Ceará tem maior número de internações de crianças por doenças gastrointestinais desde 2019

A desidratação é a principal complicação dessas infecções em crianças. Manter boa higiene pessoal e dos alimentos ingeridos são algumas recomendações para a prevenção

Neste setembro de 2024, os irmãos Ísis, 2, Isadora, 2, e Natan, 9, passaram quatro dias com sintomas gastrointestinais, como vômito e diarreia. Com os filhos sentindo dor no estômago, a cirurgiã-dentista Ilania Reis, de 34 anos, buscou atendimento em um hospital particular e recebeu a orientação de garantir muita hidratação e medicações específicas. Na emergência hospitalar, ela conta ter visto várias outras crianças que apresentavam os mesmos sintomas.

As doenças diarreicas agudas (DDA) são caracterizadas pela ocorrência de pelo menos três episódios de diarreia aguda em 24 horas, podendo ser acompanhados de náusea, vômito, febre e dor abdominal. Elas podem ser causadas por diferentes agentes, como bactérias, vírus ou outros parasitas, que levam a uma inflamação trato gastrointestinal, a gastroenterite.

Após um período com menos registros durante a pandemia de Covid-19, as internações de crianças de até 9 anos por essas doenças atingiu o maior número desde 2019. Entre janeiro e julho de 2024, houve mais de 3,8 mil internações de crianças dessa faixa etária no Estado, um aumento de 27% em relação aos mesmos meses de 2023.

A maioria das crianças internadas neste ano eram meninos (52,6%) e o atendimento ocorreu em caráter de urgência (97,3%). A análise foi feita pelo Diário do Nordeste a partir dos dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), do Ministério da Saúde, para as seguintes causas de internação: “diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível” (CID-10: A09) e “outras doenças infecciosas intestinais” (CID-10: A02, A04-A05, A07-A08).

Os dados também mostram que, no número absoluto de internações, o Ceará ficou em terceiro lugar do Brasil com mais registros em 2024 e em segundo do Nordeste. No ranking nacional, o Estado ficou atrás apenas do Maranhão (6.961) e do Pará (4.395), e à frente da Bahia (3.581) e de São Paulo (3.088).

As gastroenterites são comuns na infância e os dados de internação mostram apenas uma fração das crianças com as infecções. Por não serem doenças de notificação compulsória, o acompanhamento é feito mais de perto pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) em casos de surtos — que ocorrem com frequência em diferentes locais do Estado, segundo o médico epidemiologista Carlos Garcia Filho, orientador da Célula de Vigilância e Prevenção de Doenças Transmissíveis e não Transmissíveis da Sesa.

“Muitas vezes, eles vão estar relacionados a uma fonte alimentar comum ou uma fonte hídrica comum”, explica. Os surtos podem ocorrer em uma festa em que várias pessoas ficam doentes, por exemplo. Nesses, o médico destaca a importância de o paciente explicar esse contexto ao buscar um profissional de saúde para o surto ser notificado e a situação ser acompanhada.

RISCOS DA DESIDRATAÇÃO

Segundo a gastroenterologista e hepatologista pediátrica pediátrica Júlia Teixeira, a gastroenterite ocorre de forma com diferentes nas regiões brasileiras, com “impactos desproporcionais em determinados grupos populacionais”.

Atualmente, observa-se um aumento de ida às emergências por causa de gastroenterite aguda. A faixa etária mais prevalente é de 1 aos 10 anos. Sendo as crianças entre 1 e 4 anos as mais vulneráveis a complicações como desidratação e necessidade de internações hospitalares.
Júlia Teixeira
Gastroenterologista e hepatologista pediátrica

Durante a primeira infância, principalmente entre 1 e 4 anos, a médica explica que o comportamento exploratório das crianças aumenta o risco de contaminações e de infecções com quadro clínico mais expressivo, com vômitos e febre associados à diarreia.

Ela também destaca que o risco de desidratação grave — e suas complicações — também é maior. “Nessa faixa etária, contribui para a gravidade (da doença) a dificuldade em ofertar sais de reidratação oral, água e outros líquidos necessários para garantir a hidratação da criança”, complementa.

Sávio Pinheiro, médico de Cariús, município localizado a 421,47 km de Fortaleza, também alerta que a desidratação é a complicação mais comum das gastroenterites, o que leva ao internamento. “Ao primeiro sinal de diarreia, o mais importante é a hidratação. Se a criança se desidrata, as complicações são inevitáveis”, afirma.

A perda de líquidos e sais (sódio e potássio) podem trazer letalidade às crianças, como insuficiência renal, baixa do débito cardíaco e morte. A criança desnutrida está mais susceptível, sempre. Uma alimentação saudável é sempre salutar.
Sávio Pinheiro
Médico

CAUSAS DA INFECÇÃO E PREVENÇÃO

Em locais de clima tropical, Júlia Teixeira aponta que a gastroenterite é mais comum nos períodos de calor.  Isso pode estar relacionado a uma maior disseminação de patógenos por contaminação de água e alimentos, por exemplo.

Conforme a gastroenterologista e hepatologista pediátrica, os vírus — como o rotavírus e o norovírus — são os principais responsáveis por causar a doença. “Em nosso meio, associado às condições relacionadas ao saneamento básico, as bactérias ocupam um papel importante”, afirma.

Uma causa “muito importante” da diarreia, conforme Pinheiro, é o uso indiscriminado de antibióticos. Ele explica que esse tipo de medicamento elimina as bactérias benéficas ao intestino — a flora normal — e provoca o problema intestinal. “O mais grave é que a prescrição, na maioria das vezes errada, poderia ser evitada. Ela é feita por balconistas de farmácias e leigos, no interior. E também por médicos menos atentos”, alerta.

A pediatra Vanuza Chagas aponta que, no início do ano, há um número elevado de gastroenterites devido à quadra chuvosa — a chamada “ virose da mosca” — e que no pós-pandemia observa-se mais diarreia e gastroenterite causadas por vírus como rotavírus, norovírus e adenovírus.

No caso específico do rotavírus, o quadro clinico é bem exuberante, com vômitos, diarreia intensa e desidratação, levando a maior número de internações. Reflexo também da baixa cobertura vacinal no calendário infantil, que também se refletiu na vacina contra rotavírus.
Vanuza Chagas
Pediatra

Na maioria das vezes, a contaminação com os agentes que causam diarreia aguda ocorre por via fecal-oral, seja na transmissão por contato direto ou pela contaminação por meio de água ou de alimentos. “O acesso à água potável, higienização adequada dos alimentos e evitar contato com pacientes na fase sintomática podem reduzir o risco de infecção”, aconselha a médica.

Para evitar o agravamento do quadro e a necessidade de a criança ser internada por causa da doença, é preciso estar atento para a hidratação. A recomendação é aumentar a oferta de água e de sais de reidratação oral, além de repouso e atenção aos sinais de desidratação, como choro sem lágrimas e redução do volume da diurese. “Estes últimos, se presentes, são sinais de que a criança necessita de avaliação médica”, destaca Júlia Teixeira.

Para a prevenção, Vanuza Chagas acrescenta os seguintes pontos: cuidado com a higiene pessoal e dos alimentos, lavagem das mãos, alimentação saudável, aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e manter amamentação até 2 anos ou mais. Ela também cita a importância de manter a criança doente fora da creche ou escola e de a vacinação estar em dia.

O médico Sávio Pinheiro reforça a necessidade de se ter noções básicas de higiene e lavar bem os alimentos que serão consumidos. “(É preciso) ter condições sanitárias adequadas e entender que a doença acontece das fezes para a boca dos pacientes. A higienização das mãos das crianças e de quem cozinha é muito importante”, complementa.

O hábito de manter as mãos higienizadas é um dos fatores a que se atribui o menor número de internações por doenças gastrointestinais durante a pandemia de Covid-19, além do isolamento social. “Esse cuidado com as mãos é muito importante. Claro, há algumas coisas que são de dimensão maior, como saneamento básico e acesso a água e alimentação seguras”, finaliza Carlos Garcia Filho.