense e a família tiveram de administrar três tratamentos ao mesmo tempo. “Minha leucemia não requer tratamento agressivo, mas o Pedro teve que tratar com cirurgia, colocação de prótese e quimioterapia. Ele ficou curado, aí a Bia foi acometida”, lista Régis.
Veio, então, o segundo câncer de Pedro, dessa vez no pulmão, diagnosticado em exames de rastreio, indispensáveis para alguém com a condição genética dele e dos irmãos. Tratou, curou. No mesmo ano, três meses após a partida de “Biazinha”, um 3º câncer atinge o garoto, curado em 2019.
Oito meses depois, o quarto e mais grave episódio da doença se instalou no cérebro de Pedro. A luta contra ele durou até 30 de novembro de 2020, quando o filho do meio de Régis, enfim, descansou, aos 22 anos de idade.
No meio disso, em 2020, ainda fui acometido pela Covid, que agravou pela imunidade baixa. Passei 41 dias na UTI, cheguei a fazer hemodiálise, tive sepse, fui intubado, traqueostomizado, fiquei em coma 25 dias. Mas consegui me recuperar. Em seguida, perdi o Pedro.
Do luto à luta
Para Régis, restavam, então, a vida, as muitas memórias que construiu nas viagens com Bia e Pedro, e o mais importante: o abraço da filha mais velha, Anna Carolina. Foi dela e da esposa que veio a força dele para lidar com o próprio segundo diagnóstico: além da leucemia, o economista tinha, agora, um linfoma não-hodgkin.
“Comecei a tratar, porque ao contrário da leucemia crônica ele é mais agressivo. Fiz vários tipos de terapia em 2021. Nesse momento, hoje, as doenças permanecem estáveis”, diz.
Apesar de tudo correr bem no tratamento, 2021 não deu trégua: trouxe consigo, em agosto, o segundo câncer de Anna. “A doença estava aparentemente controlada, mas no meio deste ano ela começou a responder menos ao tratamento. E infelizmente faleceu no dia 19 deste mês”.
Foi uma sequência de perdas numa velocidade muito grande. Eram os meninos ficando bons de um diagnóstico e descobrindo outros. Tem sido dramático e sofrido emocional e fisicamente.
O economista aponta que além dos desgastes óbvios – físicos, pelos cânceres; e emocionais –, havia ainda a preocupação financeira. “Tivemos que mudar de cidade, morar um tempo em São Paulo com eles. Tudo isso envolve muita coisa, estar na incerteza se vai dar certo, se não vai, ficar longe da base familiar, e tendo que suprir todos os custos sem poder trabalhar”, recobra.
Amor marcado na pele
A pergunta natural que surge ao conhecer a história de Régis – e que, talvez, você, leitor, também esteja fazendo – é de onde se tira forças para lidar com tantas perdas assim. Como suportar perder três pedaços tão imensos de si?
“Busco força na fé em Deus. Pra tudo tem um propósito. Os meninos sempre foram muito positivos, encararam tudo com determinação, com otimismo. Foram confiantes até o fim. No meu primeiro diagnóstico, o Pedro disse: ‘Pai, tenha força, porque a Bia foi até o último dia dela, eu tô lutando, o senhor vai conseguir também’. Busco alegria no que me resta”, sentencia.
Hoje, tento ver a vida pela ótica de que a felicidade está nas pequenas coisas, nos amigos, na família, na minha companheira. Focar nas pessoas, nos bons amigos, nos meus pais que ainda estão vivos e precisam de apoio.
Entre as pequenas coisas que alegram está a parede que guarda os desenhos que Bia e Pedro faziam – obras de arte cujas assinaturas estão, agora, eternizadas na pele de Régis. De uma forma além da física, o pai continua carregando os três filhos nos braços.
“A primeira pessoa que tatuou foi o Pedro. Ele me pediu pra tatuar o nome da Bia. Achei significativo ele ter aquela memória no corpo. Logo quando ele faleceu, eu fiz a assinatura dele, tirada dos desenhos. Resolvi deixar o amor deles marcado não somente no coração, mas no corpo”, explica.
Agora, a vida de Régis se divide entre memórias, afazeres – porque o mundo não pausa para o luto –, o tratamento dos dois cânceres e a dedicação aos amores que ficaram.
“Nunca pude viver o luto dos meninos, porque foi tudo sequenciado. Agora que faleceram todos, vivencio o luto vivendo minha luta. E acreditando sempre que existe um mundo paralelo onde eles estão bem, sem dor, sem sofrimento. E lá vamos nos reencontrar.”